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segunda-feira, 22 de junho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento, n. 04 (22 de junho de 2009)

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Publica-se, hoje, neste Blog, o quarto número da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM. Esta Série tem por objetivo a publicação e a divulgação dos Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento ou das pesquisas Recém Finalizadas pelo corpo de pesquisadores do GREM.
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Nesta Série serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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Já foram publicados neste Blog os números: 01, em 12 de junho de 2009, o 02, em 15 de junho de 2009, e o 03, em 18 de junho de 2009 da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM.
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O número 04 da Série Pesquisas em Desenvolvimento publica o Resumo Expandido da pesquisa em andamento no GREM, coordenada pela pesquisadora Maria Sandra Rodrigues dos Santos, em conjunto com o UNIPÊ, onde leciona (1).
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A linha de pesquisa do GREM que a pesquisa em desenvolvimento de Maria Sandra está alocada é a Rituais da Morte, Luto e Sociedade.
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Vamos, então, para o número 04 da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM.
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Título da Pesquisa: Enfretamento da morte vivenciada pelos Enfermeiros, Fisioterapeutas e os indivíduos que se encontra em processo de perda.
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Pesquisador: Maria Sandra Rodrigues dos Santos (2)
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Resumo: Esta pesquisa pretende investigar as formas e as atitudes estabelecidas diante da morte entre os Enfermeiros e Fisioterapeutas em Hospitais Públicos da Cidade de João Pessoa-PB. Como se dão as práticas de enfretamento da morte entre estes profissionais da saúde, e quais as relações entre estes e os indivíduos que se encontram em processo de perda.
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Pretende, dessa forma, investigar, além dos procedimentos institucionais adotados quando da constatação da morte de um indivíduo, todo o agir discreto, controlado e, como é comum dizer, “de frieza” dos profissionais em relação aos indivíduos que vivenciam o processo da morte interdita. Ou seja, quando a morte passa a acontecer nos hospitais sob o controle dos médicos.
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O que se pretende investigar é o comportamento das pessoas que estão diretamente relacionadas ao processo de morte em um local exclusivo: os hospitais públicos da Cidade de João Pessoa. Tendo como sujeitos específicos os profissionais da área da Enfermagem e da área de Fisioterapia e os indivíduos que estejam vivenciando o processo de perda. Ou seja, de como esses profissionais constroem os espaços relacionais de dor e sofrimento quando da morte de um paciente. Quais as atitudes de Enfermeiros e Fisioterapeutas diante dos familiares que acabaram de perder um ente-querido.
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Metodologicamente se pretende realizar uma revisão bibliográfica sobre os estudos que tratam da problemática da morte, priorizando os trabalhos que dão ênfase a uma análise que trata da morte como uma questão social e motivador dos comportamentos sociais, bem como, levantamento de dissertações e teses dedicadas aos estudos da morte na área da saúde, como também em jornais nacionais e locais. Tendo em mente que o que determina a metodologia é o objeto de estudo, ou seja, o método surge a partir da necessidade do objeto a ser trabalhado, a pesquisa de caráter exploratório recorrerá à técnica da entrevista com Enfermeiros, Fisioterapeutas e indivíduos que estejam vivenciando o processo da perda nos Hospitais Públicos da Cidade de João Pessoa-PB.
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Nesse sentido, estamos estudando a realização de um Survey para um mapeamento dos hospitais e dos profissionais que serão abordados para o entendimento da questão principal e posteriormente a aplicação de entrevistas que será o instrumento principal da coleta de dados. O instrumento prioritário para a coleta dos dados será a entrevista por ser um instrumento metodológico adequado, que nos permitirá realizar um levantamento qualitativo dos dados.
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Outro instrumento para coleta de dados será a observação, onde o pesquisador se permitirá a assistir às manifestações do fenômeno a ser estudado, e desse modo utilizando inúmeras formas de registro que vão desde a caderneta de campo e fichas, até o uso de gravadores, filmadoras, maquinas fotográficas. O que consequentemente enriquecerá na coleta das observações. O roteiro a ser elaborado para a realização das entrevistas será organizado quando de uma visita exploratória ao campo, com o objetivo de permitir uma melhor visualização do objeto a ser investigado. A análise consistirá de uma leitura qualitativa dos dados coletados a partir da codificação e tabulação das entrevistas e observações realizadas. Posteriormente esses dados serão cruzados com a literatura pertinente ao tema.
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Notas
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1 - Maria Sandra Rodrigues dos Santos é Pesquisadora do GREM e Professora de Metodologia do Estudo e de Monografia dos Cursos de Fisioterapia, Enfermagem e Fonoaudiologia do UNIPÊ.
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2 - Participam ainda da pesquisa as alunas: Gabriela Martins C. Dantas e Mônica Dantas Lima (Fisioterapia – UNIPÊ), Rafaella Lima de Oliveira (Enfermagem – UNIPÊ), e Karla Fernandes de Albuquerque (Coordenadora do Curso de Enfermagem – UNIPÊ)

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Bibliografia
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ELIAS, Norbert. A solidão dos moribundos, seguido de, Envelhecer e morrer. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
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LINS, Mísia. Morte, católicos e imaginário: o caso do Alto do Reservatório, Casa Amarela. Recife. 202f. Dissertação. (Mestrado em Antropologia) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, 1995.
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MARANHÃO, José Luiz de Souza. O Que é Morte. Brasiliense: São Paulo, 1992.
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MAUSS, Marcel. A alma, o nome e a pessoa (1929). In: Marcel Mauss: antropologia, organizador (da coletânea) Roberto Cardoso de Oliveira. São Paulo: Editora Ática, 1982. (Grandes cientistas sociais).
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MORIN, Edgar. O homem e a morte. Tradução de Cleone Augusto Rodrigues. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1997.
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SANTOS, Maria Sandra Rodrigues dos. O luto e a representação da morte na cidade de João Pessoa. João Pessoa. Monografia (Curso de Bacharelado em Ciências Sociais) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, 2000.
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SIMMEL, George. A metafísica da morte. Trad Simone Carneiro Maldonado. Política & Trabalho, ano 14, n. 14, João Pessoa: PPGS-UFPB, 1998.
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TAYLOR, S. J. & BOGDAN, R. Introducción a los métodos cualitativos de investigación: la búsqueda de significados. Barcelona: Paidós, 1992.
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VOVELLE, Michel. A história dos homens no espelho da morte. In: Herman BRAET, e Werner VERBEKE (eds.). A Morte na Idade Média. Tradução Heitor Megale, Yara Frateschi Vieira, Maria Clara Cescato. Editora da Universidade de São Paulo: São Paulo, 1996.
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quinta-feira, 18 de junho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento, n. 03 (18 de junho de 2009)

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Este Blog publica, hoje, o terceiro número da Série Pesquisas em Desenvolvimento e Recém Finalizadas. Esta Série tem por objetivo a publicação e a divulgação dos Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento ou Recém Finalizadas pelo corpo de pesquisadores do GREM.
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Nesta Série, que teve o seu número 01 publicado neste Blog em 12 de junho de 2009, e o segundo publicado em 15 de junho de 2009, serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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O número 03 da Série Pesquisas em Desenvolvimento publica o Resumo Expandido da tese do pesquisador Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia. O resumo apresentado neste 3º número da Série de Luiz Gustavo teve como objetivo a obtenção do título de Doutor em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2007. A pesquisa de Luiz Gustavo faz parte da linha de pesquisa Memória e Imaginário Social do GREM.
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Vamos, então, para o terceiro número da Série Pesquisas em Desenvolvimento e Recém Finalizadas.
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Título da Pesquisa Concluída: “A pupila dos cegos é seu corpo inteiro”: compreendendo as sensibilidades de indivíduos cegos através das suas tessituras narrativas

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Pesquisador: Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia

