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terça-feira, 7 de julho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM, n. 06 (07 de Julho de 2009)

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Publica-se, hoje, neste Blog, o quinto número da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM. Esta Série tem por objetivo a publicação e a divulgação dos Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento ou Recém Finalizadas pelo corpo de pesquisadores do GREM.
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Nesta Série serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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Já foram publicados neste Blog os números: 01, em 12 de junho de 2009, o 02, em 15 de junho de 2009, o 03, em 18 de junho de 2009, o 04, em 22 de junho de 2009, e o 05, em 25 de junho de 2009, da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM.
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O número 06 da Série Pesquisas em Desenvolvimento publica o Resumo Expandido da pesquisa em andamento no GREM, coordenada pela pesquisadora Alessa Cristina Pereira de Souza. Esta pesquisa tem como objetivo a obtenção do grau de doutor no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, Brasil.
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Vamos, então, para o número 06 da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM.
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Título da Pesquisa: Construindo relações por entre os muros de um Centro Educacional
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Pesquisador: Alessa Cristina Pereira de Souza
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Resumo: O interesse deste trabalho recai, principalmente, na compreensão da construção de vínculos sociais e emocionais entre os adolescentes infratores, considerados como uma categoria de atores estigmatizada e excluída socialmente, trazendo para discussão as tensões geradas pelas condições sociais em que se encontram e as formas como percebem a si mesmos e aos demais, que compartilham o mesmo espaço físico, em um cenário que é representado aparentemente como igual, mas que essencialmente parece se compor como fragmentado, hierarquizado e complexo.
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Tenho em mente que a questão da infância e da adolescência abandonada já ocupava espaço de discussão entre o Estado, a igreja e as instituições filantrópicas desde o século XVII, na Europa; no final do século XIX e início do século XX essa temática começa a ter visibilidade, também, no Brasil. Não menos evidente é o interesse científico, lançado sob vários e diversos olhares, no século XXI, acerca dos adolescentes abandonados e/ou infratores, bem como, da delinqüência juvenil institucionalizada.
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A Sociologia também vem se preocupando com essa temática ao longo do tempo. Nesse sentido, são vários os termos, conceitos e classificações sociológicos criados para definir os espaços destinados a esses adolescentes, quando condenados a cumprir medidas sócio-educativas (1).
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Goffman (1999) denomina esses espaços como “instituições totais” e caracteriza-os pelo “fechamento” ou “clausura”, pela barreira estabelecida com o mundo social externo, através de elementos físicos, como: portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, pântanos ou florestas.
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Já Foucault (1999) compreende as prisões como “instituições austeras”, espaços dotados de mecanismos específicos – micropoder, que visam tornar os indivíduos “dóceis”, adequados ou “adestrados” à convivência social.
Outros sociólogos, que analisam esses espaços em dias mais recentes, tais como Wacquant (1997), Bauman (2005), Takeuti (2002) os vêem como depósitos ou armazéns de “refugo humano”, “lixo humano”, “vidas desperdiçadas”, provenientes do contexto sócio-econômico em que vivemos.
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Nesse contexto, os jovens vêem contribuindo intensamente para a produção, reprodução, aparecimento e desaparecimento de símbolos e significações. Entre esses sinais alguns repercutem de forma mais direta no imaginário social, quais sejam: os da violência acirrada, os da transgressão “sem limites” e da toxicomania generalizada, corroborando, assim, para a criação de um perfil de “infância perigosa” e, conseqüentemente, de uma “adolescência fadada ao fracasso”, destinada à criminalidade.
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Em meio a esse amplo cenário de discussões sobre o tema, minha proposta tem sido a de tentar capturar o objeto a partir de um ângulo imprevisto, inusitado (BOURDIEU, 1997). Nesse sentido, busco compreender os adolescentes infratores e internos a partir das relações e interações (sócio-emocionais) construídas por eles, no tempo/espaço/situação em que se encontram, bem como, perceber quais as influências que estas trazem para a construção de suas identidades.
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Nesse sentido, a realização desta pesquisa visa contribuir para o debate contemporâneo sobre o comportamento social, a partir de uma discussão acerca dos valores e das emoções que cerceiam a rede de trocas e sociabilidade de grupos urbanos considerados desviantes, por não se enquadrarem nos padrões morais considerados normais para a sua aceitabilidade no cenário social.
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Segundo Takeuti (2002), na atualidade, os diversos pontos de vista sociais relativos aos comportamentos juvenis ressaltam determinados fatos, tais como: aumento alarmante das estatísticas de crimes e delitos graves envolvendo jovens de faixas etárias cada vez mais baixas; o interesse preponderante da população juvenil por sexo, drogas, transgressão e violência gratuita; a recusa ao trabalho e à formação educacional; o aumento de gangues juvenis em práticas de vandalismo; a indiferença pelo outro e pela sociedade como um todo, etc.
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Recentemente, temos observado na mídia brasileira, de um modo geral, o acirramento da discussão sobre a juventude, a violência e a redução da maior idade penal, suas possíveis causas e conseqüências, devido aos crimes considerados bárbaros que vêm sendo cometidos por menores (ALVIN & PAIM, 2004). Proliferam pesquisas, debates e estudos sobre o tema, tentando compreender as razões pelas quais esse fenômeno tem se agravado.
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No entanto, em um momento de tensão como a que o Brasil vem enfrentando, devido ao acirramento da violência e da delinqüência juvenil, assim como de toda a discussão que envolve a redução da maior idade penal, faz-se necessário estudos que se voltem não apenas para as características objetivas acerca do jovem delinqüente, mas também, pesquisas que enfoquem as subjetividades desses jovens, principalmente dentro das instituições onde cumprem penas, tendo em vista que estas têm como objetivo a “ressocialização” e “reintegração” dos menores infratores à sociedade.
