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quinta-feira, 14 de maio de 2009

O GREM disponibiliza a Introdução à coletânea esgotada de Mauro Koury intitulada Imagens & Ciências Sociais (João Pessoa, Editora Universitária, 1998)

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A divulgação desta Introdução, neste Blog, faz parte das comemorações dos 15 anos de atividades do GREM.
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Comemore junto conosco os 15 anos do GREM!
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Introdução à coletânea de KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro, Imagens & Ciências Sociais (João Pessoa, Editora Universitária, 1998). Esta coletânea se encontra esgotada.
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O interesse dos cientistas sociais sobre o uso de imagens como instrumento ou objeto de pesquisa amplia-se e inicia, nesta segunda metade de década de noventa, sua fase de consolidação. Os anos oitenta indicam um intenso crescimento na pesquisa com ou sobre imagens, qualquer que seja sua natureza (fotografia, vídeo e outros sistemas), com grande produção dentro das mais diversas disciplinas a áreas temáticas das Ciências Sociais.
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Embora se possa afirmar que o uso de imagens acompanhou a pesquisa em Ciências Sociais desde os primórdios, a maior parte dos trabalhos com utilização de imagens, contudo, parece ter sido de natureza auxiliar à pesquisa. O emprego mais freqüente e antigo das imagens em Ciências Sociais parece ter sido como ilustração de texto (Moreira Leite, 1988:85) ou como prova documental.
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Desde o final do século XIX, por exemplo, a utilização de material imagético acompanha a pesquisa antropológica. Orienta uma tendência de investigação convencionalmente chamada de Antropologia Visual que, através de décadas, luta para firmar-se como campo próprio, enfrentando preconceito das demais antropologias que a viam apenas como um recurso técnico a mais ao trabalho de campo.
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Bronislaw Malinowski (1922), Margaret Mead e Gregory Bateson (1942), entre outros, utilizaram documentação visual como técnica de registro das culturas pesquisadas; como forma de (Fim da página 7) observar e conhecer a vida das comunidades estudadas, distantes espacial e culturalmente da sociedade ocidental. As imagens foram usadas não só como ilustração, confirmação ou prova, mas também como recursos não verbais capazes de abrir janelas para a compreensão de situações que escaparam da observação em campo.
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A documentação visual foi considerada como um processo imparcial de registro. Ao falar do uso da imagem, especificamente fotográfica, na pesquisa antropológica John Collier Jr. (1973: 1-10) assegura que a sua invenção trouxe aos homens a consciência do mundo como ele realmente era, permitindo a sociedade ocidental abandonar conceitos fantásticos sobre o próprio homem e em relação a fauna e a flora, esclarecendo e modificando a compreensão ecológica e humana (:4). Para ele, “em toda a vida moderna se percebe o efeito da fotografia como um aspecto da realidade. (...). A linguagem não verbal do realismo fotográfico é a mais entendida inter e transculturalmente. Esta facilidade de reconhecimento é a razão básica para a câmera ter importância antropológica” (:6).
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Ainda segundo Collier Jr., as imagens registradas mecanicamente, em especial o registro fotográfico, permitem um controle absoluto da memória visual do pesquisador, e das posições e identificações estabelecidas em uma determinada cultura, especialmente em uma situação de mudança cultural. São registros preciosos da realidade material, credibilizando o estudo etnográfico, ao possibilitar que outros analistas possam perceber, através da documentação imagética, “os mesmos elementos da mesma exata maneira” (:7) que o antropólogo que a realizou.
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No uso da imagem em antropologia, e nas Ciências Sociais de um modo geral, desde o seu início, foi enfatizado, - e suas discussões concentradas, - (n)as possibilidades do real espelhado da documentação visual. O que viabilizaria uma representação indiciária de valor absoluto (ou quase) de outros universos culturais.
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O papel das imagens nas Ciências Sociais, porém, nos últimos tempos, vem passando por uma resignificação. O que tem suscitado por parte dos pesquisadores, questões mais amplas que o mero aspecto indiciário das fontes imagéticas. (Fim da página 8)
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O realismo das imagens, embora ainda enfatizado em muitas pesquisas, começa a ser questionado. O papel da imagem apresentado como um dado natural e universal é, assim, colocado em discussão. Discute-se a ambiguidade da imagem, através da tensão inerente ao seu processo de criação e interpretação.
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Autores estrangeiros como Caldarola (1994), Wagner (1982), Henny (1986), Bourdieu (1965), Berger (1980), Piault (1985) e Burgin (1982), e brasileiros como Bittencourt (1996), Peixoto (1995), Koury (1994), Moreira Leite (1993), Feldman-Bianco (1995), Rial (1995), Samain (1995), entre outros, tem tentado um redimensionamento dos significados do uso das imagens nas pesquisas em Ciências Sociais, através da incorporação da interpretação da informação imagética no interior de uma estrutura de significações analítica. Onde a imagem significa, ao mesmo tempo, o olhar do criador e o olhar do espectador, e a interpretação é resultante desta interdependência, ou desta ambigüidade de olhares, associado ou não a um terceiro olhar que busca compreender os mecanismos sociais que desconstroem e reconstroem as informações transmitidas pelo intercruzamento dos diversos olhares.
