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terça-feira, 2 de junho de 2009

15 anos do GREM – Projeto Memória do GREM – Debates e Conferências

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Como parte das comemorações dos 15 anos do GREM, se publica neste Blog a palestra do Professor Mauro Koury para as 'Quintas Sociais'.
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As Quintas Sociais é um fórum permanente do Curso de Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba, com convidados internos e externos ao curso, para debater com a comunidade local as novas perspectivas de trabalho teórico e metodológico nas ciências sociais mundial.
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Sociologia das Emoções: Um breve estado das artes desta área em consolidação
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Mauro Guilherme Pinheiro KOURY
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Quero agradecer inicialmente ao convite da coordenação do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba, onde atuo como professor, para ocupar o espaço das ‘Quintas Sociais’ conversando sobre a Sociologia das Emoções. Como todos aqui sabem, assumi a liderança do GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções desde sua criação, por mim, como base de pesquisa desta universidade vinculada ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em 1994.
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A Sociologia das Emoções é o núcleo teórico e metodológico das reflexões, das pesquisas, da extensão e das orientações desenvolvidas pelo GREM, desde a sua criação. O GREM edita, desde de 2002, a revista eletrônica RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção.
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Sua leitura e consultas podem ser feitas gratuitamente no endereço eletrônico: http://www.cchla.ufpb.br/rbse/Index.html.
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Quero lembrar o Fórum permanente do GREM, que se realiza em todas as primeiras quartas feiras de cada mês, com conferencistas convidados, ou com o debate teórico-metodológico das pesquisas em andamento no seu interior. Como todos sabem, eu acredito, o Fórum é aberto a toda comunidade acadêmica, independentemente da vinculação formal ao grupo. Mais uma vez, não custa lembrar, todos os presentes estão convidados a participarem deste Fórum.
I
Esta minha conversa, no entando, busca passar em revista o processo de constituição e a consolidação da sociologia das emoções como disciplina específica no campo das ciências sociais.
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A sociologia das emoções, como campo disciplinar específico, surgiu concomitante ao processo de consolidação da sociologia geral, embora, enquanto especialidade tenha seu processo formativo a partir da metade da década de setenta do século XX. Sua emergência parece obedecer a uma série de fatores advindos do conjunto de críticas no interior do campo das ciências sociais à lógica linear das análises sociais de cunho mais estrutural que relegavam para o segundo plano a ação social individual e, por conseguinte, os atores sociais e sua vida emocional.
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As emoções nas Ciências Sociais podem ser definidas como uma teia de sentimentos dirigidos diretamente a outros e causado pela interação com outros em um contexto e situação social e cultural determinados. A sociologia das emoções parte, deste modo, do princípio de que as experiências emocionais singulares, sentidas e vividas por um ator social específico, são produtos relacionais entre os indivíduos e a cultura e sociedade. Em sua fundamentação analítica vai além do que um ator social sente em certas circunstâncias ou com relação às histórias de vida estritamente pessoal.
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A preocupação teórico-metodológica que norteia os debates desde os primeiros indícios e sinais formadores da sociologia das emoções diz respeito, assim, aos fatores sociais que influenciam a esfera emocional, como se conformam e até onde vai esta influência. A consideração, a compreensão e a definição da situação dos atores sociais imersos em uma sociabilidade e em uma cultura emocional particular, desde então, parecem fazer parte, cada vez com mais vigor compreensivo, da análise sociológica.
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A sociologia das emoções, então, é um campo de reflexão que busca revigorar a análise sociológica introduzindo perspectivas novas e importantes da grande questão interna da sociologia em geral, que é a da intersubjetividade.
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A percepção da singularidade dos sujeitos, social e historicamente determinados, que embora pertencentes a um mesmo processo civilizador, mantêm características, princípios e ethos particulares da cultura em que está imerso, parece ser uma das tarefas que a sociologia das emoções se propõe como base analítica. A sociologia das emoções, enfim, busca investigar os fatores sociais, culturais e psicológicos que encontram expressão em sentimentos e emoções particulares, compreendendo como esses sentimentos e emoções interatuam e se encontram relacionados com o desenvolvimento de repertórios culturais distintivos nas diferentes sociedades.
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A conversa que estamos iniciando versará sobre o campo disciplinar da sociologia das emoções. Não tem a pretensão de ser uma análise exaustiva, mas, de servir como um primeiro aporte para introdução à sociologia que tem a emoções como objeto de análise. Apresentará três visões analíticas sobre os pressupostos teórico-metodológicos que dão suporte e configuração, hoje, à disciplina.
