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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Reportagem sobre Medos e Cotidiano em João Pessoa

O jornal O NORTE, do dia 19 de dezembro de 2010 publicou uma reportagem sobre Medos na cidade de João Pessoa a partir de uma entrevista realizada com o Prof. Dr. Mauro Koury, coordenador do GREM. Abaixo segue o link para a leitura da reportagem de Luiz Carlos Lima:


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Segue também, abaixo, a entrevista realizada com o Prof. Mauro Koury:


A ENTREVISTA COMPLETA realizada em 09 de dezembro de 2010
Repórter: Luiz Carlos Lima
Diretoria de Redação
Diários Associados

LCL: Professor Mauro,estamos fazendo uma reportagem para o Jornal a respeito do medo da população da violência. Segunda uma pesquisa do IPEA, poucas pessoas acreditam na polícia e a maioria teme a falta de segurança. Os números fazem sentido: a ONU recomenda que haja 1 policial para cara cada 250 habitantes. Na Paraíba, temos um policial para cada 370 habitantes, ou seja, falta policiamento nas ruas e as pessoas estão investindo cada vez mais em segurança pessoal. Segue um elenco de questões:

LCL: Como o Sr. define esse medo da população?
MK: A população de João Pessoa vem se sentindo insegura desde os finais da década de 1970, com a expansão da cidade e o seu crescimento acelerado. O estranhamento do outro habitante, agora desconhecido, tem provocado uma onda de receios; o crescimento acelerado dos bairros praianos, Cabo Branco, Tambaú e principalmente Manaira e Bessa, e a concentração nesses bairros da infraestrutura de comércio e lazer (além da praia) tem completado esse estranhamento. Em uma pesquisa coordenada por mim, através do GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções, do Departamento de Ciências Sociais, CCHLA, UFPB, em 2008, e publicada em forma de livro (KOURY, Mauro, de que João Pessoa tem medo? João pessoa: editora Universitária, 2008), apontou esse crescimento acelerado da população da cidade e a quebra de laços de vizinhança vividos pela população local desses bairros até o final do século XX, como uma das causas desse medo. Muitos moradores falaram que tem medo de sair de casa porque vão esbarrar com "gente de todo lugar" que circulam ou moram nos bairros. Já não conhecem mais ninguém, vários vizinhos venderam ou trocaram suas casas por apartamentos e a verticalização dos bairros provoca o desconhecimento do outro. Por outro lado, os bairros praianos se tornaram um ponto de circulação de moradores de outros bairros da cidade, que vão para lá para trabalhar, para lazer: praias, bares ou shopping. O que aumenta a desconfiança dos moradores locais e o estranhamento desse outro sujeito, morador ou não do bairro, que circula por suas avenidas. A violência real ou imaginária invade a cidade, e a indústria da segurança faz expandir a cultura do medo.

LCL: Como as pessoas reagem diante desse medo da violência?
MK: Retraindo-se, ou tentando adquirir instrumentos da indústria da segurança para suas casas e bens. A classe média, principalmente, mas você verifica em toda a cidade: aumento dos muros; alarmes; grades; blindagem de carros; evitar circular o máximo possível; não deixar os filhos brincarem nas ruas; o estresse causado pela fobia da segurança, melhor seria, da insegurança, etc.
Nos bairros populares, tem além do mais o estigma da violência: o que provoca, ainda por cima, divisões de bairros em locais violentos e menos violentos: como o caso do Roger e sua divisão imaginária em Roger de cima e de baixo: os de baixo estigmatizados como violentos, por serem mais pobres e com menos infraestrutura, etc.
Outra forma apontada pelos moradores, de todos os bairros da cidade, é a falta de infraestrutura da cidade: ruas escuras ou mal iluminadas; falta de policiamento adequado; a dificuldade de transportes urbanos; calçadas e ruas mal conservadas, que transformam alguns espaços dos bairros em zonas perigosas de circulação, etc.

LCL: Como o Sr. analisa essa falta de policiamento no comportamento da população?
MK: De dois modos: do primeiro, a população vê a polícia como não preparada para a defesa e segurança da população. A falta de preparo da polícia é sentido com ênfase maior do que sobre o número efetivo de policiais nas ruas. A polícia é vista pela população como gerando insegurança pela falta de preparo no lidar com o público e com a segurança do cidadão. Os atos policiais são vistos de forma temerosa, já que qualquer um pode estar sujeito aos desmandos da falta de preparo do policial ou de suas rondas.
Assim, a policia causa medo na população. De outro lado, a falta de policiamento nas ruas é também apontada como uma das consequencias da insegurança do cidadão. O que não quer dizer que a população não aplauda atos efetivos da policia, mas aponta principalmente suas falhas, pela falta de preparo e pelo pouca presença física em áreas de muito movimento.

LCL: Vivemos, atualmente, em uma sociedade do medo?
MK: Sim, vivemos atualmente em uma cultura do medo. Por quê? Primeiro pelo processo de individualidade crescente das cidades, grandes e de porte médio, no Brasil, dos anos de 1970 para cá, e do mundo ocidental, desde o final dos anos quarenta do século XX. Essa individualidade tem sido conduzida ideologicamente no formato de um individualismo crescente. O desconhecimento do outro, a quebra de um mundo comum e compartilhado até então vivido e hoje relembrado como um ideal que não volta mais, a concorrência acelerada, a incerteza do presente e do futuro, a luta por um futuro melhor que nunca chega, aumenta a solidão do sujeito e seu estresse e neurose.
Do outro lado, e concomitante, a indústria e o consumo de uma indústria da segurança tem aumentado numericamente e em capital no Brasil, desde os anos setenta. O que induz a insegurança do cidadão e o receio de nunca estar suficientemente seguro: daí a necessidade de cercar-se cada vez mais de infraestrutura privada de defesa. Em um terceiro momento temos a visão da fragilidade de nossas instituições: o sistema jurídico, o sistema policial-militar é visto como não eficiente, sem preparo e em alguns momentos sob a ótica da suspeição, pela corrupção e outros descalabros.
Em um quarto momento, a grande desigualdade social do país, que reflete também na Paraíba e em João Pessoa, associado a um quadro de indução do consumo e da obtenção do lucro de qualquer forma, leva a busca imediata do prazer: não é para menos que os jovens do século masculino sejam os mais afetados por essa lógica e terminem morrendo antes de completar 25 anos...
É isso.

LCL: Por favor, para finalizar, indique o seu título acadêmico, dados institucionais e linhas de pesquisa
MK: Meu nome é Mauro Koury, sou doutor em sociologia e coordenador do GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções, do Departamento de Ciências Sociais do CCHLA, UFPB - campus I. Minhas linhas de pesquisa são a sociologia e a antropologia das emoções, onde realizo pesquisas sobre medos e cidade no Brasil urbano.

LCL: Desde já grato!
MK: Eu que agradeço e estarei sempre disponível para novas consultas.