007. Antropologia das Emoções e da Moralidade
Coordenadores: Mauro Guilherme Pinheiro Koury (GREM/PPGA/UFPB), Francisca Verônica Cavalcante (PPGAA/UFPI) |
Proposta do GT
Sessão 1 A proposta do GT é refletir as emoções nas esferas da vida social na contemporaneidade. O objetivo é contemplar estudos que tenham a Antropologia das Emoções e da Moralidade como tema principal e ou como recorte transversal, na discussão de sensibilidades cotidianas. Encontram-se entre os seus interesses as problemáticas relacionadas à conformação de vínculos sociais, à religiosidade, ao lazer, ao trabalho, à família, assim como às questões ligadas ao sofrimento social, à disciplina, à vitimidade e vitimização, à alteridade, à memória social e às emoções específicas como aflição, solidão, exclusão, sentimentos de perda e medos, e questões associadas à problemática da felicidade, do amor, do prazer, da solidariedade, dos processos de amizade etc., bem como às ações de justificação-acusação que redundem em discursos e práticas morais, em humilhação individual ou coletiva, e à vergonha, ódio, angústia e depressão. Interessa ainda estudos sobre emoções e moralidade que indaguem sobre temas relacionados à felicidade, ao amor, ao encontro/desencontro, ao prazer, à solidariedade, à amizade, em uma visão antropológica e interdisciplinar, contemplando ainda problemas conectados às ideias de correção normativa e noções de justiça. As emoções, os sentimentos e processos constituintes de espaços de moralidade que movem as relações sociais e impulsionam e engendram as redes de sociabilidades trazendo à tona antigas e novas formas de socialidades e redes sociais interessam a este GT.
Programação
Construindo “devagarzinho”: a linguagem dos diminutivos como forma de evitação de conflitos nas relações sociais em bairros de periferia
Autores/as: Geísa Mattos de Araújo Lima
A partir de dois trabalhos etnográficos realizados em tempos diversos em dois bairros de periferia de Fortaleza, as autoras deste paper encontraram a frequência de usos de diminutivos na linguagem associada à evitação de conflitos e aos cuidados nas relações pessoais. Encontramos neste aparente “detalhe” linguístico, um foco significativo para se perceber as lógicas que perpassam os discursos e ações. Entendemos, como Wittgneistein, em Investigações Filosóficas, que a linguagem é ação, portanto, buscamos compreender o que os diminutivos significam nos contextos da convivência em bairros marcados por diversos tipos de escassez e precariedade. No primeiro caso, o contexto era uma campanha eleitoral, em pesquisa realizada por Geísa Mattos no Conjunto Palmeiras, em 2004, na qual a autora encontra uma abundância no uso dos diminutivos nas referências de comerciantes que apoiavam candidatos: “se não tem paixão política, dê um votinho aqui...”. Estes mesmos comerciantes, considerados “bem sucedidos” frente às precariedades da vida no bairro, referiam-se aos seus bens sempre no diminutivo: “comerciozinho”, “casinha”, “mercantilzinho”. Já na pesquisa de Marcela Andrade, em 2013, a autora encontrou esta formulação linguística no contexto de um assentamento irregular, no caso a “comunidade Arco-Íris”, localizada no bairro Itaperi. Considerando que, “ocupar” o espaço é também produzi-lo por meio de significados efetivados pela linguagem, o que nos propomos aqui é mostrar como é construída, a partir da observação dos contextos de uso dos diminutivos pelos moradores, a sua própria dinâmica ao se fixarem nesse lugar e se conduzirem num espaço eminente de conflitos de todos os tipos, tomando como marca temporal a construção física da casa, referida como sendo construída “devagarzinho”, até fazer tudo “legalmentezinho”. Tem-se em vista também que a luta para a permanência no local suscita praticas cotidianas face à regulamentação urbanística. Como, nas peculiaridades do discurso, podem-se revelar as práticas e táticas cotidianas? Pensamos aqui as “táticas” com Certeau (A Invenção do Cotidiano) e as representações dos atores com Goffman (A Representação do Eu na Vida Cotidiana), além de termos como base a perspectiva dos “jogos de linguagem” de Wittgnestein.
A partir de dois trabalhos etnográficos realizados em tempos diversos em dois bairros de periferia de Fortaleza, as autoras deste paper encontraram a frequência de usos de diminutivos na linguagem associada à evitação de conflitos e aos cuidados nas relações pessoais. Encontramos neste aparente “detalhe” linguístico, um foco significativo para se perceber as lógicas que perpassam os discursos e ações. Entendemos, como Wittgneistein, em Investigações Filosóficas, que a linguagem é ação, portanto, buscamos compreender o que os diminutivos significam nos contextos da convivência em bairros marcados por diversos tipos de escassez e precariedade. No primeiro caso, o contexto era uma campanha eleitoral, em pesquisa realizada por Geísa Mattos no Conjunto Palmeiras, em 2004, na qual a autora encontra uma abundância no uso dos diminutivos nas referências de comerciantes que apoiavam candidatos: “se não tem paixão política, dê um votinho aqui...”. Estes mesmos comerciantes, considerados “bem sucedidos” frente às precariedades da vida no bairro, referiam-se aos seus bens sempre no diminutivo: “comerciozinho”, “casinha”, “mercantilzinho”. Já na pesquisa de Marcela Andrade, em 2013, a autora encontrou esta formulação linguística no contexto de um assentamento irregular, no caso a “comunidade Arco-Íris”, localizada no bairro Itaperi. Considerando que, “ocupar” o espaço é também produzi-lo por meio de significados efetivados pela linguagem, o que nos propomos aqui é mostrar como é construída, a partir da observação dos contextos de uso dos diminutivos pelos moradores, a sua própria dinâmica ao se fixarem nesse lugar e se conduzirem num espaço eminente de conflitos de todos os tipos, tomando como marca temporal a construção física da casa, referida como sendo construída “devagarzinho”, até fazer tudo “legalmentezinho”. Tem-se em vista também que a luta para a permanência no local suscita praticas cotidianas face à regulamentação urbanística. Como, nas peculiaridades do discurso, podem-se revelar as práticas e táticas cotidianas? Pensamos aqui as “táticas” com Certeau (A Invenção do Cotidiano) e as representações dos atores com Goffman (A Representação do Eu na Vida Cotidiana), além de termos como base a perspectiva dos “jogos de linguagem” de Wittgnestein.
