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domingo, 28 de junho de 2009

5ª Comunicação sobre a Enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil – 2009’ – A cidade de Curitiba, Paraná

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O que os curitibanos representam como sujo ou sujeira – 2009

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Mauro Guilherme Pinheiro Koury
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Introdução
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Hoje damos continuidade às comunicações sobre a enquete Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil – 2009, com as informações sobre a aplicação da enquete na cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná, Brasil. Como nas demais capitais já analisadas e publicadas neste Blog: João Pessoa, PB; Recife, PE; Belém, PA; São Paulo, SP, nos dias 22 e 26 de maio e 05 e 09 de junho de 2009 (Koury, 2009, 2009a, 2009b, 2009c), a enquete na capital paranaense foi realizada entre os meses de março e abril de 2009.
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Como nas demais capitais, o questionário foi aplicado em abordagem direta aos entrevistados em locais muito frequentados do centro de Curitiba, em paradas de ônibus, em shoppings e praças locais. Foram entrevistadas 60 pessoas, sendo 32 mulheres, isto é, 53,3% do total dos respondentes e 28 homens, isto é, 46,7% do conjunto de respostas, com renda, estado civil, religião, escolaridade e profissão diversas.
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Esta comunicação, como as outras, utilizará apenas o cruzamento da questão ‘o que você considera sujo ou sujeira’ com a categoria sexo do entrevistado. A apresentação das representações de sujo ou sujeira foi agrupada em categorias analíticas tiradas do conjunto das respostas dos entrevistados nas seis capitais pesquisadas e sobre estas categorias tabuladas as respostas dos entrevistados por capital.
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Aqui, como nas outras comunicações desta enquete, as respostas se encontram dispostas em dois gráficos. O primeiro revelando a totalidade dos entrevistados da capital paranaense a partir das representações de sujo ou sujeira por eles revelada. O segundo gráfico, por sua vez, distribui as representações de sujeira ou de sujo pelo sexo do entrevistado.
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Esta série de comunicações sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’ neste Blog tem a intenção simples de apresentar um instantâneo das representações sobre o que é sujeira para as capitais pesquisadas e para a cidade de Curitiba, aqui, em particular. Uma análise mais aprofundada sairá, posteriormente, a partir de dezembro de 2009, em uma série de artigos acadêmicos a serem publicados em periódicos científicos nacionais e internacionais e no relatório final da enquete, por capital pesquisada e para o conjunto das capitais.
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O que os curitibanos indicaram como sujo ou sujeira?
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Para responder a esta questão se apresentará dois gráficos. O Gráfico 1 oferece o percentual para as categorias analíticas indicadas pela totalidade dos entrevistados da cidade de Curitiba, e o Gráfico 2, indica o percentual por sexo para as mesmas categorias.
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Os dois gráficos serão, nesta comunicação, apresentados de forma simultânea, e a sua leitura será feita a partir do maior percentual para a totalidade dos entrevistados, até o menor percentual, e sobre eles o comportamento por sexo.
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A categoria Falta de Higiene é a categoria analítica que aparece com maior número de indicação entre os curitibanos, com 23,3% das respostas, como pode ser visto no Gráfico 1, acima, isto é, 14 entrevistados a indicaram como o que considerava sujo ou sujeira. Destes 23,3%, de acordo com o Gráfico 2, abaixo, os homens aparecem com 21,4% das respostas, isto é, seis informantes do sexo masculino, contra 25% das mulheres entrevistadas, isto é, oito pessoas do sexo feminino.
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Homens e mulheres de Curitiba equivalem-se na eleição da falta de higiene como o que consideram mais sujo. As expressões nojo e repugnância foram comuns em suas falas para a falta de higiene de cunho doméstico. Muitas das mulheres entrevistadas e muitos dos homens falaram, inclusive, de que ao irem pela primeira vez a casa de um conhecido, a arrumação e a higiene eram as primeiras coisas a ser buscada. Um rapaz chegando a afirmar que já acabou com um namoro, de uma garota de quem gostava muito, quando esta o convidou para conhecer os seus pais e jantar em sua casa.