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Resumo: Minha pesquisa de doutoramento, defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS (CORREIA, 2007), nasceu como desdobramento de alguns questionamentos manifestados ainda durante o processo de feitura da minha dissertação de mestrado em Sociologia (CORREIA, 2002) - apresentada na UFPB sob orientação de Mauro Guilherme Pinheiro Koury - com o aprofundamento de algumas discussões e análises dentro do campo teórico da Antropologia Urbana e das Emoções. A cidade como ambiente de vínculos e enraizamentos de memórias individuais e coletivas, intercâmbios de sentidos e experiências, é o espaço das minhas inserções, a fonte das minhas inquietações antropológicas.
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Procurei compreender as vivências dos processos simbólicos e as interpretações pessoais sobre a perda da visão via narrativas de indivíduos cegos habitantes de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Vinculadas a essa configuração temporal-espacial e simbólica estão as sensibilidades individuais e as suas expressões reveladas nas narrativas. A proposta foi investigar as camadas temporais simultâneas e distintas emaranhadas e recompostas nas memórias pessoais tecidas pelas narrativas dos sujeitos. Dessa forma, a tese se apresenta como uma síntese dos diálogos com esses diferentes personagens, a constante busca por articulação e troca de informações com essas outras percepções que povoaram minhas passagens em campo.
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O texto final da tese reflete as tentativas de compreender as interpretações pessoais dos sujeitos em interação com o espaço e com outros tantos personagens constituintes da cidade. Na busca por tornar mais fácil de entender alguns dramas humanos (ELIAS, 1995), se revelam os agentes enraizados na configuração social dada e as relações intersubjetivas vinculadas ao espaço e ao tempo vividos em sociedade. A montagem das experiências recontadas justapõe processos e rupturas pessoais contextualizadas pelas temporalidades citadinas, através das construções narrativas como elaborações onde os tempos das vivências e apreensões subjetivas se recompõem. Estas tensões, conflitos, articulações e rearranjos descobertos possibilitaram a ampliação dos sentidos das individualidades que planejava investigar em minhas primeiras caminhadas pelas ruas da cidade.
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O meu interesse foi mostrar a relação estabelecida entre as pessoas cegas “no” e “com” o seu espaço de vivência através de suas interações e articulações sociais na cidade. Parto do pressuposto do espaço vivido e apreendido afetivamente como lócus de configuração e enraizamento da memória pessoal e social dos sujeitos que nele convivem e da composição das diversas temporalidades nas trocas intersubjetivas urbanas. Penso, a partir das reflexões de Maurice Merleau-Ponty, que “não se deve dizer que nosso corpo está no espaço nem tampouco que ele está no tempo. Ele habita o espaço e o tempo” (1994, p. 193). É através do corpo como efetivação de uma consciência, ou melhor, de uma experiência, que há a comunicação com o mundo e com os outros. Assim, a cidade, seus espaços e ritmos, conformam um ambiente de intercâmbio de experiências múltiplas, individuais e coletivas, coesas ou conflitantes, mas sempre dinâmicas, que podem ou não acompanhar o ritmo que é próprio ao lócus urbano. O meu interesse foi então descobrir os espaços e tempos vividos na cidade, e de que forma se configuram as memórias e identidades dos sujeitos através do enraizamento das suas experiências nos diversos cenários urbanos à disposição.
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Tais observações seguem o caminho da valorização do cotidiano, da dinâmica das práticas e relações pessoais cotidianas, como noção base para a compreensão dos sentidos em jogo nas ações humanas. Situo-me a partir das contribuições de pesquisadores que propõem novas percepções sobre a estética urbana, valorizando a reapropriação da cidade, entendida como re-significação simbólica dos espaços e dos ritmos pelos diversos grupos humanos. Tais pesquisas buscam compreender de que maneira os atores sociais vivenciam, tensionam ou subvertem os códigos de conduta e sociabilidade urbanos (KOURY, 2003, 2005, 2006; MAGNANI, 1998, 1999; ROCHA, 2001; entre outros).
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Em conjunto com essa apreensão teórica da cidade, ressalto a preocupação com o caráter intersubjetivo da experiência (RABELO & ALVES, 1999). De tal forma, a experiência ganha contornos de vivência necessariamente intersubjetiva, com base nos sentidos acionados nas práticas cotidianas, nas interações em que a individualidade se torna perceptível. As individualidades – em suas relações na dinâmica do jogo social – expressas nos discursos narrativos surgem como aspecto fundamental para a compreensão da vivência urbana. Assim, pretendo reforçar o argumento sobre as fragmentações e articulações possíveis na composição da cidade tal como apreendida pelos seus personagens.
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Buscar as interpretações pessoais é uma forma de compreender a relação do indivíduo com o mundo com que e em que interage. Não o mundo panorâmico, contemplativo, perspectivado pelo olhar passivo que percebe de maneira homogênea e totalizadora. O mundo vivido, no entanto, como “cenário da vida do corpo, morada de afetos” (PESSANHA, 2000), é um mundo de espaço singular, “povoado por lembranças, sítio de experiências colorido por emoções datadas” (Idem).
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As narrativas expostas na tese, como elaborações discursivas das experiências pessoais e do processo de individualização dos sujeitos, são interpretações e significados atribuídos à vivência pessoal sem a visão no quadro de referências compartilhado formado pela cidade de Porto Alegre. Os sentidos expostos nas narrativas de tais elaborações individuais revelam a heterogeneidade própria às conformações humanas na sociedade contemporânea e de que forma a auto-imagem se estabelece a partir do processo tenso e conflituoso de delimitação de fronteiras sociais. A construção textual de tais relatos aborda a cegueira como um elemento comum aos personagens, sem buscar a caracterização de uma identidade coletiva, a configuração de um grupo humano específico.
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Tendo o corpo como terreno dos sentidos articulados e intercambiados no contexto socialmente vivido, a relação fundante do mundo intersubjetivo, do eu em relação aos outros, é revelada nos termos das experiências narradas da vivência cotidiana da cegueira. Na medida então em que é “dimensão do nosso próprio ser” (STEIL, 2007), é no e pelo corpo que se efetivam e se inscrevem as experiências e os projetos, que se pode pensar em modalidade particular de ser no mundo. O corpo do indivíduo é o meio por onde circulam e são agenciados, em sua relação com o mundo, os sentidos destas configurações. É a condição do indivíduo experienciar, criar vínculos, deslocar-se e elaborar os significados em sua relação com o mundo.
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Assim, as narrativas são montadas priorizando as especificidades de apreensão das experiências dos sujeitos. Dessa forma, se tornam compreensíveis as tensões, os conflitos, os diálogos, as semelhanças e distinções nas percepções próprias das experiências dos sujeitos nas dinâmicas das comunicações, negociações e apreensões dos sentidos socialmente compartilhados da falta de visão. Deixando aberto a outras possibilidades interpretativas e expondo os caminhos percorridos para estruturar minhas próprias reflexões. As contextualizações das narrativas estão em jogo no próprio ato de narrar, e, assim, tentei por uma das interpretações possíveis trazê-las ao corpo da tese.
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Referências
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CORREIA, Luiz Gustavo Pereira de Souza. Imagem fotográfica e memória social: o Templo de Angola Xangô Catulho Onicá no Zambe através de um acervo particular de fotografias. (Dissertação de mestrado). João Pessoa: PPGS-UFPB, 2002.
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____________. “A pupila dos cegos é seu corpo inteiro”: compreendendo as sensibilidades de indivíduos cegos através das suas tessituras narrativas. (Tese de doutorado). Porto Alegre: PPGAS-UFRGS, 2007.
ELIAS, Norbert. Mozart – Sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Amor e dor – Ensaios em Antropologia Simbólica. Recife: Ed. Bagaço, 2005.
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____________. Medos corriqueiros e sociabilidade. João Pessoa: GREM/Ed. UFPB, 2005a.
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MAGNANI, José Guilherme Castor. Festa no pedaço: Cultura popular e lazer na cidade. São Paulo: UNESP/HUCITEC, 1998.
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____________. Mystica urbe – Um estudo antropológico sobre o circuito neo-esotérico na metrópole. São Paulo: Studio Nobel, 1999.
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MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
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PESSANHA, José Américo Motta. “Bachelard e Monet: o olho e a mão”. In: NOVAES, Adauto. (Org). O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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RABELO, Miriam Cristina & ALVES, Paulo César. Experiência de doença e narrativa. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.
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ROCHA, Ana Luiza Carvalho. “As figurações de lendas e mitos históricos na construção da cidade tropical” In: Iluminuras, nº 34, Porto Alegre: Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001.
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segunda-feira, 15 de junho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento, n. 02 - Junho de 2009