Da "cultura" como forma social: "saraus", artes e fronteiras do político na/da Baixada Fluminense Autores/as:Jussara Freire (ESR/UFF; CEVIS/UERJ; PPGPS/UENF) Cesar Pinheiro Teixeira (NECVU/UFRJ e CEVIS/UERJ)
Há cerca de cinco anos, multiplicam-se a organização de “saraus” em Nova Iguaçu e em outras cidades da Baixada Fluminense (RJ). Estes encontros adquirem uma crescente visibilidade na atenção pública (divulgados na imprensa, em blogs e redes sociais). São organizados a cada mês por “coletivos”de artistas destas cidades (poetas, pintores, músicos, cineastas, cronistas, atores) em um dia fixo da semana definido consensualmente, por eles, para evitar sobreposição de datas. Reúnem-se - em bares, praças ou centros culturais - integrantes dos coletivos, amigos, amadores e transeuntes, não necessariamente engajados nos mundos da arte com a mesma intensidade. Nos "saraus", os participantes são estimulados pela busca de formas de sociabilidade (conversas, cortesias, tatos, piadas, jocosidades, fofocas) em um contexto "cultural" (que entremeia poesia, cinema, hip hop, samba, rock, cineclube...). O caráter eminentemente lúdico desta sociabilidade se confunde com outro aspecto do sarau: a apropriação de lugares destas cidades para divulgar as "nossas artes" e/ou "cultura" e torná-las visíveis no espaço público. Estas “participações estéticas” (Kellenberger, 2011) podem, em alguns casos, tecer relações com partidos políticos de esquerda (que já marcaram a trajetória de alguns "movimentos culturais" iguaçuanos) ou em ONGs.
Becker (1987) propôs analisar a arte como uma forma de cooperação entre aqueles que realizam a obra em vez de se focalizar na obra em si ou no seu processo de criação. Esta consideração prévia conduz o autor a analisar os mundos da arte em torno e por uma rede de atores que cooperam para produzir uma obra. Inspirando-nos nesta abordagem, propomos analisar a rede de atores engajados nos "movimentos culturais da Baixada" que se mobilizam, desde a década de 70, em torno da “arte”. A pesquisa problemas públicos e periferias no estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), em andamento, aponta para as tênues fronteiras entre "arte", "cultura" e "política" e, paralelamente, para as "antigas" e "novas" configurações morais que substanciam o “político” na Baixada Fluminense.
A partir da observação destas situações, de inspiração etnográfica, nas quais atores desta rede se engajam, propomos analisar: - as reconfigurações da sociabilidade, em particular em Nova Iguaçu a partir das alterações morais decorrentes do fenômeno dos "saraus" (e de sua visibilidade) nesta e nas cidades vizinhas; - as formas atuais de engajamento dos atores nesta rede em continuidade com as anteriores; - e, por extenso, a redefinição das fronteiras do político na "Baixada Fluminense" e seus efeitos, em um movimento híbrido de antigas e novas formas de abordar "a cultura" nesta região.
Infidelidade feminina: moralidade conjugal, estigma e honra em redes de fofoca e de vizinhança
Autores/as: Francisca Luciana de Aquino
Este trabalho de caráter etnográfico enfoca a moralidade conjugal através das redes de vizinhança e de fofoca no bairro popular Nova Guanabara em Recife-PE. Busca-se analisar os sentidos atribuídos à mulher que trai o marido, classificada socialmente de “gaieira”, no intuito de compreender a construção e a repercussão da honra e desonra feminina ao tomar como eixos transversais de discussão as reflexões sobre gênero, estigma e moralidade. No desenvolvimento da pesquisa de campo, a fofoca constituiu uma importante ferramenta de coleta de dados sobre a imagem construída a respeito das mulheres infieis e também uma forma de acesso à moralidade conjugal. Nas narrativas cotidianas predominaram as fofocas de censura quando o assunto era infidelidade conjugal feminina, revelando, assim, um modo de controle da vida alheia e de manipulação da imagem pública das pessoas. No caso da infidelidade feminina, as mulheres são desprestigiadas, estigmatizadas e desonradas na rede de vizinhança. As fofocas de censura são formas expressivas de violência simbólica, pois por meio delas, a difamação e a humilhação sobressaem nas conversas sobre a vida alheia, como se percebe com o uso depreciativo do termo “gaieira” que recai sobre as mulheres infieis porque elas não cumpriram o papel de esposa fiel e de mulher responsável pela manutenção da unidade familiar. Nesse contexto, o processo de estigmatização acaba por denegrir e imprimir uma imagem negativa às mulheres. A propósito, a infidelidade feminina torna suscetível a masculinidade dos homens, porém tal prática não confere apenas poder às mulheres já que elas vivenciam sanções físicas e/ou simbólicas por praticarem a infidelidade. A partir de fofocas e estigmas disseminados pela vizinhança, a honra das mulheres é incessantemente questionada, pois a infidelidade quando praticada pelas mulheres é concebida enquanto um comportamento transgressor da moralidade que preside a vida conjugal e familiar.