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Assim, a importância de se fazer este tipo de análise reside na contribuição que se pretende oferecer ao pensamento social nacional acerca da realidade dos grupos em situação de risco e exclusão na atualidade. A especificidade deste trabalho se revela por dar voz aos próprios atores deste cenário, dando realce às suas subjetividades, buscando levantar como se dá à construção de suas identidades sociais, bem como analisar como se configura a pertença no interior de uma categoria de indivíduos representados socialmente como seres desprovidos de valores e referências (KOURY, 2005).
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A investigação debruça-se sobre o cotidiano dos adolescentes infratores internos no CEA – Centro Educacional de Adolescentes, situado na cidade de João Pessoa, uma capital nordestina de pouca visibilidade, menor desenvolvimento e de padrões diferenciados das demais realidades nas quais a maioria das pesquisas sobre a violência e a delinqüência juvenil se debruça, posto que seja vista como uma cidade calma, pacata e provinciana.
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Estas características, porém, não fazem da cidade de João Pessoa um ambiente social alheio às influências universais contemporâneas mais amplas, o que leva, paulatinamente, ao crescimento da violência, da delinqüência juvenil, da reformulação de valores, de novas formas de reconhecimento identitário, dentre tantos outros processos sociais presentes nas relações cotidianas estabelecidas no universo social a ser estudado.
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É neste sentido que a pesquisa proposta visa colaborar. Propõe-se analisar como os adolescentes infratores internos no CEA constroem e percebem o cenário social no qual estão inseridos, quais as emoções despertadas por suas narrativas acerca de si mesmos e dos demais internos, quais os elementos (materiais e/ou simbólicos) valorizados para a constituição de seus círculos de familiaridade e de estranhamento, sua construção de semelhanças e dessemelhanças, assim como também para a construção dos conflitos.
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NOTAS
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1 - O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê dois grupos distintos de medidas sócio-educativas. O grupo das medidas sócio-educativas em meio aberto, não privativas de liberdade (Advertência, Reparação de Danos, Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida) e o grupo das medidas sócio-educativas privativas de liberdade (Semiliberdade e Internação). As medidas privativas de liberdade são norteadas pelos princípios de brevidade e excepcionalidade consagrados no art. 121 do ECA. São aplicadas especialmente para os casos de ato infracional praticado com violência à pessoa ou grave reiteração de atos infracionais graves.
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BIBLIOGRAFIA
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ALVIN, R. & PAIM (2004). “A criança e o adolescente do banco dos réus”. In Alvin et alli (Re) construções da juventude: cultura e representações contemporâneas. João Pessoa, Editora Universitária – PPGS/UFPB.
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GOFFMAN, Erving (1989). A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis: Vozes.
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ZALUAR, Alba (1980). Desvendando máscaras sociais. 2ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S. A.
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quarta-feira, 1 de julho de 2009

6a. Comunicação sobre a Enquete 'Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil - 2009' - a cidade de Brasília, DF

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O que os brasilienses indicam como sujo ou sujeira
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Mauro Guilherme Pinheiro Koury
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A enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’ foi aplicada em seis capitais de estados brasileiros durante os meses de março e abril de 2009. O Blog do GREM vem publicando, em primeira mão, informações sobre o que é sujo ou sujeira para os habitantes das capitais pesquisadas. Já foram publicadas cinco Comunicações com informações sobre as cidades de João, Pessoa, Recife, Belém, São Paulo e Curitiba. O Distrito Federal, Brasília, completa hoje a série de seis Comunicações, com as informações sobre a enquete.
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Como nas demais cidades pesquisadas, em Brasília também foram aplicados 60 questionários em forma de abordagem direta de pessoas em locais de grande circulação e movimentação de pessoas. Foram entrevistadas 31 pessoas do sexo feminino, 51,70% dos informantes, e 29 do sexo masculino, 48,30% dos que responderam a enquete. Estes informantes possuíam diversos graus de escolaridade, várias faixas etárias, de renda, de religião, estado civil, e profissão.
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Nesta Comunicação sobre a cidade de Brasília, como nas demais Comunicações desta série sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’, se informará o resultado sobre a questão principal da enquete: O que é sujo ou sujeira para você, e o cruzamento desta questão com a categoria sexo dos entrevistados.
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Não haverá uma análise teórica e metodológica sobre os dados apresentados, apenas uma apresentação das categorias encontradas na aplicação e tabulação da enquete para a cidade de Brasília, DF. Uma série de artigos acadêmicos e o Relatório Final da enquete serão disponibilizados ao público a partir de dezembro de 2009, com um balanço mais aprofundado do objeto de análise Sujeira e do que apontam sobre o que é sujo os habitantes das capitais brasileiras pesquisadas.
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Nesta sexta Comunicação, a última da série neste Blog, se trabalhará apenas com um gráfico. Neste gráfico estão representados os percentuais de respostas dos brasilienses para cada categoria analítica delas retirada, para a totalidade dos respondentes e para cada sexo: masculino e feminino.
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O que os habitantes do Distrito Federal consideram Sujo ou Sujeira?
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O Gráfico 1, abaixo, índica os percentuais de respostas para cada categoria analítica encontrada na enquete para a cidade de Brasília, DF, em sua totalidade e separados por sexo dos entrevistados. Este Gráfico encontra-se organizado a partir das categorias com maior número de indicações, decrescendo até as de menor número, tendo a totalidade dos entrevistados como elemento organizador. Junto de cada totalidade das representações sobre o que é sujo, encontra-se, também, a divisão por sexo.
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A categoria com maior número de indicações foi a de Falta de Zelo com a Coisa Pública, seguida de perto pela categoria Violência Urbana. As demais categorias apontadas, em ordem decrescente, foram as de Falta de Higiene; Mendicância, Gente Pobre, Gente Suja; Desrespeito ao Cidadão; Fluídos; Imoralidade; e Homossexualidade.
