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terça-feira, 23 de outubro de 2012

ENTREVISTA DO PROFESSOR MAURO KOURY À JORNALISTA AMANDA LOURENÇO, JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, CADERNO EQUILÍBRIO, SOBRE AMIZADE NA IDADE ADULTA.

A entrevista abaixo foi dada à jornalista Amanda Lourenço para o Caderno Equilíbrio da Folha de São Paulo, em 18 de setembro de 2012.
A matéria onde foi utilizada acaba de sair no Jornal Folha de São Paulo no dia 23 de outubro de 2012, e pode ser vista nos links:
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Abaixo a entrevista completa:

ENTREVISTA DO PROFESSOR MAURO KOURY À JORNALISTA AMANDA LOURENÇO, JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, CADERNO EQUILÍBRIO, SOBRE AMIZADE NA IDADE ADULTA.

São Paulo/Recife, 18 de setembro de 2012.

AMANDA LOURENÇO - Acabei de falar com você no telefone, sou jornalista da Folha de São Paulo. Estou fazendo uma matéria para o caderno Equilíbrio sobre amizade depois da idade adulta, depois daquela fase de colégio e faculdade, quando o trabalho e a família ocupam a maior parte do nosso tempo. Então eu queria perguntar apenas se você acha que estamos vivendo uma crise de amizade de maneira geral, se as pessoas já não têm tempo pra nada, se elas estão mais egoístas.

