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domingo, 12 de janeiro de 2014

Sobre a amizade




Entrevista do Professor Mauro Guilherme Pinheiro Koury a jornalista Isabela Noronha, em 11/11/2013.
Assunto: Sobre a amizade
Para a Revista Sorria Web: http://www.revistasorria.com.br/site/

Perguntas e Respostas

1. Por que fazemos amigos?

Fazemos amigos como uma forma de nos adaptarmos no mundo, de nos tornarmos compreendidos e de compreendermos a nós mesmos  e aos outros.

2. O que significa ser amigo (ou ter um amigo)? Em outras palavras, o que define um amigo?

Amigo é alguém com que partilhamos nossos propósitos na vida, nossas experiências, com quem elaboramos um sentido de vida e projetos comuns. O que define um amigo é o compartilhamento de valores, de saberes, de ideias, de experiências. É aquele em quem se deposita a confiança de poder permitir nos conhecer e se deixar conhecer pelo outro relacional,

3. Como vemos/julgamos as pessoas que não têm amigos? E como isso afeta o nosso olhar sobre nós mesmos?

A modernidade provocou um distanciamento entre as pessoas. Hoje temos medo de compartilhar, a confiança é minada pela concorrência, não nos entregamos tão fácil. O indivíduo que não tem amigo é visto como aquele desconfiado, solitário. E assim nos vemos a nós mesmos. O medo de ser traído provoca o estranhamento e a dificultada de entrega, fundamental para a construção da amizade.

4. Muita gente parece acreditar que os bons amigos são aqueles que se faz na infância. Há uma época ideal na vida para fazer bons amigos?

Não existe época ideal para fazer amigos. A construção da amizade pode ser realizada em qualquer época da vida. O que as formalizará é o compartilhamento de projetos comuns e o grau de confiança depositada na relação pelas partes em jogo.

5. O significado/importância da amizade muda com o tempo?  (Por exemplo: na adolescência pode ser quem fica com você na festa até o final e te ajuda a chegar em casa; mais tarde, é aquele com quem você pode deixar seu filho quando tem um compromisso...).

Sim, os sentidos do ser e de se ter amigos são diferentes em cada fase da vida. Embora a questão do ser e do se ter amigos seja uma questão permanente de construção de laços e vínculos sociais e solidariedade. Base da construção societária e dos indivíduos sociais.

6.  O que separa amigos de colegas e meros conhecidos?

Os colegas são aqueles que compartilhamos algo em um ou mais contextos, por exemplo, pessoas com quem compartilhamos espaços societários determinados, como sala de aula, ambientes de trabalho, etc., com quês somos levados a desenvolver determinadas tarefas ou compartilhar determinadas situações, mas com quem não desenvolvemos laços pessoais profundos. Amigos, ao contrário, são aqueles com quer compartilhamos, além de funções em ambientes determinados, uma convivência mais profunda, movida pela confiança e por um elenco de afinidades que nos provoca o desejo de estar junto.

7. Por que escolhemos uma determinada pessoa para ser nosso amigo e não outra?

Que componentes envolvem essa escolha? A escolha se dá por processos de afinidade, às vezes frustrados no decorrer de uma manifestação de vontade de sedimentação, fundamento do compartilhamento. Mas a descoberta do outro como um sujeito que tem os mesmos valores, que compartilha ideias e projetos, faz com que se crie um encantamento específico que faz uma pessoa revestir-se de uma vontade de construção e compartilhamento do eu pessoal de um outro. O faz singular para esse outro. Dai se cria um diferencial dos demais, e, quando esse outro se envolve nesse encantamento se inicia, de forma tímida ou abrupta uma relação de amizade. Relação prazerosamente, mas sempre tensa, porque envolve a descoberta do outro e a descoberta pelo outro do mim. O medo de ser traído e a exigência da fidelidade são processos permanentes nesse processo de construção de um amigo. Daí o prazer da entrega e daí também o medo dessa entrega, pela possibilidade sempre presente, desse outro permitido amigo apropriar-se dos segredos do compartilhamento e usa-los para fins de dominação, e de revelação para os outros quaisquer. Dai que a amizade é um processo continuo de negociação.