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Em Brasília a principal categoria apontada como Sujeira foi a de Falta de Zelo com a Coisa Pública. Esta categoria foi apontada por 25% da totalidade dos respondentes da enquete. Destes, 27,6% eram homens e 22,6% mulheres.
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Como nas demais cidades pesquisadas, a categoria Falta de Zelo com a Coisa Pública informa sobre uma descrença do brasileiro médio com a política e com os políticos do país. O mau uso dos políticos e gestores com a própria representação, a falta de ética, o fazer política em causa própria, a corrupção, os escândalos administrativos, o recebimento de propinas, o desvio de verbas públicas, o uso privado da coisa pública, são lembrados pelos brasilienses como exemplos de uma política e de políticos e gestores que ‘enlameiam’, ‘sujam’ e ‘enojam’ o país.
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Muitos afirmando o seu descrédito e uma desesperança na política nacional, que afeta o cotidiano do cidadão comum que não vê saída para o país e receia sempre o pior para si e para os seus.
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Essa desesperança aumenta e vira medo, entre os brasilienses, que associam os abusos da política ao mau uso da gestão de recursos, ocasionando um aumento do desemprego e um aumento da criminalidade na cidade. Alguns afirmam em tom jocoso que o grande receio é pela ‘bandidagem institucional’ que aparece com cores fortes na cidade capital do país. E associam esta ‘bandidagem institucional’ a muitos desmandos que provocam medo. Entre eles, “as milícias privadas dos políticos”, a “grilagem institucional dos terrenos urbanos da cidade”, e a associação do “tráfico de drogas a uma rede que envolve políticos e policiais”.
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O comportamento do político e da política é, assim, visto pelos brasilienses como algo repugnante e que provoca medo e desesperança no cidadão comum.
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Neste mesmo viés, muitos dos entrevistados apontam a Violência Urbana como algo sujo e que provoca receio entre os brasilienses entrevistados. A categoria Violência Urbana aparece como a segunda categoria com mais indicações na enquete aplicada na cidade.
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A Violência Urbana como algo considerado sujo foi apontado por 23,3% do total dos entrevistados em Brasília. Destes, 27,6% eram do sexo masculino e 19,4% do sexo feminino.
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A violência urbana é apontada como crescente em Brasília nas últimas duas décadas. O aumento dos sequestros relâmpagos é uma das causas principais do medo dos brasilienses que a apontaram, seguido do aumento do consumo e do tráfico de drogas na cidade. Apontam o centro da cidade como um local sem lei onde podem ser vistos pessoas consumindo todos os tipos de drogas e ameaçando o cidadão que lá circula.
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Apontam o crescente número de uso de drogas nas escolas locais e o tráfico nas portas das escolas da capital; bem como o aumento do índice de agressões físicas entre os jovens e ao cidadão comum, principalmente os mais carentes. Muitos dizem que os principais consumidores estão entre os jovens das classes mais abastadas do Distrito Federal e o tráfico é praticado por jovens moradores de bairros nobres de Brasília. O que torna a vida familiar local em “um verdadeiro inferno. Nós não sabemos mais o que fazer para educar os filhos dentro de uma ordem estável e feliz, o medo de que sejam desviados do caminho de um crescimento saudável é um dos receios principais dos pais que moram nesta cidade”, afirma um entrevistado.
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O aumento de roubos, assaltos a mão armada nas residências, o seqüestro relâmpago são apontados pelos entrevistados como o cotidiano da capital. Muitos chegaram a afirmar que Brasília se tornou “a capital dos sequestros relâmpagos” nas últimas duas décadas.
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O aumento da violência urbana no Distrito Federal é associado, muitas vezes, ao desrespeito ao cidadão. A categoria Desrespeito ao Cidadão diz respeito á questão da infra-estrutura da cidade, e foi apontada como uma das principais coisas sujas de Brasília por 10% do total dos entrevistados. Destes, 10,3% do sexo masculino e 9,7% do sexo feminino.
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Entre os problemas apontados no interior desta categoria encontram-se os problemas sociais e sanitários causados pela falta de infra-estrutura. Entre esses problemas são citados a desordem urbanística da cidade; o loteamento das terras públicas; a falta de saneamento básico; o grande número de ocupações ilegais; a falta de segurança do cidadão comum; a poluição visual; as pichações no centro da cidade; os danos ao patrimônio; o consumo de drogas no centro de Brasília; o péssimo transporte coletivo da cidade, a poluição causada pelo lixo e esgotos a céu aberto, entre outros.
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Como se pode ver, a qualidade de vida dos brasilienses é tida por eles como em declínio. E as três categorias até agora apontadas, se cruzadas, indicam o uso privado da coisa pública, por políticos e gestores como uma das consequências principais do crescimento da violência urbana e do desrespeito ao cidadão.
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A categoria analítica Imoralidade responde por 5% do total dos respondentes a enquete. Esta categoria possui 3,5% das respostas do sexo masculino, e 6,4% das indicações do sexo feminino. É uma categoria que também pode estar associada á categoria de Falta de Zelo com a Coisa Pública, de um lado, já que os diversos escândalos sexuais patrocinados por políticos e gestores em Brasília, nos últimos anos, são lembrados como uma das principais sujeiras da cidade e vistos sob a ótica da imoralidade. Por outro lado, esta categoria está associada diretamente a questão da moral e dos bons costumes locais e a exposição da nudez feminina e masculina, nas bancas de revista, nos canais de televisão, na mídia impressa, são apontadas como desorganizando a sociedade local e brasileira como um todo. O que tem fragilizado a ordem familiar e a quebra do decoro entre os jovens.
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Outra categoria apontada como desorganizadora da moral é a categoria que aponta a Homossexualidade como sujeira. Apontada por 5% do total dos entrevistados: com 6,9% das indicações do sexo masculino, contra 3,2% do sexo feminino, a indicação da prática homossexual como algo sujo vem associada a relacionar as opções sexuais diferentes da heterossexualidade como falta de caráter e como doença social.