O ódio nosso de cada dia: experiências juvenis na construção de desafetos
Autores/as: Juliane Bazzo
Alicerçado na antropologia das emoções, este trabalho reúne fundamentos para a realização de uma etnografia da “gramática sociocultural” do ódio no dia a dia juvenil urbano da atualidade, bem como de sentimentalidades correlacionadas, como a raiva, o desafeto e a inimizade. A escolha por investigar tal conjunto emotivo no referido grupo guarda relação com a notoriedade de um fenômeno coetâneo vinculado a ambos: o bullying, categoria hoje popularizada para designar agressões morais em esferas sociais diversificadas. Esta proposta abraça a crença de que muito se polemiza em torno de episódios classificados como bullying, mas pouco se reflete sobre eles sem apressados juízos de valor, algo que a especificidade do método antropológico pode realizar. A hipótese é a de que o ódio e seus congêneres, conforme avança o projeto moderno de civilidade, ganham status cada vez mais pejorativo em meio ao rol de emoções disponíveis: nesse processo, foca-se na domesticação em detrimento da vazão, com a criação de políticas e programas de combate à violência, alternativa que desconsidera a potencialidade de permanência e transmutação de tais sentimentos. Como suporte metodológico ao estudo, aposta-se na noção de “antropografia”, cujo cerne está na descrição de “eventos comunicativos”, no âmbito dos quais as experiências odiosas são encaradas enquanto um conjunto de signos e relatadas de maneira a descortinar narrativas estereotipadas, inclusive aquelas acerca da não violência. Nesse contexto, além de etnografar as relações emotivas dos sujeitos, considera-se imprescindível refletir, a exemplo do sugerido pela Teoria do Ator-Rede para os elementos “não humanos”, sobre o papel das tecnologias da informação e comunicação enquanto aparatos definidores de tais sentimentalidades em meio à juventude urbana atual.
O sentimento de medo e sua influência nas sociabilidades dos moradores de Feira de Santana – Ba
Autores/as: Herbert Toledo Martins
Este trabalho pretende observar as mudanças nas estratégias de sociabilidade cotidiana dos moradores de Feira de Santana (BA) provocadas pela percepção do sentimento de medo da violência e da criminalidade na cidade. A analise é baseada em uma pesquisa de vitimização, onde foram aplicados 615 questionários por amostragem probabilística domiciliar definida com um erro amostral de 4% e um intervalo de confiança de 95%. Neste survey, o público-alvo foram os moradores da área urbana com 16 anos de idade ou mais. Os dados mostram que as alterações nas formas de sociabilidade se distinguem a depender do grupo que o individuo está inserido. Foram observadas também as diferenças nos grupos de mesma raça/cor. Os dados mostram que aqueles que se declaram pretos ou pardos, em sua grande maioria tendem a declarar possuir medos de violências de cunho mais agressivos, e em função desse medo promovem mais mudanças na sua vida cotidiana do que aqueles que se declaram brancos.
Rituais de interação em situações de intensa pessoalidade
Autores/as: Raoni Borges Barbosa
A presente comunicação busca compreender, a partir de conceitos analíticos goffmanianos, o cotidiano dos moradores de um residencial localizado em um bairro popular e tido por violento e perigoso no imaginário da cidade e dos próprios moradores do bairro da cidade de João Pessoa, Paraíba. Este espaço interacional se caracteriza pela intensa pessoalidade das relações sociais que ali se organizam, mas também pelo forte sentimento de estigma que o pertencimento ao bairro provoca nos ajuntamentos, situações e ocasiões que se formam no residencial. Partindo desta configuração particular, se propõe, assim, a análise dos rituais de interação entre os vizinhos, isto é, como se dão as disputas morais no interior de possibilidades comunicativas, perpassadas por regras de convivência informais, que impõem o encaixe dos atores sociais em situações de copresença, – pouco sujeitas à minimização do embaraço, do constrangimento, da vergonha e da humilhação, – mediante estratégias de evitação e preservação da fachada? O estudo presente discute, portanto, com base em um material etnográfico, como fenômenos interacionais que regulam o mercado simbólico, como a deriva, o conluio de fronteiras, a deserção, o desvio de atenção, a segregação de papéis, a cegueira diplomática, a administração de informações sensíveis e outros, permitem, mesmo em um ambiente pessoalizado e estigmatizado, a estruturação de linhas e fachadas por parte de atores sociais que operam uma ordem social deveras tensa e conflitual, preservando, contudo, sentimentos de honra, dignidade e orgulho.
