Contador de Visitas

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Dois artigos sobre Medos Urbanos publicados na revista E do SESC-SP em 2008.

Revista E: Medos Urbanos . Artigos dos Professores Nancy Cardia e Mauro Koury
Revista E (SESC-SP). Nº134 - Julho de 2008

Andar sozinho pelas ruas à noite, parar no farol vermelho de madrugada, ser abordado por estranhos, sair de casa com objetos de valor. O que poderia ser definido como hábitos comuns se torna práticas de risco diante dos atuais índices de violência. O principal efeito dessa transformação é a instituição de um verdadeiro estado de pânico – sobretudo nas grandes cidades. "A presença do medo da violência dentro de uma sociedade tem profundo impacto sobre a vida social, cultural, econômica e política de um país", afirma a coordenadora adjunta do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP) Nancy Cárdia. Para o antropólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba Mauro Guilherme Pinheiro Koury o sentimento pode levar o indivíduo a uma clausura social. "Sobretudo de classe média, que tem dificuldades de relacionamento e sentimento de solidão amplificado". A seguir a integra dos artigos dos dois especialistas que analisam os danos, em diversas dimensões, de uma sociedade assombrada.
*
"Medos urbanos"
por Nancy Cárdia
*

Quando falamos de medo urbano estamos, em geral, nos referindo a um tipo de medo: o medo da violência. Esse medo se refere tanto ao medo de ser vítima da violência criminal, como da violência interpessoal, motivada por qualquer tipo de conflito ou desentendimento entre desconhecidos, e por fim o medo por outros, isto é, o medo de que parentes sejam vítimas da violência, em especial da violência criminal (também conhecido como medo altruísta). A presença do medo da violência, dentro de uma sociedade, tem profundo impacto sobre a vida social, cultural, econômica e política de um país. Reduz a disposição das pessoas para ações coletivas, aumentando a desconfiança entre elas, inibindo o exercício de capital social, porque o reduz o diálogo e, portanto, a identificação de que problemas são compartilhados, afetando ainda o exercício da solidariedade.

Além disso, o medo inibe investimentos econômicos, onerando tais investimentos e drenando recursos de setores produtivos para a segurança de pessoas e/ou de empreendimentos, entre outros. Afeta a vida social, introduzindo a necessidade do planejamento e do monitoramento de atividades rotineiras, de modo a reduzir a percepção de risco de serem vítimas de violência e resultando em restrições de comportamentos. O medo da violência tem ainda impacto sobre a política, visto que se atribui aos governantes a maior parte da responsabilidade por sua redução, entrando, assim, na agenda política, quer como bandeira em campanhas políticas, quer como exigência da população – e, quando isso ocorre, pode ser manipulado para se justificar a adoção de medidas arbitrárias, contanto que dêem a sensação de que serão capazes de reduzir o medo.
Para os governantes, um dos grandes desafios que o medo da violência apresenta é que, uma vez instalado em uma sociedade, ele não desaparece com a simples melhora das estatísticas oficiais, isto é, com a redução da violência criminal, registrada pelos órgãos encarregados da segurança pública. As estatísticas oficiais podem apresentar uma forte queda, como ocorreu em São Paulo no caso dos homicídios (que nos últimos seis anos teriam se reduzido à metade do que eram em 2000) sem que o medo sofra uma redução semelhante. Como podemos afirmar que o medo permanece alto? Várias pesquisas de opinião conduzidas com a população revelam que a violência continua sendo um dos principais problemas para a população de São Paulo, a indústria da segurança privada continua a crescer acima do crescimento da economia, e os prêmios de seguro por bens de consumo duradouro e propriedade continuam elevados.

Mas isso não basta para dizer que o medo continua alto, não fora o fato de que o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV) realiza pesquisas na cidade de São Paulo, para monitorar os efeitos do contato com a violência sobre uma série de fatores, há nove anos coletando dados especificamente sobre o medo e sobre as providências adotadas pela população para reduzir sua insegurança. Esses dados demonstram que, ao longo desse período, o medo não desapareceu. Não só a população continua a ter medo como até cresce sua disposição a pagar por itens de segurança privada: monitoramento eletrônico, vigilância eletrônica, serviços de escolta, blindagem de veículos, uso de helicópteros, moradias em condomínios (horizontais e verticais) que utilizam a segurança como principal atrativo e prêmios de seguros.