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Publica-se, hoje, neste Blog, o segundo número da Série Pesquisas em Desenvolvimento. Esta Série tem por objetivo a publicação e a divulgação dos Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento pelo corpo de pesquisadores do GREM, neste ano de 2009.
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Nesta Série, que teve o seu número 01 publicado em 12 de junho de 2009, serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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O número 02 da Série Pesquisas em Desenvolvimento publica o Resumo Expandido da pesquisa do pesquisador Alexandre Paz Almeida. A pesquisa em desenvolvimento de Alexandre Almeida tem como objetivo a obtenção do título de Doutor em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco.
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A pesquisa de Alexandre Almeida está vinculada a Linha de Pesquisa do GREM: Medos Urbanos, Violência, Ruínas e a Construção das Cidades.
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Vamos, então, para o segundo número da Série Pesquisas em Desenvolvimento.
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Título da Pesquisa: As Praças Aristides Lobo e Pedro Américo: espaço de cultura, sociabilidade e contradições no centro de João Pessoa, Paraíba, Brasil
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Pesquisador: Alexandre Paz Almeida
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Resumo: Este trabalho intitulado As Praças Aristides Lobo e Pedro Américo: espaço de cultura, sociabilidade e contradições no centro de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, Brasil, faz parte de um projeto de pesquisa de doutoramento que venho desenvolvendo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vinculado ao Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções (GREM) da UFPB, coordenado pelo professor Mauro Guilherme Pinheiro Koury.
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No GREM trabalhei na pesquisa sobre Medos Corriqueiros e Sociabilidade Urbana, coordenada pelo Prof. Mauro Koury, o que resultou em uma monografia de final de curso em Ciências Sociais, na Universidade Federal da Paraíba, defendida no ano de 2005, tendo o referido coordenador como orientador. Ao dar continuidade a pesquisa sobre Medos Urbanos, pude também desenvolver uma pesquisa sobre Cotidiano e Sociabilidade em um bairro popular de João Pessoa, resultando em uma dissertação de mestrado, defendida em fevereiro de 2008, na Universidade Federal da Paraíba, intitulada de A Cidade, O Bairro e a Rua: um estudo sobre cotidiano e sociabilidade em Valentina de Figueiredo, João Pessoa, Paraíba.
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Ao compreender os processos de sociabilidade e cotidiano no meio urbano, pude perceber como a lógica do espaço se faz presente enquanto modeladora da vida de grupos e indivíduos que compartilham experiências comuns ou não. O espaço, desse modo, figura como o lócus de trocas de experiências, posição e imposição social, refletindo os anseios e ações dos indivíduos que nele estão imersos, seja através de relações pessoalizadas ou impessoalizadas, o que se torna, de certa forma, um campo onde podemos compreender os significados emocionais e simbólicos, culturalmente construídos no cotidiano e nas formas de sociabilidade, que Simmel (2006) define como lúdicas e contraditórias.
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O Espaço Como Categoria Sociológica
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Pensar um espaço urbano como categoria sócio-antropológica, é também buscar compreender um ambiente em que os diversos atores sociais projetam possibilidades, afirmam identidades, vivenciam ambigüidades, tensões e vários fatores que Simmel (1979) definiu como sendo unicamente metropolitano e moderno. Assim seria a vida nas cidades modernas: contraditória, entediada, carregada de tensões entre o espaço habitado e a vivência dos sujeitos enquanto construtores deste espaço, que se em alguns momentos traz algo de lúdico, por outro lado, faz do conflito algo determinante na formação de um sujeito e de uma identidade moderna, ou como Louis Wirth (1979) prefere, constrói “híbridos biológicos e culturais(1).” Desse modo, a cidade se apresenta com seus aspectos que propiciam a diversidade e diferença cultural, econômica e social, firmados sobre conceitos que delimitam e distinguem categorias que podem ser analisadas sob um universo empírico e suscetível de análise teórica.
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Neste sentido, é basicamente sobre o conceito de heterogeneidade que a sociologia vem se firmar como disciplina que busca uma compreensão do meio urbano e suas nuanças. Os espaços da cidade, desse modo, são compreendidos através da diferença e das reproduções que os atores sociais vivenciam e comungam experiências de redes associativas, de conflitos e experiências de vida emergentes de relações sociais, presentes como forma de integração ou desintegrarão dos grupos relacionais dentro de uma cotidianidade bastante definida. Cotidianidade esta que estrutura a permanência ou não dos indivíduos dentro de redes associativas, bem como os identifica dentro de práticas de compartilhamento, sociabilidades e interações, definidas geograficamente e temporalmente.
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Entre outros aspectos da cidade moderna e ainda observando a idéia de heterogeneidade cultural, também podemos perceber que este ambiente conflituoso e instável, constrói um lócus onde os indivíduos, imersos em relações impessoais e anônimos, são compelidos a uma permanente luta por reconhecimento e por afirmação identitária. Esse ambiente da cidade moderna surgiu por volta da metade do século XIX, através de um capitalismo industrial que vai segregar o caráter idílico das relações sociais, quebrando radicalmente com todas as formas de sujeição feudal, substituindo antigos agrupamentos por formas dispersas, exacerbando contradições sob um intensificado processo de alienação e racionalização das relações sociais, dos atores individuais e dos espaços compartilhados (LEFEBVRE, 2004).
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É bom deixar claro que o conceito de espaço (2) possui uma ampla ressonância, sendo freqüentemente usada na sociológica como significação de um lugar habitado. Portanto, o lugar também pode ser considerado um espaço habitado. O espaço, como categoria sociológica, somente ganha significado quando os homens conseguem habitar ou, simplesmente, demarcar aquele local para suas atividades relacionais ou não. Diferente de espaço e lugar, o conceito de habitar, provém de uma idéia de residir, morar. Todavia, o espaço e o lugar só existem quando se habita. Nessa perspectiva, Augé (1994) vai definir o não-lugar como o um espaço que, diferente do lugar – que é mais relacional, compartilhado e identificado, fazendo histórias e memórias – é totalmente desconexo enquanto projeto de reconhecimento e história social. Segundo Augé, a supermodernidade funda não-lugares, ou seja, espaços sociais que, apesar de serem públicos, quebram com a idéia de compartilhamento. Hotéis, supermercados, aeroportos e estações de metrô, entre outros lugares, são considerados por Augé como não-lugares.
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Percebe-se que o espaço (principalmente os citadinos) significa e ressignifica através das conseqüências e mudanças sociais e individuais, que rapidamente ocorrem em um tempo que parece está cada vez mais submetido ao cotidiano moderno (BAUMAN, 2004; LEFEBVRE, 1998) predominando o sentido de ser e estar, localizado no agora (ELIAS, 1994; KOURY, 2003), em outras palavras, a idéia de viver e se projetar apenas em um tempo-espaço presente parece se fortificar cada vez mais.
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Não obstante, o sentido ou a finalidade de uma praça transcende referências sócio-espaciais e históricas, sendo contextualizada dentro de suas especificidades enquanto projeto arquitetônico desenvolvido, supostamente, com a emergência da polis que diferencia radicalmente da estrutura “feudal”. As praças, bem como ruas, casas, monumentos, entre outras formas de arquitetura da polis, são expressões totalmente distintas dos antigos feudos, que agregavam, esporadicamente, alguns cidadãos em regiões dispersas (SENNETT 2008).
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Diante de tais circunstâncias, está pesquisa pretende compreender a lógica do espaço urbano – através de uma perspectiva sociológica contemporânea e urbana – que racionalmente se modifica, estruturando novos caminhos e possibilidades para se pensar o sentido de cidade enquanto modeladora da vida social e cultural. Neste sentido, a pesquisa se debruça em duas praças do centro da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, buscando, através dos atores sociais que nela estão presentes e se fazem presentes, compreender a lógica do espaço como transformadora das práticas sociais e culturais no meio urbano contemporâneo.
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Primeiras observações e considerações sobre as Praças Aristides Lobo e Pedro Américo
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Bachelard (1985, p.56) afirmou que “somente na vida social e no intercambio das paixões os homens podem viver os conflitos e contradições de seu destino”, no entanto, a paisagem seria um panorama natural que complementaria as vicissitudes de um mundo desfigurado por devaneios da imaginação humana. A paisagem, como espaço elementar para concretude da vida moderna, seria esboçada em imagens que complementariam a imaginação e a concretização do lugar, que por mais que se modifique, estaria eternamente presente na imagem gravada, compartilhada e vivenciada (KOURY 1998). Paisagem, imagem e memória se integrariam sob a dinâmica do espaço presente e ausente (3).