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É uma categoria onde o preconceito de quem indica é muito forte. Muitos dos respondentes que a indicaram afirmam sentir nojo da prática homossexual, e revelam que se pudessem puniriam “com a morte, esses desviados”. A homossexualidade é sentida como uma grande desvirtuadora da moral e dos bons costumes locais, e como “uma sem-vergonhice”.
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Na mesma linha de preconceitos encontra-se outra categoria, a da Mendicância, Gente Pobre e Gente Suja. Esta categoria foi indicada por 11,7% do total dos respondentes, sendo estes apontados por 10,3% dos homens entrevistados e por 12,9% das mulheres.
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A mendicância como algo sujo, que incomoda e que contamina e polui visualmente o espaço urbano, principalmente do centro da cidade, e na série de invasões e condomínios populares que pipocam pelas áreas nobres da cidade, como na região dos lagos, é associada ao crescimento da pobreza em Brasília e a pobreza ligada à sujeira que perturba o cidadão. É interessante, aqui, ligar a pobreza enquanto algo sujo, associada, em Brasília a descriminação racial.
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Pobre, ‘preto’, sujo e ladrão parecem sinônimos. Do mesmo jeito que aparecem como sinônimos a associação da pobreza aos nordestinos e nortistas, e logo, sujos e ladrões. A categoria Mendicância, Gente Pobre e Gente Suja, em Brasília, é uma categoria extensiva, em termos de preconceitos aos preconceitos: racial e territorial. Não dá para separá-los. Negros, nordestinos e nortistas, mendigos, são associados aos pobres e por sua vez apontados como uma categoria de sujeira. Que poluem visualmente a cidade, a enfeiam e a tornam mais perigosa.
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As duas outras categorias apontadas pelos brasilienses como algo sujo são as categorias da Falta de Higiene e a de Fluídos. A primeira foi indicada por 13,3% do total dos entrevistados. Deste total, 10,3% eram do sexo masculino e 16,1% do sexo feminino.
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A segunda, a categoria Fluídos, foi indicada por 6,7% do total dos respondentes, sendo 3,5% das respostas do sexo masculino e 6,4% do sexo feminino.
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As duas categorias falam muito da esfera privada da vida ordinária no Distrito Federal. Embora, ambas também possam revelar uma extensão da preocupação do brasiliense com a questão da saúde pública. As duas categorias estão associadas à falta de educação doméstica e a falta de civilidade, podendo contaminar e provocar doenças nos cidadãos a elas expostos.
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Começando pela categoria Fluídos, esta categoria é associada principalmente a falta de civilidade do brasiliense, principalmente, do brasiliense pobre. A sujeira nas ruas, os dejetos orgânicos espalhados pela cidade, os líquidos e gazes corporais, são vistos como ameaças cotidianas ao cidadão comum. Associam-se a estes a visão da desordem urbanística provocada pelas ocupações ilegais, os esgotos a céu aberto, como provocando sujeira e ameaçando a qualidade de vida do brasiliense médio. A pobreza é associada a este tipo de poluição, e sua principal causa.
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A categoria Falta de Higiene, por sua vez, tem a ver diretamente com o espaço interno e privado do lar. A falta de limpeza doméstica, a falta de acondicionamento dos alimentos, a falta de asseio na preparação dos alimentos, são práticas associadas a falta de educação doméstica e a falta de civilidade, o que ocasiona impurezas que não só ameaçam o bem-estar da família que a pratica, mas ameaça a cidade como um todo. Já que os hábitos adquiridos em casa são repassados, com frequência para toda a cidade, ocasionando situações de insuportabilidade para o habitante comum da cidade.
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Conclusão
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Esta série de comunicações sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano’ neste Blog se encerra com esta comunicação sobre a cidade de Brasília. O principal motivo desta série de comunicações foi o de divulgar os primeiros resultados, ainda em caráter informativo e não analítico, da enquete sujeira, em andamento no GREM. Outro motivo, também, principal, foi o de mostrar a relevância da enquete para uma discussão do comportamento e do imaginário urbano brasileiro atual.
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A riqueza das informações trazidas a tona pelos informantes da enquete Sujeira revelam um caminho importante para a análise da cultura política do Brasil contemporâneo, através das representações imaginárias dos entrevistados. E, por outro lado, as diversas vias interpretativas provenientes desta enquete para a análise das mudanças comportamentais experimentadas pelo brasileiro comum habitantes dos grandes centros urbanos do país.
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A partir de dezembro de 2009, com o lançamento do Relatório Final da enquete Sujeira pelo GREM, se dará início, também, a publicação de uma série de artigos sobre assuntos específicos trazidos à tona pela enquete, nas revistas acadêmicas de ciências sociais, nacionais e internacionais.
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Esta enquete faz parte de uma pesquisa maior, em desenvolvimento no GREM, sobre “Medos Corriqueiros e Imaginário Urbano no Brasil”.
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A Série de Comunicações anteriores sobre a Enquete Sujeira publicadas neste Blog
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009). “O que pensam os moradores da cidade de João Pessoa, Paraíba, sobre o significado de sujeira”. 1ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 22 de maio de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/05/o-que-pensam-os-moradores-da-cidade-de.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009a). “O que é sujo ou sujeira para os habitantes da capital pernambucana”. 2ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 26 de maio de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/05/2acomunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009b). “O que é sujo ou sujeira para os habitantes da capital paraense”. 3ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 05 de junho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/06/3a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009c). “O que os moradores da cidade de São Paulo (SP) apontam como sujo ou sujeira – 2009”. 4ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 09 de junho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/06/4a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009d). “O que os moradores da cidade de Curitiba (PR) apontam como sujo ou sujeira – 2009”. 5ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 28 de junho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/06/5a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009e). “O que os moradores da cidade de Brasília (DF) apontam como sujo ou sujeira – 2009”. 6ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 01 de julho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/07/5a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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domingo, 28 de junho de 2009

5ª Comunicação sobre a Enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil – 2009’ – A cidade de Curitiba, Paraná

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O que os curitibanos representam como sujo ou sujeira – 2009

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Mauro Guilherme Pinheiro Koury
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Introdução
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Hoje damos continuidade às comunicações sobre a enquete Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil – 2009, com as informações sobre a aplicação da enquete na cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná, Brasil. Como nas demais capitais já analisadas e publicadas neste Blog: João Pessoa, PB; Recife, PE; Belém, PA; São Paulo, SP, nos dias 22 e 26 de maio e 05 e 09 de junho de 2009 (Koury, 2009, 2009a, 2009b, 2009c), a enquete na capital paranaense foi realizada entre os meses de março e abril de 2009.