Qual o tamanho do medo e o que explica sua não-redução, na medida em que caem os números dos homicídios? Nossas pesquisas revelam que, entre 2001 e 2006, de 1/5 a 1/3 da população da cidade de São Paulo não se sentiu segura para andar, durante o dia, por ruas de seu bairro. Os dados mostram ainda que cerca de 10% da população não sai à noite por medo, sendo que o percentual máximo de pessoas que declarou "sentir-se muito segura" para sair à noite foi 6%.

A insegurança ao sair à noite afetava a maioria dos moradores da cidade (51%), mas esse percentual já fora maior, havia atingido 60% em 2003. Nossos dados surpreendem porque o medo é disseminado: é sentido por jovens, jovens adultos, adultos e pessoas acima dos 60 anos, por homens e mulheres, moradores de áreas de alta renda, de renda média e de baixa renda. Parece ser universal e é maior quando há mais experiência com vitimização violenta, isto é, quanto mais as pessoas são vítimas de delitos violentos, em particular roubo à mão armada, maior é o medo que fica como seqüela da experiência. Deve-se lembrar que as pessoas são vítimas não só quando são o alvo da agressão ou do delito, mas também quando os assistem, ou ainda quando as vítimas são seus parentes próximos. Vale lembrar que esse estudo do NEV tem demonstrado que é alto o número de pessoas vítimas "alguma vez na vida" de roubo com o uso de uma arma de fogo: 1 em cada 4 pessoas da cidade já teve essa experiência na vida.

Se os efeitos do contato com a violência não desaparecem com a queda nos registros dos homicídios, isso se deverá à combinação de fatos: nem todos os delitos considerados graves pela população diminuem; há um efeito acumulado de experiências negativas que não são facilmente apagadas da memória das pessoas; isso se soma a condições ambientais que estimulam o medo, tais como: o abandono de certas regiões da cidade, consumo e venda de drogas e álcool em vias públicas, iluminação pública deficiente, prédios abandonados, veículos abandonados em vias públicas etc. Todos são sinais da ausência de um poder público que aplique as leis e que favorecem a manutenção do medo. Assim, o medo não é conseqüência só da experiência de ter sido vítima da violência, mas também da presença nos locais por onde há indícios de desordem e abandono.

O medo, combinado com a sensação de ausência de um poder público capaz de prover segurança coletiva e com a impotência dos cidadãos para exercer controle sobre as autoridades, estimula a adoção de estratégias individuais para diminuir o risco percebido de serem vítimas da violência ou pior, de que seus parentes próximos o sejam.
As pessoas adotam estratégias de sobrevivência cônscias de que estas não substituem o papel do Estado. A abrangência e a diversidade das medidas variam de acordo com o poder aquisitivo. As mais freqüentes se referem a mudanças de rotinas: evitar sair à noite, mudar o trajeto de casa para trabalho ou escola, deixar de usar linha de ônibus, ou evitar andar com dinheiro. Outras freqüentes se referem a aumentar a segurança da moradia: subir muros, colocar grades nas janelas, arrumar um cão de guarda (haja vista a proliferação de cães ferozes pit bulls, rottweillers e outros não devidamente treinados e mantidos nas periferias dos centros urbanos ocasionando os acidentes fatais que daí decorrem) ou colocar cadeados em portões. Outras medidas, que exigem maiores investimentos, como a instalação de alarmes, porteiros eletrônicos e vigilância eletrônica são adotadas por menos de 10% da população, porém observamos que, à medida que caem os preços, vem crescendo a adoção desses equipamentos em toda a cidade, inclusive nos bairros de menor renda. O distanciamento de vizinhos, evitando conversas entre si, ou que seus filhos brinquem uns com os outros, ocorre com menor freqüência. O aspecto da vida social que parece ser mais afetado é aquele entre pessoas que não se conhecem: se ao menos 20% da população não se sente segura para caminhar por ruas do seu bairro, durante o dia, pode-se inferir que dificilmente haverá oportunidade para que pessoas do bairro se conheçam. Quando a população evita as ruas, elas ficam vazias, o que aumenta a oportunidade para que ocorram delitos. Não é só a possibilidade de contato entre vizinhos mais distantes que é afetada, a saúde física das pessoas sofrerá, como testemunham vários estudos que comprovam que o medo da violência impede que crianças, jovens e idosos usem espaços públicos para exercícios físicos, sendo isso considerado como um dos fatores responsáveis pelo crescimento da obesidade infantil e juvenil.