Sessão 2
A dor do outro: reflexões sobre afeto, sofrimento e violência na prática cotidiana de polícias de uma Delegacia de Defesa da Mulher
Autores/as: Fabiana de Andrade
Nos estudos sobre as Delegacias de Defesas das Mulheres é frequente a constatação de que as policiais reproduzem nos atendimentos a violência sofrida pelas mulheres em suas casas. Como forma de resolução, foram formuladas políticas públicas propondo a “capacitação” e a “sensibilização” dessas profissionais para atender mulheres em situação de violência. No entanto, ainda foram pouco explorados os discursos morais e emocionais ativados no encontro entre policiais e mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Pena, repulsa, ódio, mal-estar, constrangimento, compaixão são algumas das emoções expressas pelas policiais nas gramáticas cotidianas sobre violência doméstica e familiar. Tais sentimentos e emoções se imbricam em julgamentos morais que expandem ou restringem os limites suportáveis da escuta. Partindo desse minúsculo do atendimento policial – o encontro entre policiais e vítimas -, esta comunicação pretende refletir sobre as múltiplas expressões e reverberações das emoções e moralidades no atendimento policial. Pretendo trilhar por alguns questionamentos: Como a dinâmica conjugal e familiar é narrada pela polícia? Quais seus efeitos no atendimento policial? Como a dor do outro é apreendida e colocada em circulação nesta delegacia especializada? Como as emoções das próprias policiais se mescla ou se aparta das histórias contadas pelas mulheres que as procuram? Como início do debate, revisitarei o cotidiano da polícia especializada da Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas para pensar suas maneiras de narrar sentimentos e emoções, múltiplas dinâmicas familiares, conflitos entre casais e como cada qual ativa maneiras de produzir um sujeito que é vítima de violência doméstica e familiar. O olhar para o cotidiano policial tem em vista observar e refletir sobre como as narrativas de afeto, dor, vulnerabilidade e sofrimento levadas pelas mulheres à Delegacia de Defesa da Mulher orientam registros de queixas, mas, também, reverberam na trajetória pessoal das próprias policiais enquanto mulheres, esposas, mães. Esta comunicação pretende ir além do entendimento da prática policial como violenta. De outra forma, a proposta consiste em observar as diversas camadas de sentidos que dão inteligibilidade ao trabalho da polícia especializada, colocá-las em relação e apreendê-las em sua multiplicidade e descontinuidade.
Consumo popular e disputas simbólicas: impacto nas emoções, elos de pertença e estratégias de distinção
Autores/as: Ana Lúcia de Castro
A vinculação entre consumo e classes populares não era, até recentemente, algo muito comum nas ciências sociais, sendo o consumo estudado apenas entre classes médias. Duas mudanças concorrem para que esta associação passe a ser colocada na agenda do debate: uma inflexão na discussão sobre consumo, que se afasta das explicações de caráter moralista e busca construir novas leituras para a interpretação do fenômeno. (APPADURAI,2008;DOUGLAS &IRSHWOOD, 2004) e alterações sociais advindas das políticas de distribuição de renda implementadas no país, que certamente não implicam no surgimento de uma “nova classe média”, considerando que classe não é uma variável apenas econômica, pois envolve valores (ethos) e práticas (modos de uso), mas de um contingente de pessoas que passaram a ter aceso a bens de consumo considerados “não essenciais”, que até então estavam alijadas deste mercado.
Mais do que a discussão sobre tratar-se ou não de uma classe média, interessa-nos refletir, de um lado, a visão dos entrevistados acerca de um sentido de pertença ou não à chamada classe média, e de outro, a maneira como as políticas de inclusão social têm impactado as vidas cotidianas e os sentidos atribuídos ao consumo do grupo em questão, tomando como ponto de partida uma perspectiva que busca afastar-se dos preconceitos e moralismos que cercam o consumo popular (Miller, 2004), bem como da razão prática atrelada ao tema. Vislumbra-se contribuir para o mapeamento e compreensão dos diversos sentidos assumidos pelo consumo dentre esse novo grupo de consumidores. Para tanto, elegemos como universo empírico os residentes em uma favela do Município de Santo André, SP, na qual encontram-se tanto famílias morando em situações bem precárias (barracos), como em conjuntos habitacionais, nas áreas que já passaram pelo processo de urbanização levado a cabo pela Cia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU).
As primeiras observações revelam as disputas simbólicas estabelecidas entre os moradores da favela e os do conjunto habitacional em torno do pertencimento ou não à chamada classe média. Outro dado relevante refere-se ao isolamento e precariedade material extrema, num contexto em que se observa grande número de “salões de beleza improvisados”, invariavelmente com uma placa, em algum tipo de material barato, estampando os dizeres: fazemos chapinha ou escova progressiva. Esta intrigante recorrência, observada nas primeiras sondagens exploratórias, será nosso ponto de partida na busca das “categorias de entendimento próximo”, possíveis de serem detectadas apenas com o paciente e denso trabalho etnográfico (GEERTZ, 1997), cujo desenvolvimento apontará alguns dos supostamente diversos sentidos assumidos pela prática do consumo no universo
Dor, sofrimento e formas de luto das mães nas favelas de Fortaleza.