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O descuido com a arrumação e a poeira nos móveis indicaram para ele a pouca noção de higiene daquela casa e, indo a cozinha e encontrando em “uma grande desordem e com muita sujeira”, pratos e panelas para lavar dentro da pia, o fogão sujo, entre outras informações, o levaram a um nível de repugnância que foi difícil suportar o jantar e as horas que teve que passar na casa da namorada. Alguns dias depois, começou a se dizer com problemas para não encontrar a garota, até que finalizou o namoro.
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Uma professora de ensino médio também relatou o fato de ao ir pela primeira vez a casa de um conhecido ou de uma conhecida, tinha por hábito pedir para ir ao banheiro para verificar o nível de higiene apresentado. Muitas amizades acabaram antes de começar pelo nojo apresentado pela falta de cuidados domésticos. Associando, claramente, a questão da falta de higiene doméstica a falta de educação e a falta de caráter. Como se pode confiar em alguém que não tem o mínimo de hábitos civilizados, que não tem o mínimo de educação doméstica, revelados no descuido com a desarrumação.
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A mesma indicação da falta de higiene é indicada para o asseio pessoal. Pessoas com roupas desalinhadas, com aparência suja, levantam suspeita em relação ao próprio caráter pessoal. O sujo é indicado como um hábito não civilizado, como uma postura perante o mundo não condizente e que causa repugnância e medo.
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A segunda categoria com maior índice de indicação entre os curitibanos foi a categoria Violência Urbana. Esta categoria aparece com 20% do total de respostas, isto é, com 12 indicações dos entrevistados. Os dois sexos aparecem cada qual com seis indicações. O que equivale em 18,7% do total das mulheres, contra 21,4% do total dos homens.
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A outrora pacata Curitiba, de algumas décadas atrás, como apontada por vários depoentes, deu lugar a uma cidade com um alto índice de criminalidade. Roubos, assaltos, estupros, sequestros relâmpagos, assassinatos e mortes violentas são apontados como o que tem de mais sujo na cidade. O que vem fazendo, segundo os entrevistados que apontaram a violência urbana como algo sujo, os habitantes da cidade se tornar cada vez mais reclusos e com medo de enfrentar os perigos que a cidade apresenta no seu cotidiano.
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O desconhecido na rua é apresentado como alguém potencialmente perigoso e que quebra os códigos de normalidade da cidade. Ser abordado por um desconhecido é sempre um sinônimo de que algo perigoso pode acontecer. O que torna o curitibano ainda mais avesso ao outro desconhecido, ao diferente. O que torna a cidade, na visão de um entrevistado, mais provinciana e mais fechada.
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Segundo este entrevistado, os curitibanos sempre foram potencialmente avessos ao estrangeiro, àqueles que não são da terra e invadem o seu território. O que para ele acontece hoje em dia é que esses potencialmente avessos vêm se tornando uma fobia, já que nestas últimas décadas a cidade vem sendo inflada e ocasionando uma quebra de pessoalidade antes existente e gerando o medo que a impessoalidade atual provoca. Tornando esse outro perigoso e esse perigo oferecido pela sua presença como algo sujo, como algo que rompe um código de pessoalidade perdido em um tempo e em um espaço, mas que ainda está presente na alma curitibana.
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A categoria Fluídos aparece como a terceira categoria mais indicada, com nove entrevistados, isto é, com 15% do total dos respondentes. Destes nove entrevistados, cinco são do sexo feminino, isto é, 15,6% do total das mulheres, e quatro do sexo masculino, isto é, 14,3% do total dos homens.
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Esta categoria, para os curitibanos, indica uma prática que está associada à falta de civilidade movida pela falta de higiene e educação doméstica. O ato de espirrar, cuspir, escarrar, defecar, urinar em locais públicos revela um costume bárbaro não condizente com o habitante de uma urbe. O que causa nojo e repugnância em quem vê ou sente as consequências desse hábito, além de provocar o perigo de contaminação. A mesma repugnância é apontada para ferimentos expostos, sangue derramado, espermas e outros líquidos corporais. Os fluídos, assim, além de indicarem um ato não civilizado, é uma ação perigosa, pois envolve a possibilidade de doenças, tornando-se, assim, um caso para a saúde pública.
