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Como parte das comemorações dos 15 anos de atividades do GREM se reproduz, agora, a entrevista-ensaio "Fotografar a Morte", realizada com o Professor Mauro Guilherme Pinheiro Koury pela CNIS de Portugal, em 2004, e publicada no mesmo ano no seu jornal mensal Solidariedade.
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Fotografar a morte*
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Por Mauro Guilherme Pinheiro Koury**
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Porque é que se fotografa a morte? Mauro Koury procurou respostas através de um inquérito levado a cabo na cidade brasileira do Recife, entre 1995 e 1997. Inquérito englobado num estudo que busca compreender as atitudes dos brasileiros face ao luto e aos rituais da dor de quem perde um ente querido. Dos sessenta e nove entrevistados, 43,48% tinham formação académica ao nível da licenciatura, com 39,13% registando ensino secundário completo. Os inquiridos possuíam uma educação formal acima da média brasileira, o mesmo acontecendo em relação aos proventos auferidos. O universo auscultado pertencendo, então, às classes média e alta daquela cidade nordestina.
"92,75% frequentavam religião, contra 7,25% que afirmaram não possuir qualquer tipo de religião. Dos que aceitam alguma forma de religiosidade, 62,32% são católicos, 21,74% evangélicos e 8,70% de outras religiões (afro-brasileiras, espiritismo, religiões orientais)" - detalha o professor universitário Koury, para a seguir nos dar conta das conclusões do seu estudo.
Perguntados se possuem o hábito de fotografar os seus mortos, 84,06% afirmaram que não, contra 15,94% que disseram ter o costume da fotografia mortuária. É interessante notar que todos os evangélicos afirmaram não possuir o hábito, tendo muitos deles frisado a diabolização presente no costume, sendo condenado pela Igreja como um apego a práticas mundanas, que pecam, sobretudo, por condenar o morto ao inferno e os que o praticam de nunca poderem aspirar à salvação. São, sobretudo, os católicos que atestam a afirmação do uso da prática da fotografia de seus entes queridos mortos. A fotografia mortuária parece significar para alguns uma forma de retenção da face da boa morte, costume medieval que buscava diagnosticar através da face do morto se ele chegaria em paz ao céu, e se tinha cumprido todos os compromissos terrenos antes da hora do trespasse.
Os inquiridos que afirmaram não fotografar, responderam que a religião não permite (5,80%) ou que a fotografia mortuária era um desrespeito ao morto (15,94% das respostas). Neste tipo de informação, a religião, enquanto uma instância desindividualizadora, ou seja, superior ao indivíduo, parece actuar como o principal centro de referência e informação do sujeito em relação à fotografia mortuária.
O desrespeito ao morto parece estar relacionado com a dessacralização da morte nele representada, com os malefícios para o bem-estar celeste dele e para a salvação e possível intermediação do morto com o além para com os que ficaram. O não uso da fotografia mortuária está preso assim às amarras de uma atitude relacional, em que a religião tece as redes e dirige os seus nós para assegurar a configuração final.
Interessante, porém, é a verificação de que 31,88% dos entrevistados preferem lembrar o ente querido em vida.
Acreditam que a lembrança do morto quando em vida ameniza a solidão e torna possível uma evocação sentimental do que se foi pelos que ficam. A fotografia mortuária, por sua vez, parece prolongar a dor e é vista como uma atitude mórbida, por fixar a morte como elemento de recordação.
É o que parecem pensar também os 7,25% dos recifenses que informaram, explicitamente, que não utilizam esse costume, simplesmente para evitar recordações da dor. E mesmo os 4,35% que informaram ter pavor só em pensar na fotografia mortuária.
Para estas três categorias, a morte deve ser esquecida, se não se pode ainda domá-la e vencê-la. As atitudes do registro do corpo morto amado são rotuladas de mórbidas, olhadas com desdém. Os entrevistados que informaram ter o costume de fotografar os seus mortos, representam 15,94% dos entrevistados recifenses. As suas respostas situaram o costume como tradição (5,80%), ou como uma espécie de última lembrança do ente querido que partiu (10,14%).