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Como nas demais capitais, o questionário foi aplicado em abordagem direta aos entrevistados em locais muito frequentados do centro de Curitiba, em paradas de ônibus, em shoppings e praças locais. Foram entrevistadas 60 pessoas, sendo 32 mulheres, isto é, 53,3% do total dos respondentes e 28 homens, isto é, 46,7% do conjunto de respostas, com renda, estado civil, religião, escolaridade e profissão diversas.
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Esta comunicação, como as outras, utilizará apenas o cruzamento da questão ‘o que você considera sujo ou sujeira’ com a categoria sexo do entrevistado. A apresentação das representações de sujo ou sujeira foi agrupada em categorias analíticas tiradas do conjunto das respostas dos entrevistados nas seis capitais pesquisadas e sobre estas categorias tabuladas as respostas dos entrevistados por capital.
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Aqui, como nas outras comunicações desta enquete, as respostas se encontram dispostas em dois gráficos. O primeiro revelando a totalidade dos entrevistados da capital paranaense a partir das representações de sujo ou sujeira por eles revelada. O segundo gráfico, por sua vez, distribui as representações de sujeira ou de sujo pelo sexo do entrevistado.
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Esta série de comunicações sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’ neste Blog tem a intenção simples de apresentar um instantâneo das representações sobre o que é sujeira para as capitais pesquisadas e para a cidade de Curitiba, aqui, em particular. Uma análise mais aprofundada sairá, posteriormente, a partir de dezembro de 2009, em uma série de artigos acadêmicos a serem publicados em periódicos científicos nacionais e internacionais e no relatório final da enquete, por capital pesquisada e para o conjunto das capitais.
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O que os curitibanos indicaram como sujo ou sujeira?
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Para responder a esta questão se apresentará dois gráficos. O Gráfico 1 oferece o percentual para as categorias analíticas indicadas pela totalidade dos entrevistados da cidade de Curitiba, e o Gráfico 2, indica o percentual por sexo para as mesmas categorias.
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Os dois gráficos serão, nesta comunicação, apresentados de forma simultânea, e a sua leitura será feita a partir do maior percentual para a totalidade dos entrevistados, até o menor percentual, e sobre eles o comportamento por sexo.
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A categoria Falta de Higiene é a categoria analítica que aparece com maior número de indicação entre os curitibanos, com 23,3% das respostas, como pode ser visto no Gráfico 1, acima, isto é, 14 entrevistados a indicaram como o que considerava sujo ou sujeira. Destes 23,3%, de acordo com o Gráfico 2, abaixo, os homens aparecem com 21,4% das respostas, isto é, seis informantes do sexo masculino, contra 25% das mulheres entrevistadas, isto é, oito pessoas do sexo feminino.
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Homens e mulheres de Curitiba equivalem-se na eleição da falta de higiene como o que consideram mais sujo. As expressões nojo e repugnância foram comuns em suas falas para a falta de higiene de cunho doméstico. Muitas das mulheres entrevistadas e muitos dos homens falaram, inclusive, de que ao irem pela primeira vez a casa de um conhecido, a arrumação e a higiene eram as primeiras coisas a ser buscada. Um rapaz chegando a afirmar que já acabou com um namoro, de uma garota de quem gostava muito, quando esta o convidou para conhecer os seus pais e jantar em sua casa.
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O descuido com a arrumação e a poeira nos móveis indicaram para ele a pouca noção de higiene daquela casa e, indo a cozinha e encontrando em “uma grande desordem e com muita sujeira”, pratos e panelas para lavar dentro da pia, o fogão sujo, entre outras informações, o levaram a um nível de repugnância que foi difícil suportar o jantar e as horas que teve que passar na casa da namorada. Alguns dias depois, começou a se dizer com problemas para não encontrar a garota, até que finalizou o namoro.
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Uma professora de ensino médio também relatou o fato de ao ir pela primeira vez a casa de um conhecido ou de uma conhecida, tinha por hábito pedir para ir ao banheiro para verificar o nível de higiene apresentado. Muitas amizades acabaram antes de começar pelo nojo apresentado pela falta de cuidados domésticos. Associando, claramente, a questão da falta de higiene doméstica a falta de educação e a falta de caráter. Como se pode confiar em alguém que não tem o mínimo de hábitos civilizados, que não tem o mínimo de educação doméstica, revelados no descuido com a desarrumação.
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A mesma indicação da falta de higiene é indicada para o asseio pessoal. Pessoas com roupas desalinhadas, com aparência suja, levantam suspeita em relação ao próprio caráter pessoal. O sujo é indicado como um hábito não civilizado, como uma postura perante o mundo não condizente e que causa repugnância e medo.
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A segunda categoria com maior índice de indicação entre os curitibanos foi a categoria Violência Urbana. Esta categoria aparece com 20% do total de respostas, isto é, com 12 indicações dos entrevistados. Os dois sexos aparecem cada qual com seis indicações. O que equivale em 18,7% do total das mulheres, contra 21,4% do total dos homens.