8. Como os amigos podem influenciar a nossa vida?

Às vezes de forma total. Estilos de vida, escolhas por determinados caminhos simbólicos ou práticos, conformação de caráter, e assim vai. E aí reside o medo atual desse grau de estreitamento e de compartilhamento entre relacionais. Até que ponto se pode confiar, é a pergunta sempre presente, mesmo que em um tom quase invisível, que ronda a relação entre amigos.
9. Qual o papel da amizade na terceira idade e em que espaços ela acontece?
Na terceira idade, quando as pessoas estão fora dos diversos espaços de interação cotidiana das demais idades, como escola, universidade, espaço de trabalho e exercício profissional, e o papel que a sociedade tem para com os seus 'velhos', provoca uma solidão ainda maior nos indivíduos. Daí, o compartilhamento com pessoas outras com os mesmos movimentos se faz tão importante. Alguns trazem amigos de outrora, e os vínculos se estreitam ainda mais. Outros se sentem isolados e sem mais projetos. Outros ainda encontram afinidades em ambientes alternativos, como bibliotecas, praias, ambientes específicos, como festas, religião, espaços públicos destinados a convivência entre idosos, e por aí vai. A amizade, nessa idade, se torna e tão um processo singular de troca que permite uma inclusão dos velhos em processos sociais mais dinâmicos e permite novos projetos e a uma nova expectativa de convivência e de ação positiva sobre si mesmos e sobre os outros e sobre o social em geral

10. Com a internet, ficou mais fácil ou mais difícil fazer amigos?

De um lado ficou mais fácil. Você pode se conectar com o mundo inteiro. Por outro lado, você pode manipular situações, assumir personagens diversas para o outro relacional, porque invisível. Daí o nível de confiabilidade necessária para a construção do amigo virtual é menor. Um aprofundamento requer visitas presenciais e compartilhamento mais sólidos. Mas a internet abre espaço singular para a comunicação, e quebra a solidão e dá uma dimensão de compartilhamento que leva a situações de amizade possível.

11. Os amigos da internet são “amigos reais”?  Ou a web deu um novo significado à palavra “amigo”?

O que são amigos reais? Eu me pergunto. O real de uma relação é recheada de ilusões e de projeções de um mim para um outro. Partindo dessa assertiva, os amigos virtuais, sim, podem setoriais ou equivalentes. Mas, por outro lado a web provocou um certo abrandamento no sentido da palavra amigo. O facebook, por exemplo, informa que amigo é aquele que aceitamos na pagina pessoal que desenvolvemos nessa rede. Ou seja, são todos os aceitos em uma página. Assim possuímos 500, 1000, 10 mil. O sucesso para o outro que visita sua pagina é demonstrado por esse número. Da uma dimensão de popularidade. Por outro lado, nesse mar de pessoas conectadas a você, só alguns provocam possibilidades de um aprofundamento, de discussões mais solidas, de desejos de contatos presenciais, etc. Assim, amigo na internet, pode ser apenas um índice de popularidade, ou um compartilhamento geral, menos aprofundado. Mas pode resultar, também, em compromissos mais sólidos com alguns relacionais. Mesmo que às vezes nunca postos em pratica.

12. Há novos espaços para se fazer amizade na sociedade de hoje? Se sim, quais são eles?

A internet, por exemplo, é um desses novos espaços. No geral os espaços continuam os mesmo. Vizinhos, escolas, universidade, trabalho, viagens, festas, praia, campo, são os espaços de convivência que se renovam, sim, mas que provocam relações e desejo de compartilhar seus projetos com os projetos de alguns, determinados, que nos provocam a sensação encantada de poder confiar.

Mauro Guilherme Pinheiro Koury é Professor Doutor da Universidade Federal da Paraíba, ligado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Coordenador do GREM - Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções.

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