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Presente enquanto real, ausente enquanto imagem e memória, eis a lógica do espaço que se torna concreto, imaginado, histórico ou nostálgico, pois, quem nunca contemplou a imagem de uma paisagem, urbana ou não, em uma fotografia ou apenas no olhar, e não se sentiu extremamente cativado por aquele local? A paisagem, assim como Santos (2008 p. 67) vai definir, figura tudo aquilo que: “nós vemos, que nossa visão alcança, é a paisagem. Está pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. É formada não apenas de volumes, mas também de corres, movimentos, odores, sons etc”.
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As praças Aristides Lobo e Pedro Américo fazem parte desta paisagem da cidade de João Pessoa, onde suas corres, seus sons, sua imagem e todos os tipos de percepções subtraídos por nossos sentidos, fazem das praças um espaço que se concretiza com o movimento intenso dos diversos indivíduos que, anônimos, conhecidos, desconhecidos, com práticas diárias, transeuntes, etc. complementam nossa percepção do lugar, do espaço e da paisagem urbana contemporânea.
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Situadas no centro da capital, serviu e serve de palco para muitas manifestações artísticas e culturais da cidade. Espaço público de entretenimento, lazer e comércio, as duas praças são separadas apenas pelo Comando da Polícia Militar do Estado da Paraíba, este, construído por volta dos anos de 1864, foi projetado, primeiramente como teatro, todavia foi destinado para funcionar como sede do Thesouro Provincial e posteriormente transformado em Secretaria da Agricultura (nome que se encontra na parte externa do prédio, sentido Praça Aristides Lobo) e por fim, Comando da Polícia Militar. O prédio é tombado pelo IPHAEP – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba. O Theatro Santa Roza, localizado na Praça Pedro Américo, é considerado marco da arquitetura moderna do século XIX e ponto de referência turística e de manifestações culturais da cidade de João Pessoa.
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A importância de estudar duas praças centrais da cidade de João Pessoa, não se dá apenas por suas nuanças enquanto espaço configuracional de organização social e territorial da cidade e seus aspectos modernos de compartilhamento e preservação do espaço público (neste ultimo caso, é bom salientar que alguns cientistas sociais compreendem que a atual fase da modernidade tende a fragmentar não só a idéia de espaço público, mas a própria relação social parece esta fadada a impessoalidade e o anonimato dos sujeitos, por conseqüência de uma forte individualização e racionalização propagada pelo cotidiano moderno [4]), mas também saber como os atores sociais compartilham e vivenciam um local que, se de um lado apresenta o pitoresco, por outro lado funda contradições e dramaticidades nas relações arquitetadas cotidianamente.
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As praças Aristides Lobo e Pedro Américo, de certa forma, se enquadram na configuração pitoresca de uma cidade interiorana. Seu ambiente interno não possui quadras de esportes ou parques infantis, mas grandes arvores e vários bancos que a circundam. Com um comércio diversificado, que vai desde a venda de artesanatos, a floriculturas artificiais, passando pela informalidade dos fotógrafos “lambe-lambe” (5) e das prostitutas que marcam seu espaço de trabalho diariamente a partir das cinco horas da tarde, as praças são também circuladas por um amplo comércio de lojas de eletrodomésticos e roupas (6). Situadas em um ponto estratégico do centro de João Pessoa, o seu acesso se dá por várias avenidas principais, sendo a Guedes Pereira, passando pelo viaduto Damásio Franco, os mais comuns, o que torna os seus arredores bastante movimentados pelo fluxo constante de ônibus e carros.
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A presença de transeuntes, consumidores, trabalhadores do comércio, policiais militares, assim como religiosos que ocupam seu espaço para pregações e evangelização, como os grupos de idosos que sentam nos bancos ao entardecer, também são figuras sociais presentes no interior das praças, são atores localizados em um tempo e espaço específico, marcados por um cotidiano moderno que, por ser imperceptível, (LEFEBVRE 1998; BAUMAN 2004, 2005; HELLLER 1998) dificilmente torna possível a percepção das rápidas mudanças e transformações sociais, ambientais e culturais.
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As praças aqui estudadas se tornam um amplo espaço de sociabilidade, de reconhecimento, de trabalho, de lazer e - mesmo mantendo peculiaridades do espaço público habitado e planejado: bem localizado, arborizado, de fácil acesso - as tensões e contradições podem ser percebidas nas minúcias do cotidiano imperceptíveis aos olhos dos vários atores sociais que nela se fazem presente. Neste sentido, o espaço público para lazer ou comercio, para reconhecimento daqueles usuários habituais ou transeuntes, também é palco de contestação ao poder público por melhores condições de trabalho ou lazer (FRÚGOLI JR, 2000), de incômodo e reclamação com as prostitutas que trabalham lá, de se sentirem desprezados por não serem mais reconhecidos profissionalmente, como é o caso dos lambe-lambes.
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As praças Aristides Lobo e Pedro Américo, dessa forma, se tornam palco de investigação desta pesquisa, onde, através de seus tipos sociais, se buscará entender a lógica do espaço público-relacional; as configurações e reconfigurações sociais e históricas, culturais e simbólicas do local como elemento norteador de sociabilidade e identidade (DaMATTA, 1987; KOURY, 2003; MENEZES, 2000) .
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Conclusão
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É nas formas de apropriação destes dois espaços urbanos, do centro da cidade de João Pessoa, que se procurará analisar as referências identitárias construídas pelos diferentes sujeitos, bem como de que maneira as intervenções modernizadoras no espaço modificam e redefinem identidades, estruturam redes de sociabilidade, definindo uma cultura, se assim podemos chamar, diversificada e diferenciada, ou seja, heterogenia.
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Nesta perspectiva, para se compreender as tramas de sociabilidade no meio urbano, é fundamental se perceber a organização do espaço, com seus lugares e fenômenos de deslocalização (7), (MENEZES, 2000), bem como as diversas representações sociais que são moldadas dentro de um espaço usual, ou seja, compartilhado e vivenciado por grupos e indivíduos singulares, mas interdependentes enquanto construtores de um ambiente comum e reconhecido (ELIAS, 1994), o que segundo Koury (2005), vai estabelecer formas de apropriação de um espaço, que além de gerar núcleos de construção simbólica sobre o lugar, também fomentará um sentimento de pertencimento e uma atribuição de significado ao lugar, refletindo-se na significação dos próprios atores sociais que habitam a cidade. Atores que compartilham situações semelhantes, que vivenciam experiências em um tempo-espaço presente no cotidiano, formando imagens mentais e históricas comuns aquele social e grupo específico (DaMATTA, 1987). Por fim, para se entender a problemática entre indivíduos e espaço, deve-se buscar uma idéia de conjunção entre as vidas que habitam e pensam, que se relacionam e constroem o espaço enquanto elemento referencial de uma identidade grupal e individual.
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Notas
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[1] Para Wirth, assim como Simmel, a cidade moderna e industrial é um campo de complexidade humana, onde se agrupa um grande número de indivíduos heterogêneos, que compartilham um tipo de cultura, caracterizado por papeis sociais superficiais e relações fragmentadas.
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2 Na filosofia de Kant, o espaço, assim como o tempo, faz parte de uma estética transcendental, ou seja, é perceptível ao nosso espírito, mas independe de nossa realidade concreta para existir. Em Kant, ainda percebemos como o espaço e o tempo são categorias fundamentais para compreensão de nossa existência física, metafísica e material.
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3 SANTOS (2008. p. 67 e 68) denominará a paisagem como o conjunto das coisas que se dão diretamente aos nossos sentidos, onde o espaço, (que é sujeito a diversas transformações e configurações) resultará de um casamento entre o território, a paisagem e a sociedade. Ver SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado.
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4 Sobre este assunto ver os trabalhos de (BAUMAN, 2004; 2005) (LEFEBVRE, 1998; 2004) (KOURY, 2003ª) (SENNETT, 1998) e (HARVEY, 1993).
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5 É bom ressaltar que os fotógrafos lambe-lambe estão neste local e nesta profissão há mais de trinta anos, tentando, ainda, mesmo sem utilizar as antigas técnicas de fotografar e revelar, sobreviver pela uma forte tradição que os insere dentro um espaço-tempo que sobrevive pelo simples fato de preservação de uma identidade e memória coletiva e individual.
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6 Na Atenas de Péricles, por volta de 430 a.C. as praças eram os espaços mais freqüentados pelos cidadãos atenienses, nelas pessoas ricas ou pobres caminhavam livremente, entretanto, eventos cerimoniais e políticos não poderiam ser contemplados por escravos e estrangeiros (SENNETTE 2008). Sennett (2008) também nos mostra que, na antiga Atenas, somente poucos cidadãos tinha o privilégio de se expressar no interior das praças, onde apenas homens de letras mantinham o domínio do discurso político, todavia atividades de comércio e lazer faziam parte do cotidiano das ágoras naquele período.
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7 Segundo Menezes, o ato de deslocar pode ser simbólico, ou seja, signos e significados representados e construídos pelos diversos atores, como também representa uma mudança ou invenção de um lugar.
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sexta-feira, 12 de junho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento, n. 01 - Junho de 2009