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A outrora pacata Curitiba, de algumas décadas atrás, como apontada por vários depoentes, deu lugar a uma cidade com um alto índice de criminalidade. Roubos, assaltos, estupros, sequestros relâmpagos, assassinatos e mortes violentas são apontados como o que tem de mais sujo na cidade. O que vem fazendo, segundo os entrevistados que apontaram a violência urbana como algo sujo, os habitantes da cidade se tornar cada vez mais reclusos e com medo de enfrentar os perigos que a cidade apresenta no seu cotidiano.
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O desconhecido na rua é apresentado como alguém potencialmente perigoso e que quebra os códigos de normalidade da cidade. Ser abordado por um desconhecido é sempre um sinônimo de que algo perigoso pode acontecer. O que torna o curitibano ainda mais avesso ao outro desconhecido, ao diferente. O que torna a cidade, na visão de um entrevistado, mais provinciana e mais fechada.
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Segundo este entrevistado, os curitibanos sempre foram potencialmente avessos ao estrangeiro, àqueles que não são da terra e invadem o seu território. O que para ele acontece hoje em dia é que esses potencialmente avessos vêm se tornando uma fobia, já que nestas últimas décadas a cidade vem sendo inflada e ocasionando uma quebra de pessoalidade antes existente e gerando o medo que a impessoalidade atual provoca. Tornando esse outro perigoso e esse perigo oferecido pela sua presença como algo sujo, como algo que rompe um código de pessoalidade perdido em um tempo e em um espaço, mas que ainda está presente na alma curitibana.
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A categoria Fluídos aparece como a terceira categoria mais indicada, com nove entrevistados, isto é, com 15% do total dos respondentes. Destes nove entrevistados, cinco são do sexo feminino, isto é, 15,6% do total das mulheres, e quatro do sexo masculino, isto é, 14,3% do total dos homens.
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Esta categoria, para os curitibanos, indica uma prática que está associada à falta de civilidade movida pela falta de higiene e educação doméstica. O ato de espirrar, cuspir, escarrar, defecar, urinar em locais públicos revela um costume bárbaro não condizente com o habitante de uma urbe. O que causa nojo e repugnância em quem vê ou sente as consequências desse hábito, além de provocar o perigo de contaminação. A mesma repugnância é apontada para ferimentos expostos, sangue derramado, espermas e outros líquidos corporais. Os fluídos, assim, além de indicarem um ato não civilizado, é uma ação perigosa, pois envolve a possibilidade de doenças, tornando-se, assim, um caso para a saúde pública.
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A categoria Falta de Confiança, por sua vez, aparece com 11,7% das respostas totais, isto é, sete entrevistados a indicaram com algo sujo. Destes sete entrevistados, quatro foram do sexo feminino, com 12,5% do total das mulheres, e três do sexo masculino, com 10,7% do total dos homens.
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A categoria falta de confiança entre os curitibanos apresenta-se como uma categoria de suspeição. O outro, o desconhecido, principalmente, é objeto de medo, provoca uma série de possibilidades inerentes ao diferente que frequentemente o levam a rejeição. Para tornar-se confiável é necessário um tempo de convivência que permita a construção de laços mais sólidos. Laços de confiança.
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Como nas últimas décadas a cidade de Curitiba vem se transformando e tornando-se menos pessoalizada, esses laços de confiança tem se tornado cada vez mais pulverizados, e o outro, o diferente, mais ameaçador. O que os faz enxergá-los sob o manto do receio de contaminação de hábitos não próprios da cidade, e com a roupagem de medo de que algo ou alguma coisa possa atingi-los no seu cotidiano.
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Daí o fechamento, às vezes, segundo um entrevistado, a aparência de arrogância para com o outro não conhecido. O que fez um entrevistado, médico e professor universitário alegar, com bom humor, que “o bom curitibano é o curitibano que está fora de Curitiba”. Fora da cidade “ele relaxa e enjoy a vida, se torna aberto para o diferente. De volta para a cidade, não sei o que é que dá nele, ele se torna fechado e difícil de novas relações. É um caramujo que só olha pro umbigo e prá dentro de sua própria carapuça”.
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As categorias Falta de Zelo com a Coisa Pública e Desrespeito ao Cidadão, aparecem cada uma com 8,3% do total dos entrevistados, isso é, com cinco entrevistados do total pesquisado. A primeira delas com três mulheres e dois homens, o que perfazem o total de 9,4% do total de mulheres e 7,1% do total dos homens.
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A segunda delas, a categoria desrespeito ao cidadão, por seu turno, representa 6,3% de indicações do sexo feminino, com duas mulheres, e, 10,7% homens, isto é, três indivíduos do sexo masculino.
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Como nas demais capitais que as indicaram, a falta de zelo com a coisa pública indica uma visão da política como algo sujo, como politicagem, como corrupção, como mau uso de verbas públicas, a visão da política como abuso de poder e desmandos administrativos, entre outros tantos adjetivos. A desilusão com a política e os políticos no país, no estado e na cidade é uma das principais causas de a enxergarem como sujeira, como uma prática suja.
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O mesmo acontecendo com a categoria desrespeito ao cidadão. O orgulho de uma cidade com um bom nível de urbanidade e infra-estrutura construída ao longo das últimas décadas é acompanhada com um sentimento de desrespeito pessoal, principalmente entre os cidadãos das classes menos abastadas da cidade.
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A vida nos bairros mais pobres e periféricos é comentada como uma vida de sofrimento e tragédia pessoal e comunitária, que os fizeram indicar a falta de urbanização, a falta de iluminação pública, o lixo acumulado nas ruas, com uma coleta às vezes de quinze e quinze dias, como um desrespeito à cidadania, ao mesmo tempo em que narram suas desventuras através de uma baixa estima, que parece indicar que se consideram o desrespeito ao cidadão pobre como sujeira, eles próprios parecem ser o lixo, a principal sujeira para a cidade, que a cidade gostaria de extirpar.