MAURO KOURY - Sobre a questão em relação à amizade na idade adulta e se estas pessoas que vivenciam essa fase geracional estão mais egoístas, começo agora a responder: eu acredito que as pessoas nesta faixa etária considerada produtiva, entre 25 a 65 anos, e principalmente aquelas entre 30 a 45 anos, onde a importância da conquista do mercado, de se situarem profissionalmente no mundo do trabalho, da necessidade de buscarem um reconhecimento profissional que as distingam dos demais que com elas concorrem, sofrem bem mais o peso da diferenciação como disputa e reconhecimento. O caminho egoíco, deste modo é latente: é preciso se diferenciar, é preciso concorrer com outros, é preciso superá-los para realização de um projeto pessoal, é preciso não demonstrar fraqueza, nem evidenciar carências e necessidades que possam prejudicar esse projeto, e, se necessário, evidenciar as carências e necessidades dos outros como forma de superá-los e desqualificá-los [jogo não de todo ético, mas conforme às leis do mercado]. Assim, o modo de realização de um se encontra na concentração em si, no foco no seu projeto e nos meios de sua edificação. Os outros só contam quando úteis ao meu projeto: assim, as interações possíveis são medradas pela lógica das alianças e da negociação e da superação dos impasses que os outros impõem ou interpõem os projetos pessoais de um.
Esse arcabouço acima, bem maniqueísta, por outro lado, se torna uma espécie de plano ideal de comportamento na organização societária para fins de articulação e construção de meios e fins objetivos para inserção e sucesso no mundo do trabalho [que é o mundo profissional visto como o mundo de realização também pessoal na sociedade ocidental capitalista], na realidade, a coisa acontece - como se diz popularmente, - ‘mais em baixo’: a lógica do mercado, a lógica do sucesso, se choca com as carências efetivas e afetivas da necessidade do outro, como ser de compartilhamento com quem se pode abrandar a ‘dureza’ da vida. O que encaminha a pessoa para uma ação ambígua entre o plano ideal de conquista do mundo profissional, que exige um foco em si mesmo e o outro como possível usurpador do seu projeto e do seu lugar profissional, e, ao mesmo tempo, uma necessidade de compartilhamento e de afeto, que ofereça amparo emocional, que se permita ouvir os ais e as alegrias das perdas e das conquistas, que se permita conceder um abraço que alimente e dê forças para a continuidade da vida [encarada como dura e, às vezes, áspera e desesperadora].
Essa ambivalência nos anseios e nas ações leva a duas posições: a mais estudada e enfatizada na literatura que se debruça sobre este tema, desde os fins da segunda guerra mundial e, principalmente, a partir dos anos setenta na Europa e Estados Unidos, e finais da década de oitenta e noventa no Brasil e América Latina, é aquela que leva à solidão dos sujeitos nas sociedades do ocidente que vive sob a égide das formas comportamentais e regras de etiqueta de uma sociedade individualizada e individualista, como a capitalista. Segundo esses analistas, a lógica do mercado colocou como fundamento de sua realização a ideia de que as emoções, o comportamento emocional não é social, é de responsabilidade do sujeito individual e deve ser vivido por ele internamente, de forma contida, i.é, suas ações ‘sociais’ não devem se medrar pelas suas emoções e sim pela razão lógica, que é a razão de mercado. Para estes analistas, agir emocionalmente é uma forma de desqualificação e de seres desqualificados: daí que mulheres e crianças são consideradas nas sociedades ocidentais como criaturas que agem pela emoção, e não são dignas de crédito. O comportamento racional do masculino, pautados pela lógica do espaço público enquanto espaço mercantil e de trocas sociais racionais.
O espaço doméstico, como contraponto ao público, é o espaço da ação emocionalmente ativa, o espaço da irracionalidade vivido pelos sujeitos desqualificados e, aí sim, controlados pela lógica racional e funcional do homem como macho racional produtivo, que trás para dentro do espaço doméstico a organicidade do mundo público e disciplina e equilibra o emocional do espaço doméstico.
Com a entrada das mulheres no mercado e na disputa de um ‘lugar ao sol’ no mundo das realizações pessoais através do exercício profissional e do sucesso no trabalho, a partir da segunda guerra mundial, i.é, com o esforço de individualização feminina e sua adequação no mundo público, até então dos homens, a lógica racional em detrimento da lógica irracional e emotiva ganha corpo e espaço no mundo público com a qualificação das mulheres como seres racionais, também e principalmente, e com a necessidade de refrear impulsos emocionais nas suas ações e metas. Complicando ainda mais a interação e a possibilidade de amizade, como abertura para o outro, e reforçando a idéia do controle pessoal e do medo do outro como possível algoz à busca pessoal de sucesso de um um. Homens e mulheres assim compartilham dos mesmos medos e da mesma solidão. Ambos se isolam e sofrem a dor do não compartilhamento e vivem em buscas de realização de sonhos profissionais que nunca são satisfeitos, e perseguidos melancolicamente como forma de preencher um vazio de algo perdido [não se sabe aonde e nem o que e nem o porquê] sem retorno, a não ser ampliar a solidão pessoal e reforçar a lógica do mercado e angustiar-se de uma ânsia de compartilhamento que não mais se sabe como fazer e como agir para tal.
O homem egoíco, assim, dessas sociedades, é assim, visto como um ser em solidão, um ser angustiado de nunca estar satisfeito com o que consegue no plano material e, ao mesmo tempo, um ser que anseia em ser descoberto, ser acarinhado e compreendido, mas quando encontra alguém nesse sentido se fecha com medo de ser esse outro um algoz possível... O que refreia os canais comunicantes possíveis a amizade, já que a mesma é medrada pela ação emocional de confiança mútua [a traição é antecipada, e por isso, o medo do encontro, embora ansiado]. Daí a depressão como doença do século XXI, como consequência dessa ambivalência em que o homem ocidental e brasileiro se move, ampliando a solidão e a dificuldade de relacionar-se amigavelmente, e através da disputa por um sucesso cada vez mais efêmero e que nunca satisfaz, mas que o faz correr sempre atrás, sempre atrás, sem retorno possível e sem esperança... Daí a patologização da angustia e melancolia, transformada em depressão e apelos suicidas.
O segundo movimento interpretativo se dá no âmbito do feminismo e da busca de recuperar as emoções como um elemento essencial à organização social e cultural. Nesse movimento busca-se, como Foucault, recuperar a amizade em seu sentido mais político de reorganização de um mundo comum onde o compartilhamento e o afeto sejam o elemento de proa enquanto troca solidária entre os indivíduos. Ou como o movimento feminista, que desde os anos setenta denuncia a desqualificação do espaço emotivo pela sociedade contemporânea ocidental, como forma de hierarquização dos seres humanos [leia-se entre homens e mulheres], desqualificando as mulheres, como emotivas, e qualificando os homens como racionais.
Esse movimento desencadeia uma crítica à lógica organizacional da sociedade individualista e busca levantar a bandeira das emoções como um elemento capaz de reconstruir as teias deste mundo comum, do espaço público enquanto espaço de negociação e compartilhamento, perdido no processo de desenvolvimento da sociedade capitalista. Mas ainda titubeia quanto a espaços organizacionais, e vez ou outra cai ou fica no espaço de denúncia do processo de hierarquização entre os sexos.
Por fim, gostaria de lembrar que estudos recentes que trabalham com o envelhecimento, na sociedade ocidental e no Brasil, têm apontado para uma saída encontrada por indivíduos, homens e mulheres, após os cinquenta e cinco e principalmente entre os de sessenta e cinco anos ou mais, em relação ao compartilhamento e busca de amizades, como forma de sanar a solidão e o sofrimento pela exclusão social sofrida no processo de envelhecimento e saída do mercado. Esse processo é apontado, principalmente, entre aqueles sujeitos, homens ou mulheres, que chegam à velhice sem companheiros/as ou filhos, ou que enviuvaram. Nos espaços societários disponíveis para a circulação de velhos eles encontram formas de vencerem os espaços de contenção e disciplina pessoal e têm conseguido romper barreiras em relação aos outros estabelecendo relações de amizade e compartilhamento de interesses e afetos. O que é de fato um elemento novo de grande interesse para a antropologia e para a sociologia das emoções, em que milito profissionalmente.

Dados sobre o autor. Mauro Guilherme Pinheiro Koury: Antropólogo, professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba e continuo coordenador do GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções.