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sábado, 30 de janeiro de 2010

Sobre o termo Saudade

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Dia Mundial da Saudade - entrevista com Mauro Guilherme Pinheiro Koury

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No dia 28 de janeiro de 2010 o Professor Mauro Guilherme Pinheiro Koury, coordenador do GREM, concedeu uma entrevista por e-mail à reporter Isabelle Araújo, dos Diarios Associados, sobre a palavra SAUDADE, para uma matéria a ser publicada no dia mundial da saudade, comemorado hoje: 30 de janeiro.
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O texto produzido pela repórter Isabelle Araújo foi publicado no Jornal O Norte Online de 30.1.10 e pode ser lido no seguinte link: O Norte Online [30 de janeiro é o dia da "Saudade", uma palavra difícil de traduzir].
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A entrevista completa com o Professor Mauro Koury será reproduzida abaixo, como uma forma deste Blog do GREM também contribuir na lembrança desta data comemorativa do dia mundial da Saudade.
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Segue abaixo a entrevista completa [perguntas de Isabelle Araújo (IA) e respostas de Mauro Guilherme Pinheiro Koury (MGPK)]:
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ENTREVISTA COMPLETA SOBRE SAUDADE PARA O JORNAL O NORTE ONLINE, JP, PB, em 28.01.2010.
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IA - O sentimento da saudade é cultuado de formas diferenciadas entre as sociedades?


MGPK – Sim, o sentimento de recordação de algo ou alguém querido que se encontre distante ou perdido é um sentimento comum a todas as sociedades e grupos humanos e a toda pessoa individualizada. As formas de como é sentido ou cultuado varia de acordo com o simbolismo de cada cultura específica, seja ela de uma sociedade em geral, ou de instituições de uma mesma sociedade. A forma de sentir saudade ou o conjunto de emoções a ela incorporado varia socialmente e culturalmente e essas variações são assimiladas de forma inconsciente pelos indivíduos que fazem parte (por adesão ou por nascimento) dessa instituição e sociedade.

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IA - As sociedades de origem lusitana têm maior traço característico com esse sentimento, uma vez que a expressão é única da língua portuguesa? Há sociedades que não cultuam a saudade?


MGPK - Não há sociedades onde os indivíduos não tenham relações com o sentimento de luto, de perda, de exílio, de distância de um outro querido (seja ele objeto ou pessoa). O sentimento de recordação sobre o que se foi, sobre o que se perdeu, sobre o que se encontra distante, sobre a dificuldade do reencontro com esse elemento ensombreado que faz falta àquele que o evoca, é comum a todas as sociedades e indivíduos. As relações com esse sentimento, as formas de invocá-lo, as formas de sublimá-lo, até, variam em simbologia e normas de condutas em cada cultura emotiva de uma sociedade ou instituição específica. Deste modo, até em uma única sociedade pode haver variadas formas de interpretação e de vivência da saudade, de acordo com os rituais e com os modos de encarar esse sentimento social em cada instância societária institucional ou grupal.
Nas sociedades de língua portuguesa existe sim um culto específico ao termo saudade. A vivência de uma sociedade que se aventurou no mar no século XVI em busca de conquistas, e depois a diáspora portuguesa, que fez o povo português emigrar para várias regiões do planeta, seja por conquistas, seja em busca de uma vida melhor, ou por motivos semelhantes, levou a sociedade portuguesa a cultuar o termo saudade, como uma forma ‘doce’, embora amarga em si, de se encontrar e remontar um projeto de vida português em outras terras. O Portugal distante era sentido, através do sentimento de saudade, de forma sentimental, e a reconstrução de um “novo Portugal” no local onde os emigrantes se locavam, de retenção de um pouquinho dos hábitos do Portugal perdido ou distante, era realizada por esse sentimento saudade via sentimentalismo, via vontade de possuir aquilo que já não tinha volta.

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IA - Que formas de interação social o senhor identificaria como mais presentes com o sentimento da saudade?