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A categoria Falta de Confiança, por sua vez, aparece com 11,7% das respostas totais, isto é, sete entrevistados a indicaram com algo sujo. Destes sete entrevistados, quatro foram do sexo feminino, com 12,5% do total das mulheres, e três do sexo masculino, com 10,7% do total dos homens.
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A categoria falta de confiança entre os curitibanos apresenta-se como uma categoria de suspeição. O outro, o desconhecido, principalmente, é objeto de medo, provoca uma série de possibilidades inerentes ao diferente que frequentemente o levam a rejeição. Para tornar-se confiável é necessário um tempo de convivência que permita a construção de laços mais sólidos. Laços de confiança.
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Como nas últimas décadas a cidade de Curitiba vem se transformando e tornando-se menos pessoalizada, esses laços de confiança tem se tornado cada vez mais pulverizados, e o outro, o diferente, mais ameaçador. O que os faz enxergá-los sob o manto do receio de contaminação de hábitos não próprios da cidade, e com a roupagem de medo de que algo ou alguma coisa possa atingi-los no seu cotidiano.
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Daí o fechamento, às vezes, segundo um entrevistado, a aparência de arrogância para com o outro não conhecido. O que fez um entrevistado, médico e professor universitário alegar, com bom humor, que “o bom curitibano é o curitibano que está fora de Curitiba”. Fora da cidade “ele relaxa e enjoy a vida, se torna aberto para o diferente. De volta para a cidade, não sei o que é que dá nele, ele se torna fechado e difícil de novas relações. É um caramujo que só olha pro umbigo e prá dentro de sua própria carapuça”.
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As categorias Falta de Zelo com a Coisa Pública e Desrespeito ao Cidadão, aparecem cada uma com 8,3% do total dos entrevistados, isso é, com cinco entrevistados do total pesquisado. A primeira delas com três mulheres e dois homens, o que perfazem o total de 9,4% do total de mulheres e 7,1% do total dos homens.
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A segunda delas, a categoria desrespeito ao cidadão, por seu turno, representa 6,3% de indicações do sexo feminino, com duas mulheres, e, 10,7% homens, isto é, três indivíduos do sexo masculino.
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Como nas demais capitais que as indicaram, a falta de zelo com a coisa pública indica uma visão da política como algo sujo, como politicagem, como corrupção, como mau uso de verbas públicas, a visão da política como abuso de poder e desmandos administrativos, entre outros tantos adjetivos. A desilusão com a política e os políticos no país, no estado e na cidade é uma das principais causas de a enxergarem como sujeira, como uma prática suja.
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O mesmo acontecendo com a categoria desrespeito ao cidadão. O orgulho de uma cidade com um bom nível de urbanidade e infra-estrutura construída ao longo das últimas décadas é acompanhada com um sentimento de desrespeito pessoal, principalmente entre os cidadãos das classes menos abastadas da cidade.
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A vida nos bairros mais pobres e periféricos é comentada como uma vida de sofrimento e tragédia pessoal e comunitária, que os fizeram indicar a falta de urbanização, a falta de iluminação pública, o lixo acumulado nas ruas, com uma coleta às vezes de quinze e quinze dias, como um desrespeito à cidadania, ao mesmo tempo em que narram suas desventuras através de uma baixa estima, que parece indicar que se consideram o desrespeito ao cidadão pobre como sujeira, eles próprios parecem ser o lixo, a principal sujeira para a cidade, que a cidade gostaria de extirpar.
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E é o que parece ser nas indicações das outras duas categorias analíticas para o que é sujo ou sujeira para os curitibanos entrevistados. A categoria Mendicância, Gente Pobre, Gente Suja, aparece com 6,7% do total dos informantes, sendo 9,4% mulheres e 3,6% homens, seguida da categoria Preconceito Racial, que aparece com 3,3% do conjunto das respostas. Destes, 3,1% mulheres e 3,6% homens.