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A partir de hoje o Blog inicia uma nova Série intitulada Pesquisas em Desenvolvimento, com a publicação de Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento pelo corpo de pesquisadores do GREM, neste ano de 2009.
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Nesta nova Série, serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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Esta Série Pesquisas em Desenvolvimento tem início com a publicação do Resumo Expandido da pesquisa da pesquisadora Anne Gabriele Lima Sousa. A pesquisa em desenvolvimento de Anne Gabriele tem como objetivo a obtenção do título de Doutor em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco.
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Vamos, então, para o primeiro número da Série Pesquisas em Desenvolvimento.
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A linha de pesquisa do GREM que a pesquisa em desenvolvimento de Anne Gabriele está alocada é a Estudos em Sofrimento Social e Sociabilidade.
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Título da Pesquisa: Valores, emoções e construção de identidades de moradores das ruas de João Pessoa, Paraíba, Brasil
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Pesquisador: Anne Gabriele Lima Sousa
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Resumo: Esta pesquisa busca compreender os processos simbólicos que permeiam a construção dos vínculos sociais e a elaboração das referências emocionais que dão sentido a uma subcultura da vida de rua, a partir das respostas adaptativas e das estratégias de sobrevivência que permeiam as redes de sociabilidade dos indivíduos adultos em situação de rua, inerentes ao cenário urbano da cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba.
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Busca-se, sobretudo, apreender as relações intersubjetivas dos indivíduos em situação de rua em sua vida cotidiana nos espaços físicos (com valor funcional) e simbólicos (com valor afetivo), a partir do modo como constroem suas memórias afetivas e, a partir delas, se localizam, se posicionam, percebem o mundo social e interagem com ele.
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A pesquisa está em desenvolvimento e objetiva a composição da minha tese de doutorado em sociologia, com defesa prevista para fevereiro de 2011.
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A apreensão dos processos simbólicos que permeiam as formações societárias entre os indivíduos em situação de rua de João Pessoa busca suporte analítico nas reflexões despertadas pela Sociologia das Emoções (KOURY, 2001, 2003 e 2005), pela Sociologia do Reconhecimento (SOUZA, 2003 e 2006; TAYLOR, 1995 e 1997a), pela Sociologia da Vida Cotidiana (GOFFMAN, 1988 e 1989; MARTINS, 2000 e 2003) e pela Sociologia da Cultura (BOURDIEU, 1992, 2001 e 2007), promovendo o debate teórico-metodológico entre áreas de concentração distintas, mas que interligam-se na análise do comportamento social contemporâneo.
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A compreensão da dinâmica encenada pelos atores da pesquisa vem sendo realizada através de um esforço etnográfico, de descrição e interpretação das práticas e das rotinas que permeiam as relações inerentes ao campo, permitindo um conhecimento mais detalhado sobre ele.
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O contato inicial com os atores da pesquisa se deu por intermédio das ONG’s e dos demais órgãos que desenvolvem algum tipo de atividade com esta população. O acompanhamento das atividades das organizações, com o intuito de observar e me fazer ser percebida e reconhecida, visou, principalmente, minimizar o estranhamento da população em relação à figura de pesquisadora estrangeira ao grupo, para a construção de uma relação de confiança recíproca, favorecendo a natureza do processo interativo, necessário para o desenvolvimento das demais etapas da pesquisa.
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Identificados os informantes-chaves para o aprofundamento das questões relevantes para a pesquisa, o momento seguinte foi o de dissociar a minha posição de pesquisadora com a imagem institucional do órgão que intermediou a primeira aproximação com os atores. Esse esforço foi necessário, para que pudesse, uma vez já estabelecido o contato, construir relações mais estreitas com os informantes, para que me fosse permitido acesso ao conjunto de experiências e de significados que dão sentido às trocas interacionais, ambíguas e contraditórias, provindas do multipertencimento nas distintas situações de inserção, nas redes de sociabilidade em que eles fazem partem.
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A partir desses informantes-chaves, a seleção dos demais informantes têm sido do tipo bola de neve, onde o diálogo com determinado informante revela personagens significativos para a compreensão do fenômeno social investigado. Tem-se, no entanto, buscado abarcar indivíduos com características diferenciadas, de modo a oferecer um amplo conjunto de interpretações sobre o mundo social do qual fazem parte, bem como a identificar os diferentes tipos que compõem esta população, no que tange aos seus padrões de inserção e estilo de vida adotado na rua.
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As entrevistas orais têm sido realizadas em profundidade, através de encontros sucessivos com o mesmo informante, no intuito de captar os distintos elementos inerentes às suas trajetórias sociais, culturais e emocionais, bem como perceber ênfases e contradições nas suas narrativas.
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Apreender as emoções expressas nas narrativas implica compreender a relação que os indivíduos estabelecem com o mundo social que eles tecem e que adquire sentido para eles, na elaboração das memórias afetivas de suas experiências urbanas.
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Servindo-se da memória como ferramenta de elaboração das lembranças e de localização e inscrição do sujeito em um contexto sociocultural específico, a pesquisa tem buscado levantar como se dá a construção de suas identidades sociais e de suas redes de sociabilidade, bem como analisar como se configura os processos de enraizamento e pertença entre os diferentes grupos de indivíduos que compõem a população em situação de rua.
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Os indivíduos urbanos em situação de rua, população situada no nível mais baixo da estrutura de classes, estão localizados em uma posição de estigmatização (GOFFMAN, 1988) e extrema exclusão, por adquirirem visibilidade a partir da não participação legítima, arbitrária ou inevitável, das convenções sociais reclamadas para a aceitabilidade e reconhecimento no cenário social urbano contemporâneo, tais como casa (em uma concepção que a compreende enquanto espaço privado e endereço fixo), trabalho (ocupação formal e fixa) e família (dentro do modelo tradicional de estrutura familiar), entre outros. Além disso, a materialidade através da qual o corpo dos indivíduos em situação de rua é percebido, ao contrariar os padrões socialmente instituídos de etiqueta corporal, justificam a impossibilidade de integração desses indivíduos ao cenário urbano de forma assentida.
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A dissociação desses modelos classifica esses indivíduos como não-adequados à vida pública urbana, por situarem-lhes como o contrário, ou o negativo, dos tipos aceitáveis de indivíduos.
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Segundo Martins (2000), estranhos e prejudiciais ao espaço, sobretudo à sua imagem, os trajetos desses indivíduos causam desconforto e embaraço aos demais habitantes urbanos, onde o seu afastamento assume os traços de medo de contágio.
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Isto se dá porque, no imaginário social predominante na atualidade, a pobreza econômica é vista como solo da desagregação moral e, neste sentido, a condição de pobreza extrema é sempre passível de se converter em marginalização (Telles, 1990). O indivíduo em situação de rua, nesta direção, é reduzido à condição de coisa descartável (MARTINS, 2003), percebido por grande parte da sociedade a partir de classificações pejorativas, como marginais, vagabundos, bêbados, loucos, ladrões, entre outras representações, que refletem a ótica hierarquizada e o princípio de repugnância a partir do qual são qualificados (SERRANO, 2004).
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Além da postura de desprezo, outra postura assumida pelas outras parcelas da população urbana, é responsável pela reafirmação da inferioridade dos indivíduos em situação de rua. Trata-se, das expressões de compaixão, que demarcam o lugar do outro, subalterno, digno de piedade e caridade, distanciando-o da posição de igualdade (COELHO, 2003).
Para Snow e Anderson (1998), se, de um lado, esses indivíduos são objeto de medo e desprezo, pois se considera que eles ameaçam o bom funcionamento social, por outro lado, são dignos de compaixão, pois se acredita que eles consistam em vítimas das forças sociais e do azar. Há, em ambos os casos, o reconhecimento da sua subalternidade frente aos demais.
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A pesquisa tem buscado dar voz aos protagonistas dessas relações, dando realce às suas subjetividades e à construção de significados acerca de si mesmos e dos demais indivíduos, em meio aos processos interativos aos quais são submetidos em sua vida cotidiana nos espaços públicos citadinos, bem como às emoções despertadas por tais vivências, analisando os elementos e práticas sociais que mediam a instituição de uma subcultura da vida de rua.
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As trajetórias sociais heterogêneas reveladas na coleta de dados têm descortinado diferentes mecanismos de inserção, estratégias de sobrevivência e formas de sociabilidade, fundando estilos de vida distintos entre os indivíduos em situação de rua, atores desta pesquisa.
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Apesar da incompletude do trabalho de campo não permitir considerações definitivas sobre os resultados pesquisa, algumas características podem ser elucidadas, a fim de esboçar algumas questões que cerceiam o cotidiano da vida de rua na cidade de João Pessoa.
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A intensa mobilidade sócio-espacial faz com que o nomadismo figure como uma das características mais comuns da vida de rua. Diante da supervalorização do trabalho formal como única possibilidade de inserção e reconhecimento do indivíduo pobre em certas estruturas sociais contemporâneas, a migração por entre cidades, estados e países apresenta-se como uma densa prática exercida por indivíduos situados em classes menos favorecidas economicamente, oriundos, principalmente, de áreas geográficas precárias, que se dirigem aos centros urbanos na procura por alternativas de sobrevivência material.
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Para Martins (2000), os processos migratórios vivenciados por indivíduos que já preliminarmente suprimiram seus valores sociais de referência em prol da busca por oportunidades de trabalho, são intensificados pelo não-reconhecimento de um espaço como um lugar de familiaridade, de formação de vínculos, levando o indivíduo a deslocar-se incessantemente por diferentes regiões físicas e morais. Esse desenraizamento revela a ausência de integração do indivíduo com as redes de sociabilidade do meio em que habita, levando-o a migrar em busca de um espaço de participação e de reconhecimento, que lhe ofereça a sensação de pertencimento.
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O contexto de instabilidade socioespacial encenado por grande parte da população de indivíduos em situação de rua nos centros urbanos produz um jogo de reflexos, onde os movimentos migratórios na busca pela sobrevivência material dificultam o estabelecimento de vínculos fortes e de relações duradouras, ao mesmo tempo em que a impermanência dos vínculos e o enfraquecimento das redes próximas de proteção amplia a sua propensão aos deslocamentos territoriais.
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Apesar da maior parte da população em situação de rua de João Pessoa ser proveniente do próprio estado, e de muitos, inclusive, possuírem parentes na própria cidade, quase a totalidade dos informantes abordados pela pesquisa até o momento, já migraram para outros estados em busca de trabalho ou da construção de vínculos que lhes oferecessem conforto emocional, em meio às conjunturas protagonizadas pelos mesmos ao longo de suas vidas.
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A pertença, segundo Koury (2001) é o fundamento da percepção dos sujeitos da sua auto-imagem e do seu lugar no mundo. Entre os entrevistados, principalmente entre os idosos, o retorno à cidade de origem representa a busca por reencontrar suas raízes, diante do sentimento de pertença com o local. Mesmo diante das rupturas originais que levaram aos deslocamentos, a impossibilidade da construção de vínculos suficientemente sólidos com os locais por onde migraram, favorecem o retorno às origens como modo de buscar um lugar de familiaridade, a partir do qual podem reconhecer a si mesmos.
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No que tange às causas que levam ao desabrigo, estes não têm origem exclusivamente estruturais, nem tampouco individuais, mas residem na interação entre esses dois elementos, assumindo uma forma espiral, onde um fator deflagra o outro, simultaneamente.
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No caso desta pesquisa, a erosão de uma rede de apoio familiar solidária tem se apresentado como o principal fator de ingresso dos indivíduos nas ruas. Na sociedade contemporânea, onde a família é percebida como suporte material e afetivo dos indivíduos, amortecedor institucional entre as estruturas sociais do mundo mais amplo e suas estruturas psíquicas, e principal instituição formadora de seus valores, atitudes e padrões de conduta (GOLDANI, 2002), a deficiência das bases relacionadas a essa estrutura pode levar a uma desorganização das estruturas emocionais dos indivíduos. Quando os indivíduos não conseguem suportar as adversidades, ou não encontram no plano familiar amparo para as suas dificuldades, o ingresso na rua muitas vezes se revela como fuga, ou mesmo como única alternativa à crise instaurada.
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Associado à falta de uma base familiar sólida, o álcool figura, não apenas como um dos principais personagens da composição de uma subcultura da vida de rua, mas como um dos principais fatores de fragmentação familiar e causa de ingresso nas ruas. As experiências narradas pela maior parte dos informantes têm revelado o alcoolismo, mais como princípio motor determinante da situação de rua, do que apenas uma via de fuga alternativa das adversidades em que são sujeitados em seus contatos intramundanos.
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A memória social constituída pelas experiências dos indivíduos em situação de rua, em meio às constantes reorganizações socioespaciais que a vida nas ruas os submetem, tem se revelado pelas narrativas como permeada de um contínuo processo de ressignificações, onde passado, presente e futuro adquirem sinais de descontinuidade. Os relatos revelam uma instabilidade na forma como o passado é reconstruído, ora a partir de embelezamentos favoráveis, ora ressaltando intensas dores e desilusões.
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É comum, entre os indivíduos recém-imersos na rua, a negação em relação à sua condição de desabrigo, como uma tentativa de fuga das relações de hostilidade em que se vêem sujeitos e, sobretudo, como modo de reafirmar o seu valor como ser humano, lesado pelos lembretes de sua extrema inferioridade, reproduzidos nas circunstâncias corriqueiras.
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No entanto, à medida que o tempo na rua vai cristalizando a vivência em seu interior, os indivíduos passam a se familiarizar com as circunstâncias que a permeia, passando a atribuir sentidos a si mesmos e reivindicando suas identidades sociais no interior da conjuntura em que se encontram (Snow e Anderson, 1998).
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O reconhecimento de si mesmo como pertencente ao espaço da rua carrega consigo toda a carga internalizada que concebe a rua como espaço de desorganização, destituída de qualquer moralidade, evidenciando com isso um acordo de subalternidade do indivíduo em relação ao seu valor próprio e ao significado da sua existência na rua (TAYLOR, 1997a).
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Nesta direção, as narrativas dos atores da pesquisa acerca das circunstâncias cotidianas experienciadas por eles têm revelado um consenso incutido socioculturalmente no modo como olham para si e se colocam no mundo, através de um auto-reconhecimento do seu estado de inferioridade frente aos demais, a partir da interiorização dos mesmos critérios utilizados pela autoridade externa para classificá-los como inferiores. Assim, os indivíduos em situação de rua se comportam e percebem as situações a partir da concordância de que valem menos que os demais indivíduos, têm menos direitos e são menos dignos de respeito (SOUZA, 2003 e 2006).
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Há, desta forma, uma naturalização da desigualdade, compondo regras de convivência em seu interior, onde a diferença e a necessidade passam a ser encaradas como habituais, condição dada pela natureza e assumida como um fado do qual não se pode fugir (BOURDIEU, 2001 e 2007).
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As questões explanadas nas linhas precedentes, entre outras relações identificadas no campo até o momento, não devem ser tomadas como definitivas, pois, uma vez que a pesquisa empírica está em andamento, outros elementos podem ser identificados, alterando também as percepções sobre o objeto estudado e os rumos da análise.
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Além disso, a diversidade de contextos revelados nas histórias de vida e nas experiências cotidianas dos entrevistados faz com que a posição dos indivíduos frente aos elementos identificados assuma contornos distintos, diferenciando-os e configurando tipos específicos de moradores de rua.
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Neste sentido, as posições dos indivíduos quanto aos fatores que os levaram para as ruas, o tempo de moradia nas ruas, suas aspirações de sair ou permanecer, suas disposições a enraizamentos ou desenraizamentos territoriais, bem como suas posturas em relação ao álcool ou outras drogas, suas escolhas em relação ao modo de dormir e de adquirir dinheiro e bens materiais, e o modo de perceberem a si mesmos, o mundo social e a se localizarem e interagirem com ele, funda semelhanças e gera distinções entre pautas comportamentais, descortinando tipos identitários distintos, arrolados a estilos peculiares de vida. Traça-se, desta forma, os contornos de uma ordem ilegítima de vida, instituída no interior de um contexto socioespacial no qual seus personagens são rejeitados, mas do qual se vêem pertencentes.
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terça-feira, 9 de junho de 2009