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E é o que parece ser nas indicações das outras duas categorias analíticas para o que é sujo ou sujeira para os curitibanos entrevistados. A categoria Mendicância, Gente Pobre, Gente Suja, aparece com 6,7% do total dos informantes, sendo 9,4% mulheres e 3,6% homens, seguida da categoria Preconceito Racial, que aparece com 3,3% do conjunto das respostas. Destes, 3,1% mulheres e 3,6% homens.
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Estas duas categorias indicam uma visão do curitibano médio sobre a pobreza e sobre a questão étnica como sujeiras. Apesar de minoritárias, indicadas por quatro e por dois apenas, mostram o pobre e aquele de etnia diferente, no caso, o negro, como associados à falta de higiene, à falta de educação doméstica, àqueles que impõem medo e como àqueles causadores de atos perigosos. Como sujeitos da desordem, em oposição à ordem da cidade, à civilização.
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Sim, os curitibanos entrevistados, em suas respostas opõem para a ordem da cidade e a civilização, à desordem e a diferença como sujeira, como ameaça social e individual que precisa ser evitada e controlada.
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Nesta mesma sequência de oposição aparece a categoria Homossexualidade, com 1,7% das respostas, isto é, com apenas uma indicação, sendo esta indicação dada por um entrevistado do sexo masculino. O entrevistado que a indicou como algo sujo, narrou a sujeira inerente à prática homossexual como um desvio de conduta perigoso e como um atentado a moral e aos bons costumes. Associando, ainda, a homossexualidade como uma prática perigosa e causadora de doenças, como “a praga da AIDS, por exemplo, que hoje está disseminada entre homens e mulheres do mundo inteiro”.
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A categoria Falta de Consciência Ecológica aparece também com apenas uma indicação, também de um respondente do sexo masculino. Esta categoria apresenta-se, deste modo, com 1,7% do total dos curitibanos respondentes.
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Como nas demais capitais que a indicaram, aparece no interior de um discurso político-acadêmico que aponta o caminho do progresso de nossa civilização como uma via para o suicídio do humano, e prega uma visão ecológica de desenvolvimento sustentável. O entrevistado que a indicou, entre os respondentes curitibanos, era um político do partido verde local e professor universitário.
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Nos exemplos dados pelo entrevistado, como causa da falta de consciência ecológica, está o aumento da emissão de gases tóxicos no ar, a emissão de resíduos industriais nos rios, o desmatamento, o chorume, entre outros. O que o aproxima das respostas dadas à categoria fluídos, o diferenciando, porém, pelo discurso político-acadêmico em que está inserido.
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As categorias Imoralidade e Gente fraca, por seu turno, não foram indicadas por nenhum curitibano respondente desta enquete.
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Considerações Finais
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A cidade de Curitiba foi apresentada nesta comunicação através do seu imaginário sobre o que é sujo e sujeira. Nos próximos dias será postada a apresentação sobre sujeira na última cidade pesquisada pela enquete: a cidade de Brasília, DF.
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Como se pode notar pela série de comunicações aqui apresentadas para esta enquete, a categoria sujeira oferece uma gama de possibilidades analíticas que ajudam a compor um painel sobre as transformações recentes no comportamento e no imaginário do brasileiro comum e morador dos centros urbanos, sobre a construção social e cultural do país. Ajuda a perceber, também, a cultura política em sua ambivalência e ambiguidade que vem tomando conta do homem comum neste início do século XXI e a formação de uma nova mentalidade presente na pulverização dos laços de uma sociabilidade pessoalizada, acarretando medos, fobias e preconceitos, além de uma consciência mais acurada, embora desesperançada da política profissional e da gestão da coisa pública nas cidades.
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Bibliografia
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João Pessoa, Paraíba, sobre o significado de sujeira”. 1ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 22 de maio de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/05/o-que-pensam-os-moradores-da-cidade-de.html*
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009a). “O que é sujo ou sujeira para os habitantes da capital pernambucana”. 2ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 26 de maio de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/05/2acomunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html*
KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009b). “O que é sujo ou sujeira para os habitantes da capital paraense”. 3ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 05 de junho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/06/3a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. (2009c). “O que os moradores da cidade de São Paulo (SP) apontam como sujo ou sujeira – 2009”. 4ª Comunicação sobre a enquete ‘Sujeira e Imaginário Urbano no Brasil’. Blog GP em Antropologia e Sociologia das Emoções, 09 de junho de 2009. http://grem-sociologiaantropologia.blogspot.com/2009/06/4a-comunicacao-sobre-enquete-sujeira-e.html
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quinta-feira, 25 de junho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento, n. 05 (25 de junho de 2009)

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Publica-se, hoje, neste Blog, o quinto número da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM. Esta Série tem por objetivo a publicação e a divulgação dos Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento ou Recém Finalizadas pelo corpo de pesquisadores do GREM.
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Nesta Série serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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Já foram publicados neste Blog os números: 01, em 12 de junho de 2009, o 02, em 15 de junho de 2009, o 03, em 18 de junho de 2009, o 04, em 22 de junho de 2009 da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM.
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O número 05 da Série Pesquisas em Desenvolvimento publica o Resumo Expandido da pesquisa em andamento no GREM, coordenada pelo pesquisador Márcio da Cunha Vilar. A pesquisa em desenvolvimento de Márcio Vilar tem por objetivo a obtenção do título de Doutor em Antropologia Social/Cultural pela Universidade de Leipzig, Alemanha.
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A pesquisa de Márcio da Cunha Vilar está vinculada a Linha de Pesquisa do GREM: Memória e Imaginário Social.
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Vamos, então, para o número 05 da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM.