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Sem negar o valor indiciário do documento visual, estes autores têm buscado significações mais profundas da relação entre a imagem e a teoria social. Procuram aprofundar e delimitar um campo teórico e metodológico próprio à análise visual.
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No Brasil, principalmente, esta busca tem se mostrado mais aguçada a partir dos anos noventa, quando os autores acima assinalados, junto a outros, intensificam os esforços de caracterização de uma ciência social visual, onde as imagens aparecem, mais claramente, como temática central dos estudos e mais enfática a busca de definição de um campo próprio para as pesquisas visuais. Estes esforços podem ser sentidos nos progressos dos grupos de trabalho ligados a imagem, criados por este núcleo de pesquisadores, junto a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e a Associação Brasileira de Antropologia (Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Esforços, por sua vez, que tem se desdobrado em novos grupos de (Fim da página 9) trabalho de caráter regional e local, cobrindo todo o território brasileiro e ampliando o interesse e a demanda de pesquisadores para a temática.
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Só para se ter uma idéia, dos fins dos anos oitenta até os dias atuais foram criados e estão em funcionamento Núcleos, Oficinas e Grupos Permanentes de Ensino e Pesquisa ligados a imagem, em diversas universidades, ligados ou não a Pós-Graduação. Como são os exemplos do Núcleo de Antropologia Visual do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Imagem, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba, e do Núcleo de Antropologia e Imagem da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, entre muitos outros.
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Esta coletânea faz parte desse processo. Originariamente, a maior parte das contribuições presente nesta coletânea foi apresentada como comunicações na IV Reunião de Antropologia do Norte e Nordeste, através do grupo de trabalho sobre Antropologia Visual, por mim coordenado. Tem por finalidade uma primeira sistematização e divulgação das pesquisas e estudos que vêm sendo feitas nesta temática, bem como o desenvolvimento de um corpo teórico que possa auxiliar o diálogo entre o texto imagético e a teoria social.
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A coletânea está dividida em tres partes. A primeira parte é composta pelos trabalhos de Elisa Maria Cabral, Bertrand Lira e Mauro Guilherme Pinheiro Koury, e busca compreender as relações entre a imagem e a apreensão do real.
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Cabral reflete sofre o processo de criação, através das imagens captadas em vídeo durante a elaboração de um quadro do artista plástico paraibano Sérgio Lucena. Lira, por sua vez, enfrenta a questão da apropriação e compreensão do real pela fotografia, buscando traduzir algumas imagens fotográficas exemplares de autores diversos através do conceito de tipo ideal weberiano. Os dois ensaios de Koury, por seu turno, retratam a temática da morte e sua relação com a fotografia. (Fim da página 10)
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O primeiro trata da relação entre fotografia e sentimento, através do papel dos retratos de família no doloroso processo do trabalho de luto. O segundo, estuda fotografias de mortes violentas publicadas pela imprensa brasileira e internacional e a questão da indiferença no olhar que as observa.
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A segunda parte trás análises sobre as imagens do urbano. Sobre a fotografia a as visões da cidade. É formada por artigos de Mauro Guilherme Pinheiro Koury, Sylvia Couceiro Bompastor e Cristina Barreto.
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O primeiro artigo de Koury reflete sobre a fotografia e a questão da pobreza no Brasil. Bompastor, discute as representações da cidade do Recife (Pernambuco) através das fotografias do início do século. Barreto, por sua vez, analisa as imagens da revista Era Nova e o imaginário construído sobre a cidade da Parahyba, hoje João Pessoa (Paraíba), nos anos vinte deste século. Koury, a seguir, trabalha com a relação fotografia e cidade através de uma análise das crônicas e das fotografias de Walfredo Rodriguez, fotógrafo, cineasta e escritor paraibano.
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A terceira parte, por fim, reflete sobre os usos da imagem no ensino e na pesquisa em Ciências Sociais. É formada por artigos de Cláudia Fonseca, Beatriz Goes Dantas e Carmem Rial.
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O artigo de Fonseca, aborda os usos do material visual, especificamente videográfico, no treinamento de estudantes de graduação em técnicas de pesquisa em Ciências Sociais . O artigo de Dantas discute a questão da designação social a ser dada ao material visual resultante da pesquisa de campo, depois de cumpridas as funções instrumentais da pesquisa. O artigo de Rial, por sua vez, discute o ato fotográfico no trabalho de antropologia, comparando-o com o de outras vivências fotográficas (as do turista e a dos jornalistas), no interior de uma pesquisa junto a uma comunidade de descendentes açorianos na Ilha de Santa Catarina.
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O pensamento dos autores presentes na coletânea oferece avanços significativos na busca do resgate e da reconceituação das tradições no uso de imagens pelas Ciências Sociais do agora. É um livro indispensável àqueles atinados com a problemática (Fim da página 11) contemporânea das interrelações entre imagem e teoria social. Mais do que trazer soluções esta coletânea busca documentar possibilidades de enfoques e de opções enfrentadas no trabalho de pesquisa com imagens na atualidade de Ciências Sociais brasileira.