Autores/as: Leonardo Damasceno de Sá
A realidade da dor é uma experiência subjetiva e ao mesmo tempo coletiva. A dor, o sofrimento e o luto causado pela perda de um filho jovem desperta na mãe uma situação de desconforto, impotência e às vezes de culpa. Tomamos como objetivo neste trabalho analisar os lutos das mães que residem nas periferias de Fortaleza que tiveram os seus filhos mortos por morte matada por armas de fogo nas favelas à beira-mar. Sabemos que as emoções são construídas socialmente. Elas se inscrevem num universo simbólico numa troca de signos valorativos e repletas de dispositivos morais. Quem sofre a dor influencia e é influenciado pelos círculos sociais que circundantes. As pessoas expressam a sua dor de acordo com os ambientes e as relações sociais com as quais elas interagem. O luto se inscreve na solidão pessoal, mas também sobre uma teia de relações na rede onde se inscreve essa solidão pessoal. As manifestações do luto em espaço público, por vezes, tendem a buscar justiça e uma reorganização da vida coletiva e pessoal, por outro lado, o luto vivido na sua intimidade gera uma coordenação das emoções e uma elaboração das dores construindo gradativamente novos parâmetros para as suas relações familiares e pessoais mais amplas. A dor cria um universo intersubjetivo de significados e sentidos que só existe para aqueles e aquelas que a vivem, por isso que há uma rede de mães que perderam os seus filhos que dizem: “só sabe quem passa”, demarcando com esta narrativa o seu território de dor através da solidariedade com outras mães que vivem em situações semelhantes. No corpo de quem sofre percebemos a linguagem da dor que é adquirida socialmente. O universo simbólico da linguagem da dor nos corpos cria uma realidade social específica vivida reciprocamente através de uma rede de sentidos e significados que são trocados. Essa linguagem retrata a marca cultural na medida em que percebemos várias nuances da vivência e da interpretação do sentimento da dor e dos comportamentos que ela suscita.
No (Des)Compasso da Terceira Idade: O Movimento das Emoções na Vida de Idosos em um Grupo de Sociabilidade em Teresina- PI.
Autores/as: Cidianna Emanuelly Melo do Nascimento
Nos últimos anos, observa-se um aumento significativo dos estudos abordando o processo do envelhecimento em virtude principalmente da expectativa de vida em ascensão ocasionando uma mudança na pirâmide demográfica. Esse fenômeno caracteriza a necessidade de espaços de sociabilidade que abrangem a população idosa. Este estudo é qualitativo em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPI sobre um grupo de idosos que participa do Programa de Terceira Idade PTIA-UFPI em Teresina/PI. Objetiva-se compreender a relação tensa entre indivíduo idoso e sociedade, as emoções experimentadas por estes sujeitos a partir da convivência no PTIA-UFPI que engendra formas de sociabilidade que parecem (re)significar o lugar ocupado pelos idosos, desenhando um movimento ambivalente que se apresenta como empoderamento e como dependência e limite trazendo a tona experiências que evidenciam sensações de bem-estar e de mal-estar nas relações sociais vivenciadas com seus pares e seus familiares. Busca-se descrever as emoções dos idosos e discutir a relação entre emoções, memórias e interações nesses grupos de sociabilidade da terceira idade. A metodologia utilizada: observação participante em aulas ofertadas pelo projeto de extensão universitária PTIA-UFPI, nos dois períodos do ano letivo de 2013 e, entrevistas semiestruturadas com idosos. Para tanto, considera-ses importante o diálogo com Halbwachs (2008) que ressalta que na ordem das valorizações sociais, o idoso está imerso numa série de reflexões que não escapam à memória do sentimento por meio de comparações abstratas que envolvem sobretudo a espontaneidade e a riqueza das sensações. Para (Koury, 2009) as manifestações de emoções do grupo fazem corpos com os sentimentos, no qual o coletivo expressa não só as emoções, mas são percebidas como uma construção social ensinada e internalizada que fazem parte de um processo da formação de intersubjetividade. Os autores (Mauss, 2003), (Simmel, 2004), (Coelho, 2006), (Rezende, 2002), dentre outros serão parte deste diálogo com os idosos estudados.
O circuito comunicacional das emoções: a Internet como arquivo e tribunal da cólera cotidiana
Autores/as: João Freire Filho
A Internet figura, na atualidade, como um inexplorado arquivo e tribunal das mais vastas emoções. Blogs, vlogs, comunidades e fóruns on-line abarcam testemunhos, performances e flagrantes emotivos protagonizados por diversos atores e grupos sociais. As manifestações públicas de alegria, asco, medo, raiva ou tristeza costumam suscitar, por sua vez, comentários compassivos, solidários ou desfavoráveis por parte da audiência virtual. Conhecimentos científicos, a psicologia popular, o senso comum e experiências biográficas são acionados para classificar, taxativamente, as expressões e as condutas emocionais alheias, categorizando-as como adequadas ou extravagantes, legítimas ou injustificáveis, autênticas ou forjadas, eficazes ou improdutivas, normais ou patológicas. No atual estágio da minha pesquisa, examino discursos conflitantes sobre as motivações pessoais, a legitimidade moral e os efeitos políticos de demonstrações públicas de “fúria” que, após serem registradas (de maneira voluntária ou involuntária) no YouTube, provocaram notável discussão no próprio site de compartilhamento de vídeo, em plataformas para redes sociais e outros ambientes interativos on-line. Os sujeitos furiosos são tratados, em regra, como símbolos de monstruosidade, barbárie, loucura ou justa indignação moral — numa eloquente demonstração de como o discurso sobre as emoções atua, de modo significativo, nos processos de classificação dos indivíduos e de qualificação de suas ações na esfera pública.