II
Autores contemporâneos, como o australiano Robert Van Krieken, o inglês Ian Burkitt, ou a americana Anne Rawls, por exemplo, propõem o que chamo aqui de primeira visão analítica da sociologia das emoções. A sociologia das emoções, para eles, tem o seu campo potencialmente constituído deste o nascimento da sociologia enquanto disciplina científica, pelo reconhecimento dos clássicos, - como Durkheim e Mauss, Tarde, Marx, Tönnies, Simmel e Weber, - de um conceito de emoções social caro à análise sociológica.
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Embora creditem como precursores da sociologia das emoções, especialmente, os estudiosos da chamada sociologia francesa, Durkheim e Mauss, desdobram os estudos pioneiros da questão da intersubjetividade e do papel social desempenhado pelas emoções até o desenvolvimento do modelo estrutural funcionalista parsoniano, da escola sociológica americana. Modelo originado de uma visão personalizada sobre a relação entre indivíduo e sociedade por meio de uma reinterpretação e fusão de autores dispare como Durkheim e Weber.
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Na busca de identificar os contornos da tradição sociológica que compõem o campo da sociologia das emoções, para esta primeira visão, cabe perguntar como, para eles, a sociologia das emoções beberia dessas fontes clássicas e quais os elementos sínteses que a fariam herdeira do conjunto da tradição sociológica.
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A sociologia francesa, deste modo, para esta primeira visão analítica, pode ser considerada herdeira da tradição de Durkheim e Mauss. Após Mauss, a análise sociológica desenvolvida em suas fronteiras, aprofundaria os significados da intersubjetividade que norteariam as gerações seguintes.
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A escola francesa de sociologia deveria, assim, um tributo a Marcel Mauss e suas preocupações com relação ao conceito de reciprocidade, expresso na clássica análise sobre a dádiva. A construção e a imaginação sociológica francesa, posterior a Mauss, para esta primeira visão teriam enveredado pela análise do simbólico e, ao pensarem a idéia da troca simbólica em um sentido menos ortodoxo, foi possível para eles relacionar como herdeiros da análise maussiana, conceitos como o de inconsciente coletivo de Lévi-Strauss, e o de habitus de Bourdieu.
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Ambos correspondendo à idéia de um imaginário que sedimentariam tradições e permitiria, de forma concomitante, elaborações, proposições, vivências e ações individuais, indicativas dos processos de tensão entre indivíduos e sociedade. Processos estes, impulsionadores de mudanças, permanências e orientações comportamentais, coletivas e pessoais, de cada ator social. A margem de liberdade ou autonomia do ator social individual frente ao coletivo podendo alterar-se ou ser alterada segundo cada enfoque analítico dado.
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Para a sociologia francesa posterior a Marcel Mauss e posterior a segunda guerra, em última instância, para esta primeira visão analítica, a sociedade informaria e possibilitaria um patamar de ações previsíveis quanto aos comportamentos diversos referentes às múltiplas práticas socialmente instituídas. As trocas sociais trariam em si uma espécie de etiqueta social, ou conjunto de regras e normas sociais que coadunariam os indivíduos nelas relacionados à ação. A etiqueta social deste modo orientaria e conduziria os atores em suas ações.
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O social dado, neste sentido, permitiria aos indivíduos a ele pertencentes uma espécie de código imaginário que os faria sentir, expressar e administrar sentimentos e comportar-se em determinadas situações, mesmo quando não diretamente envolvidos no ato onde uma emoção específica aflorasse. Deste modo, por exemplo, um comportamento frente a um sentimento vivenciado ou a uma carga emotiva vivenciada por outro, acessaria no interior de um indivíduo qualquer um conjunto de informações inconscientes, nele inculcadas pela socialização, fornecendo dados e argumentos de como agir frente a determinadas situações.
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A ação orientada, deste modo, permitiria certa prática comum esperada e ou desejada por cada membro do grupo social em interação, seja no sentido da vivência ou experiência de um processo, seja no sentido da expectação do outro de sua ação frente ao mesmo processo. O como se comportar teria assim um leque informativo ao conjunto societário e à disposição dos indivíduos, que nele se orientariam na condução de suas ações.