4a. Comunicação sobre a enquete "Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil" - A cidade de São Paulo (SP) - 2009




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O que os moradores da cidade de São Paulo (SP) apontam como sujo ou sujeira – 2009
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Mauro Guilherme Pinheiro Koury
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Este Blog divulga, agora, a 4ª Comunicação sobre a enquete Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil. Este quarta comunicação informa sobre os primeiros dados da tabulação para a cidade de São Paulo, capital do estado de São Paulo, sobre a enquete Sujeira. Esta enquete faz parte de uma pesquisa maior, em andamento no GREM, sob a coordenação do autor, sobre Medos Corriqueiros e Sociabilidade no Brasil Urbano.
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Divulga-se, aqui, apenas, o cruzamento da variável sexo com a questão sobre o que é sujo ou sujeira para os paulistanos, como tem sido feito para as outras três comunicações anteriores e já publicadas neste Blog nos dias 22 e 26 de maio e 05 de junho de 2009 (Koury, 2009, 2009ª e 2009b). E como será para as duas outras cidades restantes, respectivamente, Brasília e Curitiba.
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Como já foi dito nas comunicações anteriores, os informes divulgados neste Blog sobre a enquete Sujeira não trás nem aprofunda teórico e metodologicamente as questões enunciadas pelos dois gráficos trabalhados. A intenção do autor, neste Blog é apenas indicar a riqueza de dados trazidos à tona nesta enquete para a análise social sobre a cultura política e comportamental do brasileiro urbano, neste início do século XXI.
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Esta 4ª Comunicação segue o mesmo esquema das outras três: apresentam-se os dados de dois gráficos. O primeiro gráfico apresenta o resultado do total das respostas dos entrevistados paulistas sobre a questão o que é sujo ou sujeira para você. O segundo gráfico apresenta a mesma questão, comparando o resultado das respostas a ela pelo sexo dos entrevistados.
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Este mesmo esquema será seguido nas outras duas comunicações restantes.
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O que os paulistas consideram sujo ou sujeira
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Foram aplicados 90 questionários para a enquete Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil na cidade de São Paulo, entre os meses de março e abril de 2009. A aplicação destes questionários tomou a forma de abordagem direta dos cidadãos, em shoppings da cidade, em estações do metrô, na Avenida Paulista, na Praça da República e arredores, nos arredores do centro de comércio popular da Rua 25 de Março, e na Rua Oscar Freire e adjacências, no bairro dos Jardins.
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Entrevistou-se 46 mulheres (51,1%) e 44 homens (48,9%), de desempregados e donas de casa, de ambulantes a profissionais liberais de várias formações, empresários, policiais civis e militares, sacerdotes de várias religiões entre outros. A idade variou de 17 a mais de setenta anos, e a renda familiar também teve uma variedade grande, de menos de um salário mínimo até mais de 5º salários mínimos. A escolaridade, também, variou do primeiro grau incompleto até pós-graduados (doutores, mestres e especialistas). Não foi entrevistado nenhum analfabeto.
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Em relação à opção religiosa, entrevistou-se uma maioria católica, seguida de evangélicos das mais variadas religiões.
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Como já foi informado, nesta comunicação se relacionará apenas a categoria sexo do entrevistado com as categorias para a questão o que é sujo ou sujeira para você. As demais variáveis serão divulgadas posteriormente, no relatório final da pesquisa e na série de artigos acadêmicos que deverão iniciar sua publicação em revistas nacionais e internacionais de sociologia e antropologia, a partir de dezembro de 2009.
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Como já foi dito, o Gráfico 1, acima, resume a totalidade dos informantes para a questão o que é sujo ou sujeira para você, que responderam a enquete na cidade de São Paulo. Neste gráfico se percebe, logo de início, uma modificação da tendência seguida pelas três outras cidades já informadas nesta série de Comunicações deste Blog: as cidades de João Pessoa (PB), Recife (PE) e Belém (PA), em relação às categorias de respostas dos paulistas.
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Em São Paulo, a Violência Urbana é apontada por 39% dos entrevistados, enquanto categoria indicada como sujo ou sujeira. O que a torna, de longe, a mais importante categoria das demais apresentadas como respostas dos paulistas ao que é sujo.
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O medo do crime organizado, da criminalidade, do tráfico de drogas, da violência no e do trânsito, da insegurança na e da cidade, dos sequestros relâmpagos, da onda de sequestros e mortes de cidadãos, da violência contra a mulher, são alguns elementos apontados como indicadores da sujeira e do que é sujo na cidade de São Paulo, pelos entrevistados. “Eu tenho medo de sair de casa”, disse uma senhora, “e isso é uma vergonha, é uma imundície, que cada dia suja mais essa cidade”.
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Outro entrevistado fala diretamente da troca de tiros quase que diária entre bandidos e policiais, ferindo cidadãos “de bem”, e aumentando o medo de se viver em São Paulo. E complementa: “essa bandidagem, essa coisa da droga, é a coisa mais suja que eu posso informar pro senhor, aqui em São Paulo. É o pior, é uma coisa que atinge todo mundo, pelo medo e pelo desespero que causa a nós homens de bem”.
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Outro entrevistado fala diretamente dos assaltos e roubos que assola a capital do estado de São Paulo. “Pergunte a alguém, a qualquer um, se já foi vítima direta de assaltantes aqui. Garanto que, se houver um que diga que ainda não foi assaltado ou ameaçado, este felizardo terá um parente próximo prá dizer que foi. Aqui não escapa ninguém...”.
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Embora separada analiticamente, da explicitação direta da Violência Urbana como algo sujo, a categoria Mendicância, Gente Pobre, Gente Suja, com 10% das respostas dos paulistas, trás em si, além do preconceito direto contra a pobreza, uma aproximação com a categoria da Violência Urbana. A pobreza vista como algo sujo, nas mais variadas acepções: desde a falta de educação doméstica, a falta de higiene, a feiúra, entre outros atributos pouco apreciáveis, é tomada, indiretamente, nas respostas dos que a indicaram, como passíveis de provocarem a violência, ou como agentes diretos dela.
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A sujeira, a falta de higiene, a feiúra dessa gente, além de “emporcarem a cidade”, como se referiu um entrevistado, “vivem de fazer ameaças e medo aos cidadãos, principalmente, os velhos e as mulheres”, pedindo esmolas e ameaçando a quem não o dar, quando não, com pedaços de ferros, de vidro, ou outro instrumento qualquer, partindo para a agressão física. Eu mesmo já levei um canivete nas costas, para me enfraquecer e levarem a minha pasta... e, olha, que eu sou, ainda, relativamente moço”.,
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“Um bando de inútil” se referiu outro, “merecia ir tudo para uma câmara de gás. Eu, se eu fosse político, fazia uma lei para dizimar tudo que é pobre na cidade. Queria ver se essa cidade não ia melhorar...”.
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Nesta mesma direção, o preconceito contra a pobreza, e a aproximação do pobre urbano como causador da violência, e esse raciocínio levando os dois elementos a consideraram a pobreza como algo sujo, trás ainda, falado diretamente pela metade dos respondentes à questão, outro preconceito embutido: o pobre é apontado como o nordestino, como o nortista, como o ‘baiano’.
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A limpeza da cidade, para esses informantes, neste caso, se traduziria, diretamente, em uma política de expulsão “dessa gente” da cidade, “mandando eles de volta para seus estados”. Como falou uma entrevistada, “essa gente não tem oportunidade lá de onde vieram, vem prá cá, e aqui ficam perambulando e sujando a cidade. Não encontram emprego, pois não tem instrução qualquer, e, aí, vão virar esmoleis ou drogados ou bandidos. Quando não as três coisas ao mesmo tempo... e o pior, quem acaba sofrendo somos nós, todos intimidados por essa gente...”.
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A categoria Homossexualidade, apontada por 5,6% dos entrevistados, como algo sujo, embora indique o preconceito direto pela escolha sexual que não segue o padrão hetero, em algumas das respostas dadas por quem as indicou, aproxima, também, o homossexual, principalmente o masculino, à categoria da Violência Urbana. A prostituição masculina nos bairros centrais da cidade, em fileiras de rapazes vendendo o seu corpo é apontada, também, como elementos de intimidação, não apenas a moral e aos bons costumes dos paulistanos, mas a sua integridade física. Muitos relatam que já foram ou conhecem alguém que foi assaltado ou ameaçado por bandos de “rapazes alegres” quando voltavam para casa, ou transitavam pelas ruas à noite.
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A categoria Desrespeito ao Cidadão remete, igualmente, na cidade de São Paulo, à categoria da Violência Urbana. Esta categoria responde com 10% das respostas e fala do cotidiano, da infra-estrutura e da qualidade de vida dos cidadãos na cidade. O transporte público é um dos alvos principais de indicação de algo sujo, na cidade, seguido de um trânsito caótico, e dos alagamentos e enchentes “por qualquer chuvinha que ocorra”, fora as questões ligadas ao lixo urbano e saneamento da cidade, principalmente, nos bairros mais pobres. Mas, é indicada, também, a falta de iluminação pública e de um “péssimo policiamento”, além da conivência da polícia com os “marginais”, tornando a vida do habitante da cidade de São Paulo mais insegura.
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A categoria Gente Fraca não foi diretamente indicada pelos entrevistados, isto é, obteve 0% das respostas. Gente Fraca, como categoria, vem sendo indicada nas cidades já informadas neste Blog (João Pessoa, Recife e Belém), como uma categoria ligada à fraqueza de caráter, que leva ao vício, que das drogas, quer do álcool, que de outra espécie. Entre os respondentes da cidade de São Paulo, contudo, ela está diretamente associada à categoria pobreza (mendicância, gente suja, gente pobre), como um dos elementos que a compõe, ou diretamente à violência urbana. Neste último caso, a rede de drogas engloba tanto traficantes como usuários, ambos vistos como ameaças e indicadas sob a ótica da violência como sujeira.