Neste paper, analiso, especificamente, a repercussão popular e jornalística do vídeo “Solucionou? Não, mas estou satisfeito. Dia #Fúria”, filmado em 28 de junho de 2013 e postado no YouTube, dois dias depois, por Rodrigo Ciríaco, de 32 anos, escritor, ativista cultural e professor de história de escolas públicas na Zona Leste de São Paulo. Com quatro minutos e 29 segundos de duração, o vídeo registra o ato de revolta do professor contra uma filial da rede Dicico, especializada na venda de material de construção. Após sucessivos adiamentos na entrega de sua encomenda, Ciríaco resolveu destruir, com golpes de martelo, itens do mostruário da loja, equivalentes aos que havia comprado. A filmagem impactou um número elevado de pessoas. O vídeo depositado por Ciríaco obteve mais de 1.400.000 visualizações, antes de ser retirado do YouTube, por uma ordem judicial. A ação de censura solicitada pela Dicico não impediu, entretanto, que o vídeo continuasse disponível na Internet (em diversos canais no próprio YouTube e em sites de notícia), gerando centenas de comentários, a maioria com caráter aprobativo ou mesmo entusiástico. A exemplo do que ocorrera com o personagem interpretado por Michael Douglas em Um Dia de Fúria (Falling Down, 1992), Ciríaco foi enaltecido, por muitos comentadores, como um herói popular na luta pelos direitos do cidadão-consumidor. As palavras-chave da argumentação consagradora foram respeito e coragem. Outras pessoas se limitaram a exprimir — discursiva e graficamente — suas reações afetivas ao assistir à filmagem. O vídeo de Ciríaco foi reproduzido e discutido, ainda, nos telejornais SBT Brasil e Primeiro Jornal (Band), no Morning Show (Rede TV), no Programa do Ratinho (SBT) e no Mais Você (Rede Globo), acompanhado de críticas legalistas ou de manifestações de apoio (com inflexão populista ou terapêutica). A abordagem noticiosa foi fonte de novos comentários nas redes sociais e nas plataformas de compartilhamento de vídeos.
Para a análise das justificativas fornecidas pelo próprio professor e das tomadas de posição dos juízes virtuais e midiáticos do seu do gesto raivoso, apóio-me em reflexões do rico acervo contemporâneo de estudos sociológicos e antropológicos sobre emoções e sobre moralidade.
“Todas as portas que eu encontrei fechadas”: a política do sofrimento na denúncia pública do desaparecimento civil no Brasil
Autores/as: Eduardo Martinelli Leal
Este trabalho tem como objetivo analisar a denúncia pública do “desaparecimento civil” (Oliveira, 2012) no Brasil a partir da experiência do sofrimento daqueles que procuram seus parentes desaparecidos. Para tanto, utilizo da observação participante em redes sociais e eventos relacionados à causa, bem como de entrevistas semiestruturadas com familiares, policiais, voluntários e outros agentes ligados ao tema. Analiso mais especificamente o empoderamento de mães que perderam seus filhos há muito tempo, “os desaparecimentos de longa duração” (Oliveira, 2012) e que praticam a militância como uma forma de ajudar outras pessoas, mas também indiretamente a si mesmas na medida em que se valem de rituais de elaboração do sofrimento que amenizam sua dor e lutam por superar os obstáculos que cercam a busca de seus filhos. Entendo como desaparecimento a denúncia pública do mesmo, independente das hipóteses sobre suas causas, uma vez que as causas e os critérios sociais das pessoas desaparecidas também implicam em uma maior visibilidade e mobilização social na resolução destes casos. Conforme proposição de Victora (2011) trata-se de indagar como o sofrimento é produzido e reconhecido e quais as implicações éticas e políticas destas formas de reconhecimento. Argumento que o sofrimento decorrente da perda e da busca ao desaparecido passa a incorporar e transformar a própria história de vida dos sujeitos. O sofrimento está presente não apenas na experiência da dor, que se expressa no adoecimento do corpo, mas também se refere a como os próprios processos que deveriam servir para amenizar o sofrimento (conforme Kleinman,1997) tornam-se potencializadores deste. Nesse sentido, destaca-se a ausência de normatização jurídica e de políticas públicas integradas e eficazes que atuem na busca de pessoas desaparecidas. Na denúncia do desaparecimento civil, trata-se de chamar a atenção para o fato de que o sofrimento individual e coletivo é produzido por um problema político complexo, ou como alude Victora (2011), por “políticas e economias da vida”. Mesmo que muitas vezes desintegrada, a política do desaparecimento traz consigo novas formas de fazer política, de dar visibilidade e legitimidade ao desaparecimento como problema social. Essas mães em suas formas não institucionalizadas de mobilização trazem para a cena pública imagens do universo privado que reforçam a ruptura em modelos tradicionais de relações familiares, sobretudo do laço entre mães e filhos. Esses repertórios narrativos e modelos de mobilização produzem justificações morais que dão legitimidade à produção do desaparecimento como um problema social e são tecidos na tensão com discursos de culpabilização e invisibilidade (Ferreira, 2013; Oliveira, 2012).
Sessão 3
As emoções desnaturadas do sujeito. O bonito, o feio e a arte de viver na sociedade contemporânea.