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Estas duas categorias indicam uma visão do curitibano médio sobre a pobreza e sobre a questão étnica como sujeiras. Apesar de minoritárias, indicadas por quatro e por dois apenas, mostram o pobre e aquele de etnia diferente, no caso, o negro, como associados à falta de higiene, à falta de educação doméstica, àqueles que impõem medo e como àqueles causadores de atos perigosos. Como sujeitos da desordem, em oposição à ordem da cidade, à civilização.
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Sim, os curitibanos entrevistados, em suas respostas opõem para a ordem da cidade e a civilização, à desordem e a diferença como sujeira, como ameaça social e individual que precisa ser evitada e controlada.
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Nesta mesma sequência de oposição aparece a categoria Homossexualidade, com 1,7% das respostas, isto é, com apenas uma indicação, sendo esta indicação dada por um entrevistado do sexo masculino. O entrevistado que a indicou como algo sujo, narrou a sujeira inerente à prática homossexual como um desvio de conduta perigoso e como um atentado a moral e aos bons costumes. Associando, ainda, a homossexualidade como uma prática perigosa e causadora de doenças, como “a praga da AIDS, por exemplo, que hoje está disseminada entre homens e mulheres do mundo inteiro”.
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A categoria Falta de Consciência Ecológica aparece também com apenas uma indicação, também de um respondente do sexo masculino. Esta categoria apresenta-se, deste modo, com 1,7% do total dos curitibanos respondentes.
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Como nas demais capitais que a indicaram, aparece no interior de um discurso político-acadêmico que aponta o caminho do progresso de nossa civilização como uma via para o suicídio do humano, e prega uma visão ecológica de desenvolvimento sustentável. O entrevistado que a indicou, entre os respondentes curitibanos, era um político do partido verde local e professor universitário.
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Nos exemplos dados pelo entrevistado, como causa da falta de consciência ecológica, está o aumento da emissão de gases tóxicos no ar, a emissão de resíduos industriais nos rios, o desmatamento, o chorume, entre outros. O que o aproxima das respostas dadas à categoria fluídos, o diferenciando, porém, pelo discurso político-acadêmico em que está inserido.
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As categorias Imoralidade e Gente fraca, por seu turno, não foram indicadas por nenhum curitibano respondente desta enquete.
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Considerações Finais
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A cidade de Curitiba foi apresentada nesta comunicação através do seu imaginário sobre o que é sujo e sujeira. Nos próximos dias será postada a apresentação sobre sujeira na última cidade pesquisada pela enquete: a cidade de Brasília, DF.
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Como se pode notar pela série de comunicações aqui apresentadas para esta enquete, a categoria sujeira oferece uma gama de possibilidades analíticas que ajudam a compor um painel sobre as transformações recentes no comportamento e no imaginário do brasileiro comum e morador dos centros urbanos, sobre a construção social e cultural do país. Ajuda a perceber, também, a cultura política em sua ambivalência e ambiguidade que vem tomando conta do homem comum neste início do século XXI e a formação de uma nova mentalidade presente na pulverização dos laços de uma sociabilidade pessoalizada, acarretando medos, fobias e preconceitos, além de uma consciência mais acurada, embora desesperançada da política profissional e da gestão da coisa pública nas cidades.
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Bibliografia
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João Pessoa, Paraíba, sobre o significado de sujeira”. 1ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 22 de maio de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/05/o-que-pensam-os-moradores-da-cidade-de.html*
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009a). “O que é sujo ou sujeira para os habitantes da capital pernambucana”. 2ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 26 de maio de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/05/2acomunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html*
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009b). “O que é sujo ou sujeira para os habitantes da capital paraense”. 3ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 05 de junho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/06/3a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009c). “O que os moradores da cidade de São Paulo (SP) apontam como sujo ou sujeira – 2009”. 4ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 09 de junho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/06/4a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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