Se o medo não parece afetar a relação entre vizinhos próximos, mas reduz as oportunidades de contato entre moradores de um bairro, ele também afeta a percepção de civilidade: quanto maior o medo, maior a tendência por parte das pessoas de identificarem, dentro de seus bairros, comportamentos incivis: lixo jogado em áreas públicas, brigas em locais públicos, uso de linguagem ofensiva entre pessoas em vias públicas etc. Mais grave ainda é o fato de que, nessas condições, há menor percepção de disposição dos moradores de agirem em defesa da comunidade ou de grupos mais frágeis dentro da comunidade, como crianças e idosos. Isso é o que o estudo do NEV vem demonstrando: maior o medo, menor a disposição para ação coletiva em defesa da comunidade e menor a sensação de que as pessoas fazem parte de uma comunidade. Se o bairro é apenas um lugar para morar, sem vínculos afetivos, haverá pouca disposição para agir em sua defesa. Assim, o círculo vicioso é mantido: com medo, as pessoas se retraem e continuam a buscar estratégias individuais de proteção, ainda que saibam que estas não serão suficientes para lhes devolver a tranqüilidade que tanto anseiam. O que reduz o medo é a sensação de que a comunidade detém o poder de exercer controle social, e esta exige, por sua vez, diálogo com os encarregados de aplicar as leis e com a administração local, para que aquelas condições que reforçam o medo dentro da comunidade sejam reduzidas.

"Para os governantes, um dos grandes desafios que o medo da violência apresenta é que, uma vez instalado em uma sociedade, este não desaparece com a simples melhora das estatísticas oficiais".

Nancy Cardia é coordenadora adjunta do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP)

Apesar de estarmos nos referindo aos medos urbanos, devemos ter em mente que hoje em dia esses medos não são um fenômeno exclusivo dos grandes centros urbanos, afetando também moradores de cidades de médio e pequeno porte e até mesmo moradores de áreas urbanas localizadas nas proximidades de grandes regiões metropolitanas.
* * * * * * * * * * * * * * * *

"Cultura do medo e juventude: uma análise do Brasil atual"
por Mauro Guilherme Pinheiro Koury
*
O medo do outro no Brasil atual parece enclausurar a pessoa, sobretudo de classe média, que tem dificuldades de relacionamento e sentimento de solidão amplificado, provocando uma sensação nostálgica do que passou, de um tempo que não volta mais, em que os vizinhos se comunicavam entre si, havia mais cordialidade e menos agressividade.O entorno das moradias vem se tornando, real ou imaginariamente, ameaçador; os habitantes mais pobres da cidade são evitados e objetificados por meio de uma ótica perversa, construída pela cultura do medo, como 'marginais', como delinqüentes. O sentido da violência torna-se, desse modo, endêmico, banalizando a vida e tornando o ato de viver um instrumento de segurança pessoal e privada. De forma simultânea, as mortes violentas e as chacinas começam a se tornar toleráveis, e não provocam mais indignação e são até mesmo desejadas como forma de diminuição das ameaças pessoais.

De acordo com uma pesquisa recente realizada pelo Sebrae, 63% dos entrevistados nas capitais e regiões metropolitanas brasileiras, com idade entre 15 e 24 anos, demonstraram preocupação com a violência e com a falta de segurança no país (Jornal do Comércio, 21/02/2008), o que parece sinalizar para uma descrença nas políticas públicas nacionais e para um receio pessoal crescente de freqüentar espaços públicos, ou mesmo de aproximar-se de outros cidadãos, principalmente de jovens como eles próprios. Embora reforcem o medo nos indivíduos jovens de classes mais baixas, o receio estende-se a todos os jovens de camada social igual ou mesmo superior.