As respostas relacionadas com a tradição indicam, por sua vez, a manutenção de um hábito familiar, vindo dos antepassados e conservado pelos avós e pelos pais.
O outro grupo imputa tal prática à busca de obtenção de um registro que seja a última lembrança do parente morto. Neste caso, não parece ser apenas a face da morte retratada, mas o processo de morrer. Muitos frisaram, ao lado do questionário, possuírem o registro fotográfico dos últimos momentos em vida de alguns dos seus entes queridos até à despedida final, quando o caixão é depositado na cova ou na caixa funerária.
É interessante notar que na cidade do Recife ainda hoje encontramos, junto aos cemitérios mais populares e nas centrais de velórios, fotógrafos profissionais que se oferecem aos familiares para o registro final do morto enquanto velado, ou no cortejo até a última morada. Conversando com alguns deles, revelaram sobreviver basicamente desse tipo de registro, cobrando em média cinco reais por cada foto revelada.
Essas fotografias não servem apenas para rememorar a morte do ente que se foi, mas também, e principalmente, para serem enviadas para aqueles parentes, próximos ou amigos, que não puderam assistir aos momentos finais do ente amado.
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Porque é que se fotografa a morte? Mauro Koury procurou respostas através de um inquérito levado a cabo na cidade brasileira do Recife, entre 1995 e 1997. Inquérito englobado num estudo que busca compreender as atitudes dos brasileiros face ao luto e aos rituais da dor de quem perde um ente querido. Dos sessenta e nove entrevistados, 43,48% tinham formação académica ao nível da licenciatura, com 39,13% registando ensino secundário completo. Os inquiridos possuíam uma educação formal acima da média brasileira, o mesmo acontecendo em relação aos proventos auferidos. O universo auscultado pertencendo, então, às classes média e alta daquela cidade nordestina.
"92,75% frequentavam religião, contra 7,25% que afirmaram não possuir qualquer tipo de religião. Dos que aceitam alguma forma de religiosidade, 62,32% são católicos, 21,74% evangélicos e 8,70% de outras religiões (afro-brasileiras, espiritismo, religiões orientais)" - detalha o professor universitário Koury, para a seguir nos dar conta das conclusões do seu estudo.
Perguntados se possuem o hábito de fotografar os seus mortos, 84,06% afirmaram que não, contra 15,94% que disseram ter o costume da fotografia mortuária. É interessante notar que todos os evangélicos afirmaram não possuir o hábito, tendo muitos deles frisado a diabolização presente no costume, sendo condenado pela Igreja como um apego a práticas mundanas, que pecam, sobretudo, por condenar o morto ao inferno e os que o praticam de nunca poderem aspirar à salvação. São, sobretudo, os católicos que atestam a afirmação do uso da prática da fotografia de seus entes queridos mortos. A fotografia mortuária parece significar para alguns uma forma de retenção da face da boa morte, costume medieval que buscava diagnosticar através da face do morto se ele chegaria em paz ao céu, e se tinha cumprido todos os compromissos terrenos antes da hora do trespasse.
Os inquiridos que afirmaram não fotografar, responderam que a religião não permite (5,80%) ou que a fotografia mortuária era um desrespeito ao morto (15,94% das respostas). Neste tipo de informação, a religião, enquanto uma instância desindividualizadora, ou seja, superior ao indivíduo, parece actuar como o principal centro de referência e informação do sujeito em relação à fotografia mortuária.
O desrespeito ao morto parece estar relacionado com a dessacralização da morte nele representada, com os malefícios para o bem-estar celeste dele e para a salvação e possível intermediação do morto com o além para com os que ficaram. O não uso da fotografia mortuária está preso assim às amarras de uma atitude relacional, em que a religião tece as redes e dirige os seus nós para assegurar a configuração final.