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Outra categoria na cidade de São Paulo, que tem um viés um pouco diferente das demais capitais analisadas, é a categoria Falta de Confiança, com 4,4% das respostas. Enquanto nas outras cidades o receio da traição, o ser corno, a deslealdade, foram indicadas como elementos da categoria Falta de Confiança, como algo sujo; entre os paulistas, o receio da difamação, de vir a ser difamado, ou o ato de difamar, e no mesmo ritmo, a ‘fofoca’, foram às indicações mais correntes entre os entrevistados para a categoria Falta de Confiança como algo sujo.
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Não é o sentir-se traído, mas a difamação, que compreende a categoria Falta de Confiança para os paulistas. O ato de difamar é visto como uma sujeira, como algo sujo, que corrói tanto aquele que difama, quanto aquele que é difamado, fragmentando as relações de cordialidade necessárias ao agir social.
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Estranhamente, pelo menos para o pesquisador, entre os paulistas entrevistados, nenhum indicou diretamente a categoria Falta de Consciência Ecológica, que obteve, assim, 0% das respostas. Como se viu nas três comunicações anteriores para esta enquete, neste Blog, a categoria Falta de Consciência Ecológica como algo sujo, trazia em si um discurso mais elaborado sobre a questão da sustentabilidade e da ecologia. Isto não ocorreu em São Paulo.
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Apesar de haver referência a poluição ambiental, esta referência não trazia em si um discurso por trás, mas ao incômodo causado pela emissão de gases, ou de outros materiais poluentes no ar e nos rios. Deste modo, estas referências a poluição se aproximam mais de outra categoria, a de Fluídos.
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A categoria Fluídos, com 4,4% das respostas dos entrevistados, fala diretamente, da diminuição de qualidade de vida pela emissão de poluentes no ar, como mais um problema se saúde pública dos moradores da cidade, junto com outros objetos de contaminação e passíveis de doença, como espirros, líquidos e gases corporais, e a falta de limpeza e saneamento urbanos.
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Esta categoria, assim, se aproxima de duas outras: a do Desrespeito ao Cidadão, já comentada acima, pela deficiência de infra-estrutura e saneamento básico na cidade, e a outra, ligada à categoria Falta de Higiene.
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Esta última fala do elemento privado: do cuidado da casa, da falta de limpeza doméstica, da falta de educação doméstica, entre outros requisitos da vida privada. Em São Paulo, esta categoria foi indicada por 8,9% dos entrevistados.
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A categoria Falta de Higiene se junta à categoria Fluídos, na cidade de São Paulo, através da indicação da falta de educação doméstica que levam muitos a contaminarem outros tantos habitantes da cidade. A falta de educação doméstica eleva o grau de insalubridade da cidade, piorando as condições de vida dos cidadãos: desde a emissão dos líquidos e gases corporais em público, a falta de higiene pessoal, eleva os perigos que a cidade proporciona, e é considerado imundície, e sujeira, pelos entrevistados.
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Junto à categoria Falta de Higiene encontra-se a categoria Imoralidade, com 3,3% de indicações como algo sujo pelos paulistanos. A Imoralidade é indicada pelos entrevistados como uma falta de higiene moral, o que ameaça os bons costumes e amplifica a fragmentação de laços sociais na cidade. O que suja e ajuda a confundir os jovens em processo de descobertas e ajustamento social, prejudicando a ordem na cidade e o equilíbrio familiar.
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Uma categoria que tem sido indicada com uma grande frequência de respostas nas três comunicações anteriores desta enquete, publicadas neste Blog, a Falta de Zelo com a Coisa Pública, entre os respondentes de São Paulo, ao contrário, obteve apenas a indicação de 11,1% dos entrevistados. Como nas demais cidades analisadas, a problemática da corrupção, da visão da política nacional como politicagem, do uso privado da coisa pública pelos políticos profissionais e gestores públicos no país, são os elementos que compõem para os paulistanos o grosso desta categoria. São acompanhados, também, como nas outras cidades já analisadas, com o desvirtuamento ou a falta de políticas sociais concretas: na educação, na saúde e da segurança pública.
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A questão da violência urbana em São Paulo, de certa maneira, apresenta-se como preeminente no imaginário dos paulistanos sobre sujeira, e o que incomoda mais o cidadão na cidade, ofuscando a questão da gestão e uso da coisa pública enquanto fraude e sujeira.
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Por outro lado, os respondentes de São Paulo apontaram outra categoria como sujeira. Uma categoria que até agora não se tinha apresentado nas cidades de João Pessoa, Recife e Belém: a raça enquanto algo sujo. O preconceito de cor, embora com apenas 3,3% das respostas, apareceu de forma contundente nas respostas de quem a indicou. O negro e o asiático foram apontados como sujos, seja por serem considerados como uma beleza fora dos padrões do belo ocidental, seja por serem considerados como ameaças potenciais aos demais cidadãos da cidade. Os negros, como os nordestinos, nas respostas que os indicaram, por causa da pobreza a que eram remetidos, eram vistos como possíveis desonestos ou ladrões, ou como pessoas sem caráter ou educação. Uma entrevistada indicou o negro através de uma anedota comum em todo o Brasil de que “quando não fazem algo sujo na entrada, fazem na saída”. Exasperando o preconceito racial.
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O asiático, por sua vez, principalmente o chinês e os coreanos, são apontados como “comerciantes desonestos” e que “ludibriam o sujeito assim que podem”.
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O preconceito racial, assim, inaugurou o elenco de categorias sobre o que é sujo ou sujeira para o habitante urbano das capitais brasileiras, através das respostas de três entrevistados da cidade de São Paulo: um do sexo feminino e dois do sexo masculino.
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Breve comparação entre os sexos para o que é sujo e sujeira entre os paulistas entrevistados
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O Gráfico 2, abaixo, mostra uma comparação entre os respondentes do sexo masculino e feminino à questão sobre o que é sujeira para os paulistas.
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Como se viu anteriormente, as categorias Fluídos e Falta de Consciência Ecológica não foram indicadas por nenhum paulistano de qualquer sexo.
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A categoria Homossexualidade, por sua vez, foi apontada por 11,4% dos entrevistados masculinos como uma coisa suja, e por 0% do sexo feminino. O que vem correspondendo a um padrão comum às demais cidades analisadas. Parece que o preconceito com a Homossexualidade é predominantemente, ou mais evidente, entre o sexo masculino que o feminino.
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A categoria Falta de Confiança, por seu turno, foi indicada por 6,8% dos homens, e por 2,2% das mulheres paulistas.
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A categoria Preconceito Racial foi apontada por 4,5% dos homens e 2,2% das mulheres. E a da Imoralidade, ao contrário, por 2,3% dos homens e 4,3% das mulheres, na cidade de São Paulo.
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A categoria Fluídos, por sua vez, foi indicada por 2,3% dos homens e por 6,5% das mulheres. E a Falta de Zelo com a Coisa Pública, teve um índice de respostas de 11,4% do sexo masculino, contra 10,9% do sexo masculino.
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A de Falta de Higiene foi lembrada por 6,8% dos homens, contra 10,9% das mulheres. A da pobreza: Mendicância, Gente pobre, Gente suja, por 9,1% dos paulistanos do sexo masculino, contra 10,9% do sexo feminino.
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A categoria Desrespeito ao Cidadão, por sua vez, foi assinalada por 9,1% dos homens e 10,9% das mulheres.
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Finalmente, a categoria Violência Urbana foi indicada por 36,3% dos homens entrevistados, contra 41,2% das mulheres. O que revelou ser a grande preocupação dos paulistas no momento da aplicação desta enquete, e uma visão desta violência como algo que incomoda o cidadão comum, que perde a harmonia com a cidade, aprisionado entre o medo de ser atingido por ela ou por suas consequências. E é sobre este aspecto da violência como causadora de medo, que é sentida como suja, e como algo que constrange o homem comum morador da cidade de São Paulo.
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Nota Final
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Esta 4ª Comunicação da enquete sobre Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil, para a cidade de São Paulo, como já mostrados nas três outras anteriores, demonstra a riqueza de informações trazidas pela categoria de análise Sujeira ou Sujo para a compreensão da cultura política brasileira contemporânea.
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Em breve, neste Blog, serão divulgados os resultados da enquete para as cidades de Curitiba, capital do Paraná, e Brasília, Distrito Federal.
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Bibliografia
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009). “O que pensam os moradores da cidade de João Pessoa, Paraíba, sobre o significado de sujeira”. 1ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 22 de maio de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/05/o-que-pensam-os-moradores-da-cidade-de.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009a). “O que é sujo ou sujeira para os habitantes da capital pernambucana”. 2ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 26 de maio de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/05/2acomunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009b). “O que é sujo ou sujeira para os habitantes da capital paraense”. 3ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 05 de junho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/06/3a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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domingo, 7 de junho de 2009