A cultura do medo parece vir construindo uma barreira invisível que separa e isola as pessoas, e as faz temer tudo e todos, deixando de confiar no outro. Entre os jovens, esse embaraço ganha contornos mais nítidos, pois está associado a um distanciamento maior e cada vez mais alongado do poder de consumo, que vai desde o tempo e a qualidade da educação formal, à questão da inserção no mercado de trabalho precoce e cada vez mais difícil, até a aquisição de objetos de moda, o que amplia a distância entre classes, com a exclusão e banalização dos miseráveis, ao mesmo tempo em que, também, demanda um estranhamento geral, já que jovens de classe média baixa e, às vezes, alta são cada vez mais apontados como executores de atos de delinqüência juvenil.

Atos que se estendem da participação em roubos e furtos, espancamentos de outros jovens, envolvimento com drogas, não apenas como consumidores, mas também como integrantes do tráfico (Folha de S.Paulo, 12 de novembro de 2007), à prática do estupro, seqüestro e morte.Várias reportagens na mídia nacional dão destaque a grupos de jovens de classe média alta envolvidos em espancamentos e lutas corporais, por motivos banais, em todas as capitais dos estados brasileiros. Desde tocar fogo em um índio que se encontrava dormindo em um ponto de ônibus na cidade de Brasília, ou espancar mendigos nas ruas, como tem acontecido nas cidades de Recife e do Rio de Janeiro, até espancamentos de outros jovens por rixa de grupos rivais, ou porque estavam com a ex-namorada de um outro, ou porque um dos participantes de um grupo achou que houve insinuações para outro dos membros do seu grupo – do sexo masculino e, sobretudo, do feminino – por um ou mais dos membros do grupo oposto, e envolvimento com estupros e com drogas, entre outros casos, são fatos de destaque na mídia nacional, desde os anos finais do século 20. Isso quase sempre causa comoções e alarme por parte das famílias brasileiras, pelo receio do que possa acontecer a um dos seus filhos na saída inocente para uma festa, um bar ou boate e, sobretudo, pela impunidade dos jovens causadores desses atos. Impunidade, na maior parte das vezes, ocasionada pela morosidade da Justiça ou, o que é muito mais grave, pela importância econômica ou social dos pais dos participantes.

A cultura do medo faz as famílias dos jovens desconfiarem de todos os colegas dos seus filhos, mesmo os de famílias conhecidas, pois, como confidenciaram mais de um casal de pais de adolescentes e adultos jovens em entrevista ao autor, "nunca se sabe, na verdade, quem é que está com o nosso filho", ou, "às vezes é filho de um conhecido de muito tempo, mas que se revela um pequeno delinqüente, podendo estar envolvido com drogas ou com coisa pior", "até meu filho chegar em casa eu não descanso, pois não sei até onde vai o espírito dos coleguinhas dele", "será que ele vai ser assaltado por um marginal na rua", "será que vai se envolver com brigas puxado por outros", "vai ser objeto de chantagem de policiais em busca de dinheiro fácil", "será que vai ser vítima de estupro", entre outras indagações e medos imaginários e possíveis, tendo em vista a construção cotidiana da mídia sobre a fragmentação social e sobre a exposição dos jovens a um mundo de maldades e sem lei. Como exemplos, citam-se casos expostos cotidianamente na mídia de adolescentes e jovens vítimas de assaltos, estupros, intimidações várias por outros jovens "de rua", como são considerados no geral os jovens pobres que freqüentam a cidade, ou por gangues de jovens, na maior parte – no pensamento mágico, influenciado pela mídia, que expande a cultura do medo no país –, composta por jovens marginais ligados ao tráfico de drogas ou ao desmanche de carros. Citam-se, também, as relações intraclasse nas disputas entre jovens pobres intimidando os que querem seguir o "caminho do bem", ou grupos de jovens pobres na disputa de espaços nos bairros e ruas onde moram, ou entre jovens mais ricos e mais pobres de classe média e média alta como relações perigosas. Os de classe média e média baixa têm medo das relações travadas com outros jovens de classe média alta, pelo uso do poder e impunidade desses últimos. Lembram notícias publicadas em jornais e na mídia em geral de jovens espancados por outros, envolvidos em disputa de espaço ou de namoradas, sendo os espancadores todos de classe média mais alta, ou no caso de estupros e mortes de adolescentes patrocinados por grupos de jovens de classe média alta e alta, e a impunidade que cerca esses crimes, por causa do poder político ou econômico dos pais.Os pais de classe média alta ou alta, por sua vez, se dizem com receio das amizades dos filhos com colegas de escola e universidade, muitas vezes autores de seqüestros ou mortes dos amigos, se não de toda a família da vítima. Por motivo de "querer um dinheiro mais fácil" para comprar tal ou qual objeto de consumo da moda, assim, esses jovens de classe média mais baixa, segundo os pais das vítimas e, sobretudo, pelas notícias veiculadas pela mídia, "aproveitavam do fato de serem amigos dos de classe mais alta" e os faziam de vítimas para alcançarem os seus objetivos. Citam, como forma de comprovar seus medos, notícias veiculadas na mídia nacional sobre jovens seqüestrados ou mortos por outros jovens, que freqüentavam a mesma universidade ou classe escolar e eram amigos de saídas para estudo ou lazer e freqüentavam a casa um do outro, quando não o assassinato de todos os familiares dos jovens das casas que freqüentavam, por motivos banais, ou para roubar aparelhos eletrônicos, ou por simples inveja, ou a influência nefasta de namorados que, por vingança dos pais que não permitem o namoro, induzem o parceiro ou a parceira a matar os pais.Ao mesmo tempo, a violência, de forma concomitante e simultânea, parece ter se tornado banal e até democrática na contemporaneidade brasileira. A violência e o seu corolário, o medo da violência, parecem funcionar, desse modo, como meio de expressão e estilo de vida, especialmente entre os jovens.