Autores/as: Regina de Paula Medeiros
Esse artigo propõe discutir as imagens construídas sobre a beleza em contraposição a feiúra e o diálogo entre a moral e a emoção que expressa de modo singular as formas de conceber a corporeidade e de formar, deformar e reformar os vínculos sociais. O corpo é a estética da cultura que implica a experiência sensível e subjetiva dos indivíduos e dos grupos sociais. Assim, o conceito de belo e de feio consolidado no corpo só pode ser compreendido por uma variedade de concepções de acordo com as vivências, sensibilidades coletivas e o sistema de significados culturais que são fundamentais para a interpretação de uma realidade social e não para as leis (Geertz, 1989). Na segunda metade do sec. 20, o culto ao corpo em favor da beleza ganhou uma dimensão impressionante em decorrência da mercantilização, da difusão de informações e da supervalorização da imagem. Nesse cenário, a mídia cria mensagens sedutoras e sensuais com o objetivo de despertar paixão pela moda, motivar o consumo de produtos de beleza, de cirurgias plásticas, atividades esportivas, maquiagens, tatuagens, o controle obsessivo do peso, o uso de medicação para os mais variados “incômodos”, entre outros. Esses dispositivos são arranjos intencionais que visam conferir ao sujeito a responsabilidade pelo seu próprio corpo, por sua beleza, juventude, saúde e felicidade, forjando a ideia de autonomia individual e maleabilidade para recriar, mudar, decidir,alterar e transgredir as possibilidades biológicas. Temeroso do possível fracasso, o sujeito se implica com uma serie de ações obsessivas para manter ou atingir o imaginário contemporâneo ou para afastar e dissimular “defeitos” corporais que podem comprometer sua imagem ou distanciar-se do ideal de beleza. Em consequência,vivencia o deslocamento social por vergonha, humilhação,aflição ou sentimento de culpa e humilhação. Para proteger-se, o indivíduo recorre a uma série de recursos oferecidos que têm a capacidade performativa e desnaturada de reproduzir a imagem social e a autoimagem do sujeito contemporâneo como um dispositivo de satisfação dos desejos e do encontro à felicidade. A regra é o culto ao corpo e o “cuidado de si mesmo”, é a cultura narcísica (Lasch 1979), mecanismo importante no processo de construção das identidades individual e social e para definir o estilo de vida social cotidiana. É o corpo ancorado nos paradigmas sociais de beleza. Em contraponto, o corpo gordo, sujo,os cabelos sem tintura, desalinhados e o rosto sem maquiagem remete à imagem de debilidade, do feio, descuidado e deprimido, é o símbolo de falência moral e vulgar do homem atual. Os discursos articulados e as práticas na esfera da vida cotidiana apresentam uma carga de emoção e de moralidade que interferem na subjetividade e nas interações sociais.
Emoções, afetos e engajamento político: uma análise dos itinerários de lideranças dos movimentos homossexual e LGBT em Sergipe
Autores/as: Marcos Ribeiro de Melo
A dimensão emocional foi ocultada nos estudos sobre os movimentos sociais desde que o paradigma da mobilização de recursos, e seu aporte teórico calcado nas estratégias, estruturas e aspectos racionais, tornaram-se a principal fonte de análise e interpretação. O presente trabalho, contudo, parte do pressuposto de que os afetos e as emoções constituem-se numa importante forma de ligação e engajamento de militantes num processo de mobilização política. A afetividade também se vincula à autopercepção dos ativistas promovendo, inclusive, mudanças em suas identidades e atributos psíquicos. Nesta direção, o artigo analisa como as emoções e os afetos de lideranças dos movimentos homossexual e LGBT em Sergipe se entrelaçam com os seus itinerários políticos. Para este fim, foram realizadas entrevistas biográficas, análises documentais e o registro de observações de eventos e reuniões num diário de campo. Privilegiaram-se, neste artigo, os itinerários de militantes envolvidos na “luta contra a homofobia” e pelos “direitos trans”. A dimensão afetiva apareceu como um importante aspecto no recrutamento e na manutenção do engajamento das lideranças. Parte das trajetórias averiguadas foi permeada por situações de violência e exclusão social, cujas origens se estabeleceram a partir condição sexual dos agentes. Foi na mobilização política que alguns encontraram amigos e apoio emocional para “superarem as adversidades”, convertendo medo em “orgulho”. O fato de se tornarem lideranças também envolveu, em alguns casos, uma maior aceitação familiar, de amigos e parceiros afetivos, pautada numa ressignificação acerca da “orientação sexual” e na nova posição ocupada pelo militante.
Juventude em Rede: A questão da amizade na geração Y
Autores/as: Maria Cristina Rocha Barreto
A virtualização das relações faz repensar as coordenadas espaciais e temporais como uma algo que deve ser constantemente problematizado. Várias pessoas possuem amigos que nunca viram pessoalmente, mas que cultivam essa relação por muito tempo, comunicando-se apenas pela internet. Declaram-se amigos pela sintonia, pelo ombro dado, pela presença constante apesar da ausência física. Evidencia-se então que as relações de amizade não dependem da presença física, já que consistem na consideração e afeição de um indivíduo pelo outro, e de uma conexão afetiva duradoura. Isso indica que as amizades virtuais trazem em si toda a força e potencialidades que as assemelham aos relacionamentos presenciais. Assim, a internet torna-se apenas uma ferramenta, que aproxima quem está longe e ajuda na comunicação. Esta é uma reflexão inicial de um projeto em que procuramos compreender como as relações de amizade se constroem, a partir de interações realizadas com o auxílio das redes sociais e de aplicativos instalados em smartphones, entre alunos do ensino médio em uma escola da rede privada da cidade de Mossoró/RN.