15 anos do GREM - Projeto MEMÓRIA VISUAL DO GREM

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Estagiários em Trabalho de Campo e Apresentando Painéis de Iniciação Científica



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Nesta série sobre a Memória Visual do GREM apresentamos, agora, algumas fotografias de estagiários do GREM no campo e durante a apresentação da painéis em encontros de Iniciação Científica.

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Convidamos a todos os estagiários e ex-estagiários, orientandos e ex-orientandos, pesquisadores e ex-pesquisadores que trabalharam junto ao GREM nestes 15 anos de atividade, que enviem fotos suas em trabalho de campo ou em apresentação em encontros e congressos, ou em eventos quaisquer que envolvesse o GREM, para ampliar este painel com a Memória Visual do GREM.

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As fotos devem conter o nome do estagiário e pesquisador, e um pequeno resumo indicativo da foto e a data em que foi tirada.

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Seguem agora algumas fotos com pesquisadores e estagiários do GREM durante trabalho de campo e durante a exposição de painéis em encontros de iniciação científica do PIBIC.

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Trabalho de Campo para a pesquisa Medos Corriqueiros (Sub-Projeto Parque Solón de Lucena, João Pessoa, PB), em 2003

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Na foto 1 se vê a pesquisadora do GREM Maria Sandra Rodrigues dos Santos, durante a supervisão do trabalho de campo para a pesquisa 'Medos Corriqueiros e Sociabilidade', em dezembro de 2003, com as ex-estagiárias do GREM Clara à esquerda e Karol à direita, durante um momento de relax das atividades de pesquisa na 'Lagoa', como é conhecido popularmente o Parque Solon de Lucena na cidade de João Pessoa.

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Foto 1


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Apresentações de ex-estagiários em Encontros de Iniciação Científica - PIBIC, em outubro de 2004.

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As fotos a seguir mostram alguns ex-extagiários do GREM na divulgação dos resultados parciais dos seus trabalhos, no Encontro de Iniciação Científica do PIBIC, em outubro de 2004.

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As fotos mostram alguns ex-extagiários com seus painéis ao fundo, ladeados do Prof. Mauro Koury e da Pesquisadora do GREM Maria Sandra.

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Foto 2

Na foto 2 se vê à esquerda o ex-estágiário e orientando do GREM, Alexandre Paz Almeida (hoje pesquisador do grupo de pesquisa), e à direita o ex-estagiário e orientando Francisco de Assis.



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No centro encontra-se o Professor Mauro Koury.



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Ao fundo os paineis por eles apresentados no Encontro PIBIC 2004.



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Alexandre e Francisco de Assis, na época, desenvolveram suas monografias de conclusão de curso de graduação em Ciências Sociais no interior da pesquisa 'Medos Corriqueiros e Sociabilidade', tendo o Prof. Mauro Koury, coordenador da pesquisa, como orientador. O primeiro trabalhando o bairro de Valentina de Figueiredo, João Pessoa, Paraíba, e o segundo, trabalhando o bairro de Mangabeira, João Pessoa, PB. Ambos foram bolsistas PIBIC/CNPq-UFPB do GREM.



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A Foto 3, abaixo, mostram outros três ex-estagiários do GREM ladeando o Professor Mauro Koury, e orientador de todos, e a pesquisadora do GREM Maria Sandra Rodrigues dos Santos.



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Foto 3



As duas ex-estagiárias do GREM: Karol abraçada com o Prof. Koury e Clara, junto da pesquisadora Maria Sandra, passaram apenas um ano, em estágio probatório, no GREM. Ambas ligaram-se ao projeto 'Medos Corriqueiros e Sociabilidade', e trabalharam junto com o também ex-estágiário Patrick César (na foto ao lado de Clara), no sub-projeto 'Lagoa', como é conhecido o Parque Solon de Lucena, na cidade de João Pessoa (PB).


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Patrick César, ex-bolsista PROBEX do GREM, concluiu sua monografia de graduação em Ciências Sociais, desenvolvendo um trabalho sobre a 'Lagoa', sob a orientação do Prof. Mauro Koury.


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A pesquisadora do GREM Maria Sandra supervisionou o trabalho de campo na área da 'Lagoa'.




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Ao fundo se vê alguns dos painéis apresentados pelo GRUPO no encontro PIBIC 2004, no Hall da Reitoria da Universidade Federal da Paraíba.
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Foto 4


A Foto 4 ao lado, por fim, mostra o grupo de estagiários reunidos, ao lado do Prof. Mauro Koury e da Estagiária Maria Sandra, durante o Encontro de Iniciação Científica do PIBIC, 2004, no hall da reitoria da UFPB.

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Abaixado encontra-se Francisco de Assis, em pé Patrick, Karol, Alexandre e Clara.


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Pesquisadores do GREM em momentos de Relax após lançamento do livro De que João Pessoa tem Medo? na cidade de João Pessoa, Paraíba, em 2008

Foto 5

Nesta foto se vêem pesquisadores do GREM após o lançamento do livro de Koury, MGP De que João Pessoa tem Medo? (JP, Editora Universitária, 2008).
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À direita do Professor Mauro, que se encontra no centro da foto, o pesquisador Luis Gustavo Pereira de Souza Correia, junto com a pesquisadora Alessa Cristina P. de Souza. Do lado esquerdo, a pesquisadora Maria Sandra Rodrigues dos Santos, junto com a pesquisadora Anne Gabriele Lima Sousa.
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Os atuais pesquisadores do GREM representados na foto foram orientandos do Professor Mauro Koury.
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Maria Sandra na pesquisa 'Luto e Sociedade', onde defendeu monografia de graduação do curso de Ciências Sociais e sua dissertação de mestrado junto ao Programa de PósGraduação em Sociologia (PPGS) da UFPB.
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Luis Gustavo foi estágiário do GREM, onde defendeu sua dissertação de Mestrado no PPGS/UFPB
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Alessa e Anne Gabriele foram bolsistas PIBIC/CNPq no GREM, junto ao projeto 'Medos Corriqueiros e Sociabilidade', onde defenderam suas monografias de conclusão de curso de Ciências Sociais/UFPB.
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Este albúm de memória precisa ser ampliado. Ele está a espera do envio de novas fotos que falem da MEMÓRIA VISUAL DO GREM nestes 15 anos de atividade.