Mauro Guilherme Pinheiro Koury
Organizador




Bibliografia


BERGER, John (1980). About Looking. New York: Pantheon Books.

BITTENCOURT, Luciana (1996). Spinning Lives. Lanhan: University Press of America.

BOURDIEU, Pierre et al. (1965). Un Art Moyen: Essay sur les usages sociaux de la photographie. Paris: Editions de Minuit.

BURGIN, Victor (ed.). (1982). Thinking Photography. London: Macmillan Education.

CALDAROLA, V.J. (1994). Embracing the Media Simulacrum. Visual Anthropology Review 10 (1): 66-69.

COLLIER Jr., John (1973). Antropologia Visual: a fotografia como método de pesquisa. São Paulo : EPU/Edusp.

FELDMAN-BIANCO, Bela (1995). Reconstruindo a Saudade Portuguesa em Vídeo: Histórias orais, artefatos visuais e tradução de códigos culturais na pesquisa etnológica. Horizontes Antropológicos 2: 59-68.

HENNY, Leonard (1986). Theory and Practice of Visual Sociology. Current Sociology 34 (3): 198-215.

KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro (1994). Caixões Infantís Expostos: o problema dos sentimentos na leitura de uma fotografia. João Pessoa: (Série Debates 31), MCS/UFPb.

MALINOWSKI, Bronislaw (1922). Argonauts of the Western Pacific: An account of Native Enterprise and Adventure in the Archipelagoes of Melanesian New Guinea - Robert Mond Expedition to New Guinea, 1914-1918. London: Routhedge e Kegan.

MEAD, Margaret e BATESON, Gregory (1942). Balinese Character. New York: New York Academy of Science.

MOREIRA LEITE, Miriam L. (1993). Retratos de Família: Leitura da fotografia histórica. São Paulo: Edusp.

PEIXOTO, Clarice (1995) O Jogo dos Espelhos e das Identidades: as observações comparada e compartilhada. Horizontes Antropológicos 2: 69-84.

PIAULT, Marc-Henri (1985). Anthropologie et Cinéma. Encyclopedia Universalis: 442-449. Paris. (Fim da página 12)

RIAL, Carmem (1995). Por uma Antropologia do Visual Contemporâneo. Horizontes Antropológicos 2: 93-100.

SAMAIN, Etienne (1995). “Ver”e “Dizer”na Tradição Etnográfica: Bronislaw Malinowski e a fotografia. Horizontes Antropológicos 2: 19-48.

WAGNER, Jon (1982). Images of Information: still photography in the Social Sciences. Beverly Hills: Sage Publications.

WRIGHT, Terence (1992). Photography: Theories of realism and Convention. In, Elizabeth Edwards (ed.). Anthropology and Photography. New Haven: Yale University Press. Pags. 18-31. (Fim da página 13)
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