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Nesta direção, os sentimentos seriam construtos sociais, simbólicos, integrativos dos atores a uma dada sociabilidade ou modo de vida, e integrativos dos sujeitos para consigo próprio, mediados pela tradição social. Quanto menor e menos complexa uma dada rede social, maior a capacidade social integrativa dos sujeitos nas expectações e cumprimentos das ações desejáveis, social e individualmente.
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A ritualização da vida sendo, assim, um pressuposto lógico de existência de uma sociabilidade. Quanto mais integrada, mais ritualizada seria a esfera societária vivenciada pelos indivíduos que dela fazem parte. Menor, por outro lado, seriam os escopos diferenciais de individualizações, e mais relacionais seriam os aportes interativos entre os indivíduos.
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Sociedades relacionais seriam, então, para esta primeira visão, movimentadas por uma esfera ritual mais compacta onde as individualidades seriam menos perceptivas e aceitas pelo código de ação, e a tradição teria um conteúdo de maior abrangência integrativa. Formaria uma espécie de ordem ritual, organizada, basicamente, em torno de linhas acomodativas e informativas das ações desejáveis aos sujeitos sociais em interação, parecendo deixar assim pouco espaço para atuações de outros tipos de imagens que não se adéquam à lógica da tradição a que está imersa.
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Foi nos anos cinquenta do século XX, porém, com a emergência e hegemonia do modelo de análise estrutural funcionalista de Talcott Parsons, que os ensinamentos que serviram como pressupostos analíticos à sociologia das emoções tiveram continuidade, para esta primeira visão, com novas propostas teóricas e criação de ferramentas conceituais para o estudo das dimensões macro e microssociais e os fenômenos que acontecem na interface entre indivíduo e sociedade. Para esta primeira visão Talcott Parsons teve, assim, um papel fundamental como precursor da sociologia das emoções. Principalmente, através do seu conceito de personalidade, como conceito estrutural e estruturante da relação entre indivíduo e sociedade, através da noção de papel social, e por ter colocado a emoções como um dos quatro componentes estruturais da sua teoria da ação.
III
Uma segunda visão importante para o desenvolvimento da sociologia das emoções, indica a influência da escola sociológica americana do final do século XIX e as primeiras décadas do XX. A escola sociológica americana, neste período, beberia de uma fonte diferente da escola francesa. A formação e o intercâmbio dos primeiros sociólogos americanos, principalmente os da Universidade de Chicago, se deu, sobretudo, com a Alemanha e, especialmente, com uma vinculação estreita com Georg Simmel.
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Para a sociologia americana do período seria importante, deste modo, mostrar a influência de Simmel, principalmente junto ao que se convencionou chamar de a escola de Chicago. George Mead, fundador da psicologia social americana, bem como Robert Park, fundador da ecologia urbana, ambos importantes membros da escola de Chicago, foram alunos de Simmel em Berlim e buscaram aprofundar as relações entre indivíduo e sociedade nos estudos sobre a realidade em transformação que o processo de urbanização causava nas principais cidades americanas, especialmente em Chicago, no final do século XIX e primeiras décadas do XX.
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A teoria de Mead, seguindo de perto a análise simmeliana, apresenta o conceito de intersubjetividade, através do estudo sobre o compartilhamento de estados subjetivos por dois ou mais indivíduos. Para Mead, segundo esta segunda visão, a questão da intersubjetividade vai além das descrições de comportamentos individual e institucional em suas atitudes e ações. A noção de intersubjetividade discute, envolve e compreende a perspectiva de uma pessoa, de um grupo de pessoas ou de uma instituição reais ou imaginados, e a dos outros participantes em ação interativa.
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O desenvolvimento de uma segunda geração de interacionista, no final dos anos quarenta e cinqüenta do século passado, e o desenvolvimento de uma linha de pesquisa sobre sociologia do conhecimento, redobraria a atenção, segundo esta segunda visão, à análise do indivíduo e suas interações mais imediatas, em contraponto à emergência e o domínio do estrutural funcionalismo nos Estados Unidos.
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As análises microssociais propostas pelos interacionistas e interacionistas simbólicos e pela corrente que buscava aprofundar o campo da fenomenologia e a pesquisa sobre sociologia do conhecimento, e bem mais tarde, pela etnometodologia, desta forma, ao partirem das relações imediatas entre indivíduos em um conjunto societário específico, buscavam entender as emoções em jogo no processo interativo como elementos sociais. Neste sentido é interessante ver a análise proposta pela coletânea organizada por Harré, bem como os trabalhos de Kemper e Planalp, onde a construção social das emoções é vista dentro do campo interacionista e no interior da análise da microsociologia. Estes estudos dão prioridade às condições e processos sociais, morais e culturais de onde as emoções emergem, buscando entender o jogo inter-relacional entre as instâncias subjetivas e objetivas dispostas em uma interação social.