Interessante, porém, é a verificação de que 31,88% dos entrevistados preferem lembrar o ente querido em vida.
Acreditam que a lembrança do morto quando em vida ameniza a solidão e torna possível uma evocação sentimental do que se foi pelos que ficam. A fotografia mortuária, por sua vez, parece prolongar a dor e é vista como uma atitude mórbida, por fixar a morte como elemento de recordação.
É o que parecem pensar também os 7,25% dos recifenses que informaram, explicitamente, que não utilizam esse costume, simplesmente para evitar recordações da dor. E mesmo os 4,35% que informaram ter pavor só em pensar na fotografia mortuária.
Para estas três categorias, a morte deve ser esquecida, se não se pode ainda domá-la e vencê-la. As atitudes do registro do corpo morto amado são rotuladas de mórbidas, olhadas com desdém. Os entrevistados que informaram ter o costume de fotografar os seus mortos, representam 15,94% dos entrevistados recifenses. As suas respostas situaram o costume como tradição (5,80%), ou como uma espécie de última lembrança do ente querido que partiu (10,14%).
As respostas relacionadas com a tradição indicam, por sua vez, a manutenção de um hábito familiar, vindo dos antepassados e conservado pelos avós e pelos pais.
O outro grupo imputa tal prática à busca de obtenção de um registro que seja a última lembrança do parente morto. Neste caso, não parece ser apenas a face da morte retratada, mas o processo de morrer. Muitos frisaram, ao lado do questionário, possuírem o registro fotográfico dos últimos momentos em vida de alguns dos seus entes queridos até à despedida final, quando o caixão é depositado na cova ou na caixa funerária.
É interessante notar que na cidade do Recife ainda hoje encontramos, junto aos cemitérios mais populares e nas centrais de velórios, fotógrafos profissionais que se oferecem aos familiares para o registro final do morto enquanto velado, ou no cortejo até a última morada. Conversando com alguns deles, revelaram sobreviver basicamente desse tipo de registro, cobrando em média cinco reais por cada foto revelada.
Essas fotografias não servem apenas para rememorar a morte do ente que se foi, mas também, e principalmente, para serem enviadas para aqueles parentes, próximos ou amigos, que não puderam assistir aos momentos finais do ente amado.
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* - Entrevista-Ensaio concedida Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) de Portugal, em 2004, e publicada no jornal Solidariedade, órgão da CNIS, em dezembro de 2004. A entrevista-ensaio refere-se ao Relatório sobre Luto e Sociedade para a cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco, Brasil, parte integrante de uma pesquisa mais vasta sobre Luto e Sociedade no Brasil, na qual foram entrevistadas 1304 pessoas, distribuídas pelas 27 capitais de estados do Brasil, entre os anos de 1994 e 1999. Para a pesquisa mais ampla ver Koury, MGP, Sociologia da Emoção: O Brasil urbano sob a ótica do luto (Petrópolis, Vozes, 2003) e Koury, MGP Imagem e Memória. Ensaios em Antropologia visual (Rio de Janeiro, Garamond, 2001).
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** - Uma versão mais ampla do Relatório sobre Luto e sociedade para a cidade do Recife, que serviu de base para a entrevista-ensaio para a CNIS foi publicada sob o título “A Fotografia Mortuária na Cidade do Recife, Pernambuco: Indicadores de um Imaginário Urbano sobre Fotografia e Morte nos Finais da década de 1990” na Revista Studium, n. 5, 2001.
** - Uma versão mais ampla do Relatório sobre Luto e sociedade para a cidade do Recife, que serviu de base para a entrevista-ensaio para a CNIS foi publicada sob o título “A Fotografia Mortuária na Cidade do Recife, Pernambuco: Indicadores de um Imaginário Urbano sobre Fotografia e Morte nos Finais da década de 1990” na Revista Studium, n. 5, 2001.
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