A violência e os atos violentos ocupam o espaço deixado pela fragmentação dos valores sociais mais pessoalizados em uma sociedade de mudanças profundas nas esferas comportamentais e caminhando para um individualismo "selvagem" como modo de vida, já que as devidas regras sociais do novo momento da sociabilidade brasileira não se encontram de todo claras, nem sequer esboçadas. Os valores que criam a identidade do indivíduo, dessa forma, pulverizados e questionados no seu potencial de pertença, parecem colocar-se no social de forma frágil e transitória, ampliando a solidão dos sujeitos e amplificando o imaginário social do outro como concorrente, como inimigo ou estranho, contribuindo para os contornos sociais de onde se visibilizam as interações entre indivíduos para esse novo caráter da violência expressa de diferentes maneiras pela mídia e que parece conformar o imaginário dos cidadãos, o que parece gerar nos jovens e adultos uma enorme obsessão pelo medo, entre outros atributos, usados pela cultura do medo como um sustentáculo e ampliação da indústria que a mantém.

Desse modo, todos os jovens tornam-se sob suspeição. Os mais pobres, comumente, são os considerados marginais ou bandidos pelo simples fato de serem pobres. O que equivale à visibilidade concreta da barreira social que está presente de modo claro, separando os que têm algum acesso aos benefícios sociais, culturais e econômicos de um cidadão e os que simplesmente ousam existir (a maioria da população). Os demais das classes médias (baixa, média e alta e suas variações em torno de cada faixa) e da classe alta são suspeitos uns em relação aos outros, provocando um medo generalizado sobre as ações possíveis que envolvam cada jovem em particular como vítima ou autor de um ato de maldade.Digo maldade porque a cultura do medo termina por levantar uma discussão geral e presente no imaginário do brasileiro médio, da relação entre o bem e o mal intrínseco, na qual o bem é sempre visto do lado do seu ou meu jovem e o mal em relação aos outros jovens em geral. Relação imaginária que provoca a suspeição de todos como universo de precaução pessoal.

“A cultura do medo parece vir construindo uma barreira invisível que separa e isola as pessoas, e as faz temer tudo e todos, deixando de confiar no outro”.

Mauro Guilherme Pinheiro Koury é coordenador do GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba.

[Artigos publicados na Revista E (SESC-SP). Nº134 - Julho de 2008]