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O espaço analítico aberto pelas análises da microssociologia americana teve uma influência teórica determinante para a emergência do campo de análise da sociologia das emoções. De acordo com este autor, a sociologia das emoções constitui uma subdisciplina de criação recente que busca o resgate da vida emocional ou a situa no centro da reflexão sociológica, além de fortalecer a perspectiva que visualiza os sentimentos e as emoções como partes de um processo construtivo na relação entre os homens e sublinha a esfera emocional como um processo tencional cruzado permanentemente por uma racionalidade ativada pelo indivíduo como ator social, e pelos dispositivos ideológicos e institucionais em que descansa a ordem social. Não uma em supremacia a outra, mas ambas em estreita interconexão.
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Os sujeitos sociais em interação não estariam subsumidos a uma ordem ritual, mas interconectados a ela. Nela e através dela, os indivíduos se encontrariam e se fundamentariam enquanto pessoas.
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Ao seguirem de perto as análises desenvolvidas por estudos realizados através do interacionismo simbólico e da fenomenologia, ou mesmo da etnometodologia, os sociólogos da sociologia das emoções atentam que são as regras gerais que cada formação societal assume como código de conduta para o social e para os indivíduos que nele se movimentam, a chave que permite apreender os significados intrínsecos dos rituais humanos societários, onde a emoções é o arcabouço primevo de sua constituição. Como, por exemplo, linguagens do prazer ou da dor, ambas mescladas pelo conjunto de etiquetas das emoções intrínseco a um social e a um indivíduo qualquer, que as institui como quase naturalização, e sua importância para a vida de um ator social e de um povo, e para um modo de vida singular.
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Para este caminho analítico da sociologia das emoções, que tem a releitura interacionista e fenomenológica como campo compreensivo, são as mixagens possibilitadas pela infinita articulação de indivíduos e sociedades que devem ser exploradas para o entendimento de sociabilidades e códigos emotivos socialmente satisfeitos e oriundos da relação entre atores. São estas infinitas configurações que conformam um estilo de vida específico e, ao mesmo tempo, historicamente estruturado a formas societais mais abstratas, - como a sociedade ocidental por exemplo. Esta preocupação analítica, segundo estes sociólogos, permitirá uma melhor compreensão dos códigos de conduta que movimentam a moral e a cultura de uma sociedade, bem como a etiqueta emotiva que fundamenta os interesses e jogos relacionais entre indivíduos.
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De como indivíduos e sociedade fundam e fundam-se simultaneamente em uma razão discursiva específica, que organiza uma cosmologia e uma cosmogonia orientadoras de suas visões de mundo, instauradoras de olhares singulares sobre si, enquanto cada um, indivíduo, e sobre o outro, aquele que proporciona trocas complementares e equivalentes, que articulam o socius enquanto argumento cultural comum a um modo de vida e as narrativas daí inerentes.
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Estudar as emoções estruturadoras e estruturantes dos códigos societários que instituem comunicantes entre olhares tornados comuns e diversos no agir e no sentir individual, desde modo, para este caminho de análise da sociologia das emoções, é ter em conta os elementos primevos organizadores de um olhar social, em sua particularidade restritiva a um código histórico cultural singular e a sua universalidade conformadora de razões humanas, enquanto categorias de entendimento fundamentais para a organização da vida em comum.
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Categoria social de entendimento, a emoções indicaria assim caminhos profícuos de pesquisa para compreensão do significado do humano nas relações sociais e nas diversas formas de sua erição e sentidos. Uma sociologia das emoções passaria assim pelos significados intrínsecos à constituição e à construção das emoções, da subjetividade, como fundamento para a compreensão do social e do humano dele e nele inerente, e a resignificar o indivíduo social em suas relações sempre tensas de subsunção e de emersão ao coletivo.
IV
A terceira visão analítica sobre a sociologia das emoções faz uma série de ressalvas às anteriores quanto ao aspecto da localização deste campo analítico no interior da tradição sociológica clássica. Entre os autores desta terceira visão encontram-se os americanos Thomas Scheff e sua colaboradora Suzanne Retzinger, o australiano Jack Barbalet, hoje Professor da Universidade de Leicester, no Reino Unido, e a alemã, radicada na Dinamarca, Evelin Lindner, entre outros.