MGPK – Interação social implica em relações de, no mínimo, de uma díade: uma relação entre dois sujeitos sociais, já dizia Simmel. Nesse sentido, a saudade é o sentimento de algo ou alguém que já não é (naquele momento em que é evocado). Uma fotografia é sempre um instrumento onde a saudade é uma evocação! Quando eu vejo uma fotografia eu vejo algo ou alguém, em um tempo e em um espaço específico, que me fez recordar de momentos onde fui triste, onde fui feliz, onde havia pessoas a mim caras, onde havia situações que me levavam de volta ao passado de uma forma específica. Eu me vejo retratado no dia da minha formatura de graduação alguns anos depois e sinto saudade desse tempo; em vejo uma fotografia de alguém que eu perdi e de quem gostava muito (uma namorada, por exemplo) e recordo como foi bom e tenho saudade; na perda de alguém, por morte, ao relembrar, eu sinto falta e tenho saudade: lembrança sofrida, mas boa, daquele tempo onde essa pessoa estava ainda participando comigo no meu cotidiano (a morte de um pai, por exemplo, ou de uma mãe, irmãos, maridos, esposas, filhos, etc...).
Assim, a saudade é evocada como lembrança social de um indivíduo ou grupo de um outro, seja pessoa, objeto, situação. É uma forma de mantê-lo presentificado em meu íntimo (individual) ou na memória de um grupo ou de uma instituição. A repetição das evocações que me trás o sentimento de saudade, assim, me faz retomar a minha vida, a ter novos projetos de presente e futuro, sem perder minhas raízes simbólicas, sem me perder do que eu fui, de onde eu vim, etc...

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IA - A dificuldade em traduzir a palavra saudade também se deve às diversas situações em que a expressão está associada, como perda, lembrança da infância ou de momentos vivenciados em outras épocas, sejam eles bons ou ruins.


MGPK – A palavra saudade, como evocação não apenas de perda, mas de projetar essa perda como uma forma simbólica de evocação do passado e reconstrução de um novo presente e futuro, é a especificidade do termo, que a palavra em português evoca e retém: daí a dificuldade de tradução para o sentimento de recordação de algo ou alguém querido que se encontre distante ou perdido, comum a todas as sociedades. Nesse aspecto, a palavra saudade tem um significado mais amplo, que o missing you (falta de você) inglês. Embora ambos os termos remetam ao sentimento de procurar o outro que não se encontra e evocá-lo como lembrança da falta que ele faz, o termo inglês para por aí, já o português saudade remete ao sentimento de remontagem daquilo que se perdeu em mim e que deve ser reconstruído onde agora estou.

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IA - O senhor acredita que a sociedade atual lida bem com esse sentimento?


MGPK – A sociedade atual não lida bem com o sentimento saudade. A saudade é um sentimento de base social, quanto mais o aspecto da tradição estiver presente nas sociedades mais a saudade será evocada como um sentimento de povo, de reconstrução nova de algo que se foi, de restauro, inclusive, da pessoa que sente saudade.
Numa sociedade individualizada, onde o individualismo é a base motriz que a movimenta, a saudade perde o seu sentido e é vivida como exílio, solidão, frieza, ou doença interior.

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IA - O senhor tem algum estudo específico sobre esse tema (fale um pouco, se tiver)
MGPK - Durante toda a década de noventa do século passado eu trabalhei com a problemática do luto na sociedade brasileira. O luto, como se sabe é constituído pela dor da perda e todo envolto no sentimento de saudade de quem já partiu. Discuti a passagem das relações sociais no Brasil de uma forma mais tradicional de viver uma perda, onde instituições coletivas ajudavam o sujeito que a sofre a recuperar-se da dor, para uma sociedade individualizada, onde essa dor da perda era vista de forma pejorativa e jogada para a intimidade do sujeito que a sofre. Discuti o processo de transição e as dificuldades de vivência desse novo padrão comportamental nos indivíduos das classes médias urbanas no Brasil. Publiquei dois livros a respeito e inúmeros artigos em revistas especializadas nacionais e internacionais. Os livros são: Sociologia da Emoção: O Brasil urbano sob a ótica do luto (Petrópolis, Vozes, 2003), e Amor e Dor: Ensaios em Antropologia Simbólica (Recife, Edições Bagaço, 2005).
Desde 2006 venho discutindo a questão dos Medos Corriqueiros, onde trabalho com o sentimento de saudade de um tempo que se foi e não pode ser recuperado, ou onde se imagina possibilidades de reconstrução sobre o que se perdeu ou está ameaçado de se perder. Eu discuto a cidade e os cidadãos na cidade e as formas de suas interações sempre envoltas no sentimento do medo. O medo como uma instância de construção social, o medo como evocação de uma saudade e de um estranhamento com o novo, que gera conflitos, acomodações e construções novas e diferentes. O sentimento saudade faz assim parte dessa relação onde analiso os Medos no urbano e as emoções geradas pelo viver na cidade e em contato com situações que me colocam em cheque a cada momento e a cada movimento. Escrevi sobre essa pesquisa, fora vários artigos, o livro De que João Pessoa tem Medo? Uma abordagem em antropologia das emoções (João Pessoa, Editora Universitária-UFPB, 2008). Nele discuto a questão do Medo e da saudade na capital paraibana.

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