Micropolítica das emoções: Estigma e vergonha entre mulheres com práticas homoeróticas em João Pessoa, PB
Autores/as: Jainara Gomes de Oliveira
A presente comunicação tem como objetivo abordar o estigma como um processo social abarcado pelas relações de gênero que produzem as emoções de culpa e vergonha, particularmente entre mulheres com práticas homoeróticas. Os processos de subjetivação de mulheres com práticas homoeróticas são historicamente abarcados por processos de estigmatização. E essa historicidade possibilita que, por meio da estigmatização, os sujeitos sejam inseridos de diversas maneiras nos sistemas de socialização, bem como nas estruturas de poder. No entanto, essa situação não significa que o estigma seja uma relação permanente, mas sim um processo social em constante variação, uma vez que, a subjetividade, o corpo e o modo como experimentamos as relações afetivo-sexuais são constituídos enquanto campos políticos. Característica desse processo de socialização estigmatizado, a vergonha enquanto uma emoção constitutiva de toda a formação identitária e central na construção da sociabilidade, marca as experiências singulares, de individualidade, do vivido e do experienciado desses sujeitos. Mas sem perder de vista a perspectiva relacional da vergonha e a dinâmica entre vergonha e política, deve-se considerar a vergonha enquanto um aspecto constitucional para o entendimento de uma política das diferenças. Desta maneira, pode-se identificar na emoção vergonha uma outra gramática para os conflitos e normais sociais, principalmente se vinculada as lutas políticas que têm por desígnio o reconhecimento intersubjetivo. Trata-se de um trabalho etnográfico, organizado por meio da observação participante em espaços de sociabilidades urbanas, constituição de redes de relações e entrevistas. Com base nas experiências das práticas sociais cotidianas, particularmente entre as mulheres que integram o universo dessa pesquisa, pode-se constatar que estas mulheres, a partir das diferentes situações em que se inserem, são conformadas em um permanente processo de negociação entre as circunstâncias sociais, paradigmas culturais existentes e seus desejos homoeróticos, uma vez que o regime do “armário” enquanto um mecanismo de regulação da vida social e individual marca suas experiências subjetivas.
Uma Arquitetura da arte de morrer no Semiárido Piauiense
Autores/as: Maria Rosâgela de Souza
O presente trabalho compõe um dos capítulos de minha Tese de doutorado: "As velhices que Habitam os Sertões", onde construí uma cartografia dos modos de envelhecer e morrer no Semiárido Piauiense. Nesse capítulo destaco histórias, memórias e imagens dos idosos e idosas sobre a morte e o morrer. Inspirada na prática etnográfica dialogo com os trabalhadores idosos e suas famílias: observo, escuto, escrevo suas narrativas. Os significados atribuídos à velhice e a morte no contexto rural sugerem um reconhecimento da velhice sintonizada á paisagem, ao território e às práticas de convivência com o Semiárido, uma vez que os modos de vida e os valores compartilhados expressam a lógica desse pertencimento.
“Fronteiras do eu”: embates e dilemas na constituição da pessoa na moda e na publicidade.
Autores/as: Fabiana Jordão Martinez
Este paper tematiza os processos ontológicos de constituição da pessoa no universo da moda e da publicidade; mais propriamente, a experiência subjetiva da modelo profissional. Para tanto, utiliza os dados de uma pesquisa etnográfica concluída em 2009 sobre a construção de gênero entre modelos profissionais na cidade de São Paulo.
Neste universo, a subjetividade da modelo profissional se exerce a duras penas, pois se inscreve no dilema de constituir-se como sujeito em campo marcado pela objetificação de gênero e pelo esvaziamento quase total da subjetividade. Nele, a categoria de pessoa comporta significados múltiplos que deslizam por vias diferentes e opostas. Na doxa do campo, a “boa modelo” é aquela que sabe “ser várias”, termo que alude a capacidade profissional e ao potencial performático de projetar imagens e incorporar personagens. Também diz respeito à forma com que cada modelo incorpora as regras do campo e nele aprende a diferenciar-se enquanto “produto”. Por outro lado, este projeto de plasticidade segue incorporado a outro, diametralmente oposto: o projeto de unicidade. A ele corresponde o processo (dificilmente cumprido) de tornar-se, ou de continuar sendo “uma só pessoa”, ou, de “ser várias, sem perder a personalidade”, e, sobretudo, de “encontrar-se” neste labirinto de imagens e prescrições. Entre modelos, isso só se torna possível quando conseguem separar a pessoa da personagem, o passado do presente, a “vida normal” da “vida de modelo”, a mulher da modelo. Decorre disso que o mundo dos afetos (a saber, a intimidade, a sexualidade, a família e a domesticidade) é um contraponto necessário à sobrevivência psíquica; é por assim dizer, o substrato da “alma” e da condição de pessoa. Esta ontologia remete a necessidade de uma cisão entre um mundo público e outro privado em um universo onde a feminilidade só se constrói de forma pública, através das imagens e dos olhares de um Outro impessoal, espectador/ consumidor. Embora se trate de um contexto muito especifico, é possível afirmar que, em plena era de “ficcionalização do real” (Augé, 1998) e de instabilidade do eu (Sibila, 2002; Jameson,1991; Le Breton,2003; Butler, 2003), as reflexões que ora se apresentam certamente remetem a inquietações mais gerais, que podem contribuir com os debates da agenda dos estudos de gênero contemporâneo, bem como dos estudos da subjetividade e a categoria de pessoa na contemporaneidade.
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