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Esta terceira visão discute a emergência da sociologia das emoções, e informa que na sociologia a discussão sobre a relação emoções e sociedade apesar de não inteiramente desprezada e reconhecida para a análise do social, foi relegada a um segundo plano. Durkheim, Weber, George Mead, Parsons, e mesmo Simmel, segundo esta visão, não deram a devida atenção aos vínculos necessários entre a subjetividade e a objetividade na relação social.
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O reconhecimento das emoções para a compreensão do social não foi, deste modo, objeto de aprofundamento analítico nas obras dos clássicos. O reconhecimento da emoções pela sociologia clássica, quando se deu foi através de um modo abstrato e sem sentido operacional, apenas como uma constatação implícita e não como uma proposição analítica.
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Esta terceira visão parte do princípio de que os clássicos da sociologia não podem ser considerados precursores da análise sociológica das emoções, e de que nem sequer chegaram a desenvolver conceitos técnicos sobre as emoções no social. Apesar de constatarem a existência de uma abstrata emoções coletiva, não intentaram investigar a ocorrência dos seus processos formadores, e não buscaram empiricamente dados que poderiam afetar algumas proposições sobre o papel das emoções na conduta humana. Scheff, contudo, em busca de delimitação de análises sociológicas precursoras da sociologia das emoções indica Erving Goffman como o autor que chegou mais próximo a uma formulação conceitual das emoções em seus estudos, dentro da perspectiva interacionista.
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A análise de Goffman, porém, não teria avançado no sentido de constituição de uma sociologia das emoções e, como os demais clássicos assinalados, Goffman por relegar a um segundo plano o conceito de emoções. O que redundou na consolidação da idéia de que o comportamento humano só pode ser entendido, prioritariamente, enquanto estrutura.
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Desta forma, a análise goffmaniana não é incluída, também, na lista de analistas pioneiros da sociologia das emoções. Apesar da existência de uma íntima relação entre a análise sociológica de Goffman e as questões da intersubjetividade e das emoções no social.
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Scheff, por exemplo, remete o leitor, para o livro de Goffman A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1985) e, sobretudo, para um dos capítulos do livro A Interação Ritual (1967) que trata da relação entre embaraço e controle social. Neste capítulo Goffman se interessa, sobretudo, pelo princípio da habilidade de manobra em um processo interativo, aprofundando o lado psicológico do embaraço que pode ser evitado por um ou outro ator em interação, deixando de lado, porém, o aspecto social destas emoções.
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Esta terceira visão afirma que o conceito de emoções, ao ser trabalhado pela sociologia das emoções, não pode ser analisado sem se evocar os componentes psicológicos e sociais da relação. Discute deste modo, o processo analítico que evidencie os elementos do envolvimento interno (psicológico) e externo (social), como um método capaz de aprofundar e compreender as origens e os processos formativos e de consolidação social de uma emoção específica, e do conjunto das emoções. Vistas cada uma em sua unicidade e em sua utilidade para um social e para os indivíduos relacionais nele imersos, como a base discursiva de uma sociologia das emoções.
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Goffman, deste modo, para esta terceira visão, chegou a dar o primeiro passo para a compreensão do problema de emoções no social, unindo indicadores interiores com indicadores exteriores observáveis nas ações interativas, muito embora, sem chegar a desvendar os processos que incidiriam sobre as relações societárias necessários à análise da ação intersubjetiva nas ciências sociais.
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Para os autores desta terceira visão não basta estudar a superfície exterior e o lado interior de atores em ação, mas também, e, sobretudo, os vínculos que os conectam. Ao não despertar para este aspecto, Goffman não teria avançado na análise para uma sociologia das emoções, criando um lapso teórico-metodológico na sua análise, quase um ardil, dificultando o avanço compreensivo da questão da intersubjetividade.
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O balanço dos estudos sociológicos sobre a questão da intersubjetividade e das emoções sociais e no social, desta terceira visão, chega à conclusão de que os sociólogos clássicos e as diversas escolas de sociologia geral chegaram a identificar as emoções como um processo social e até diagnosticarem a importância da temática para a análise do social. Os estudos sobre emoções, porém, só se tornaram importantes na sociologia a partir dos trabalhos de Elias e de Lynd e, em um segundo plano, de Sennett.
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Segundo esta terceira visão, os autores citados, agindo em tempos e caminhos independentes, deu os primeiros passos para a investigação sociológica das emoções, através de uma emoção única e concreta. Não trataram a cultura emocional de forma abstrata e geral como vinha sendo feito, sendo considerados, desta maneira, precursores deste campo disciplinar.
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O passo inicial se deu pela consideração e aprofundamento analítico por esses precursores de uma emoção específica e, para esta terceira visão, fundamental para o estudo da sociabilidade: a emoção vergonha. Para esta via analítica, assim, a sociologia das emoções deverá seguir os parâmetros desenhados principalmente por Elias e Lynd nos estudos sobre esta e outras emoções específicas, para continuar o seu desenvolvimento interpretativo e estabelecimento e consolidação das fronteiras que a definiriam em relação às demais especialidades no campo da sociologia.
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A emoção vergonha e suas variantes, como o embaraço, a humilhação, a baixa auto-estima, a falta de autoconfiança, entre outras, bem como conceitos estreitamente correlacionados ao ato de envergonhar-se, como o sentimento de honra, o sentimento de orgulho, e o auto-respeito, formariam, deste modo, o centro básico, o núcleo compreensivo da cultura emocional no social na análise sociológica das emoções.
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A terceira visão sobre a sociologia das emoções parte, neste sentido, do pressuposto de que a disciplina para se consolidar deveria começar por aprofundar a pesquisa sobre emoções específicas. Estas pesquisas deverão ser dirigidas e organizadas através de hipóteses compreensivas sobre cada emoção no coletivo, no sentido de objetivação de um método válido para o mapeamento, entendimento e construção de modelos dos padrões intersubjetivos resultantes da relação entre subjetividade e objetividade no social.
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Este caminho, se seguido, conduzirá os pesquisadores a reconhecerem, correlacionarem e distinguirem as emoções no interior de uma tecedura social específica. A partir do local de onde elas emergem e pela extensão e reconhecimento dos laços sociais de cada emoção específica entre os participantes deste social. O que implicaria, também e principalmente, em dar a devida importância à mudança emocional na interface da troca entre indivíduos e sociedade e a forma de compreensão sobre o processo de transmissão no social das emoções.
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Para finalizar
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As diversas leituras analíticas aqui apresentadas reconhecem que a sociologia clássica imputou importância ao conceito de emoções, porém, diferenciam-se na questão da herança transmitida por ela para o surgimento, desenvolvimento e consolidação desta nova linha analítica. As duas primeiras visões enfatizam que a sociologia das emoções é herdeira da tradição sociológica clássica, diferindo da última que parte do pressuposto de que a sociologia das emoções só emergiu através dos trabalhos que objetivaram o entendimento de uma emoção específica, e a colocando como mola mestra explicativa da análise do social na sua interface e interação entre os aspectos subjetivos e objetivos de uma ação social entre os homens.
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As três leituras, porém, fora à divergência sobre a origem do campo disciplinar, são mais convergentes do que querem se mostrar. Todas atentam para o aspecto salutar da análise social, enquanto uma análise que considere o processo de intersubjetividade nas relações humanas em diálogo tenso e conflitual com os processos objetivos da configuração do social. O que permite dar formatos e alianças a projetos e sociabilidades emergentes e sempre dependentes de novas interações e de novos movimentos entre os lados objetivos e subjetivos em jogo em uma sociabilidade qualquer.
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Para finalizar esta minha conversa, aqui, nas Quintas Sociais do DCS e CCS da UFPB, eu recomendo, por fim, a leitura dos meus livros, Introdução à sociologia da Emoção (João Pessoa, Manufatura, 2004); Sociologia da Emoção (Petrópolis, Vozes, 2003) e Emoções, Sociedade e Cultura (Curitiba, CRV, 2009), para uma análise mais aprofundada sobre a sociologia das emoções como área temática.
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Em resumo, este papo buscou passar em revista as bases do processo de constituição e consolidação da sociologia das emoções como disciplina específica no campo das ciências sociais. Procurou, também, apresentar o campo disciplinar da sociologia das emoções no estado da arte atual da disciplina, passando em revista seus principais autores e temáticas nela trabalhadas.
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Obrigado.
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[Exposição do Professor Mauro Guilherme Pinheiro Koury para as Quintas Sociais. CCS / UFPB, João Pessoa, 21 de julho de 2005]
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