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Título da Pesquisa: Etnografia dos Ciganos Calón no nordeste do Brasil. Estudo antropológico sobre produção sócio-cultural de diferenças e semelhanças entre minoria étnica e sociedade majoritária
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Pesquisador: Márcio da Cunha Vilar
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Resumo: A presente pesquisa etnográfica tem como objetivo compreender o mundo dos ciganos Calóns no Brasil, principalmente, a partir do estudo das relações destes com não-ciganos, mas também considerando as práticas internas de diferenciação e/ou distinção destes entre si – já que um alto grau de segmentaridade (ou uma intensa dinâmica segmentar) presente na organização social Calón vem sendo constatado empiricamente desde o início das pesquisas. Para tanto, tem sido desenvolvido trabalho de campo em ranchos no Rio Grande do Norte e Bahia, com concentração neste último estado; mais particularmente nas regiões sul e sudoeste, onde atualmente está sendo realizada uma estadia mais prolongada.
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Muitos dos estudos sobre ciganos costumam essencializar os grupos abordados, conferindo-lhes qualidades particulares quase como que inatas que os destacariam de outros grupos ciganos e da sociedade na qual vivem. Por outro lado, não são raras as generalizações. Características observadas no âmbito de um determinado grupo são muitas vezes atribuídas a todo o conjunto dos ciganos. Em todo caso, todas as tentativas de definir os ciganos tanto por ciganos quanto por não-ciganos, independente do critério utilizado, nunca abarca a totalidade das diversas coletividades como tal identificadas. Não há critérios estabelecidos por meio dos quais seja possível identificar alguém como sendo ou não cigano. A referência mais utilizada consiste na autoproclamação da pessoa como tal acompanhada do consentimento ou aceitação do grupo.
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Apesar de haverem várias explicações (como as versões sobre a origem indiana, ou a grega, egípcia etc.) nada foi constatado no que diz respeito à origem dos ciganos (Fraser, 1993). O próprio nome “cigano”, cunhado por não-ciganos, não passa de um termo que ainda hoje é utilizado por falta de outro melhor e/ou por de alguma forma comportar e transmitir a tensão nunca resolvida que gira em torno da definição de tais “grupos” (Moonen, 2007; Streck, 2008). Dependendo da região geográfica onde se encontrem, pode mesmo haver dezenas de outras denominações coletivas entre os próprios ciganos, pois os ciganos costumam se autodenominar de formas as mais diversas, no que terminam por se distinguirem uns dos outros. Existe algum consenso quanto à terminologia de três grandes grupos continentais: os “Rom”, procedentes do Leste Europeu; os “Sinti”, da Alemanha e Itália ou “Manus” na França; e os “Calons”, ciganos da península ibérica. No entanto, há uma infinidade de autodenominações procedentes, por ex., de profissões (Ursari, Kalderasch, Kovaci...), lugares (Piamontesi, Halab, Tatare...) e etc. Por sua vez, termos como “grupo”, “família” e até mesmo “rede” para a designação de coletividades ciganas, devem ser utilizados com cuidado, de forma bastante calibrada, uma vez que, por mais que tais termos contribuam para dar visibilidade conceitual-estrutural a estes ou àqueles ciganos, eles podem encobrir características específicas do modo como tal e tal coletividade se constitui morfologicamente.
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Segundo Streck, no processo de estratificação das sociedades, sejam tradicionais ou modernas, principalmente através do desenvolvimento da divisão do trabalho, são também gerados, com os próprios estratos ou castas, “entre-espaços” que, por sua vez, oferecem chances específicas de sobrevivência. “Freqüentemente, nos ‘espaços’ estabelecidos, o entre-espaço é criminalizado enquanto zona socialmente cinza. Em fontes antigas [...] lê-se a respeito de “párias sem senhor” ou de “párias sem país”. Mas, para além da expressão de aversão, é possível reconhecer aqui o entre-espaço: em tal lugar as pessoas seguem o senhor A, noutro canto o senhor B, entre aqui e lá se vive sem senhor, isto é, livre”. (Streck, 2008).
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Trata-se aqui dos setores informais de uma dada sociedade, enquanto sombras residuais de circulação e de estabelecimento não catalogados ou reconhecidos oficialmente como um espaço próprio, mas estigmatizados e, na regra, evitados (1). Em tais espaços (de invisibilidade), é possível verificar processos de reapropriações e rearranjos culturais (Sahlins, 1997) que se manifestam na produção de uma cultura paralela ou de contraste, num sistema de valores próprios, em língua local e na existência de mecanismos de auto-regulação. “Gypsies provide a superb extreme case of people whose culture is constructed and recreated in the midst of others” (Okely, 1983). Um exemplo desse rearranjo poderia ser encontrado na forma como os ciganos falam.
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Ao lado da língua local, ou seja, da região onde vivem, ciganos podem falar também alguma variação do chamado Romanês ou Romani Chib. Essas variações podem, às vezes, serem fortes o suficiente para que determinados ciganos não se entendam. No caso dos Calons a variação do Romanês falada pode ser chamada simplesmente de “língua”, “língua de cigano” ou “Chibi” (que em Romanês significa “língua”). Em todo caso, o uso dos idiomas ou dialetos geralmente se dá no interior do grupo e como forma de fronteirização perante os gadjes – como os ciganos muitas vezes denominam os “não-ciganos”; no caso dos Calóns, também é muito comum a denominação “jurón”/”jurín” ao lado de “gadjo” ou “gadjão”. Embora tenha sido constatada uma correspondência com o sânscrito, tais idiomas ou dialetos, no entanto, são elaborados ou compostos, em boa parte, a partir da própria língua local como também através do uso de vocábulos por onde já se esteve anteriormente. A freqüente recorrência desse fenômeno lingüístico evidencia a estreita ligação do grupo em questão com a sociedade maior na qual vivem e/ou entre as quais viveram. Não há uma língua cigana, por assim dizer, porém várias e nenhuma (Matras, 2003).
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Parece ser mais interessante, dessa forma, considerar as diferenciações “internas” entre os ciganos em termos de “variações” (Barth, 1987) (variações estruturais perceptíveis tanto de uma perspectiva diacrônica – isto é, no que diz respeito à história e temporalidades específicas a uma dada família e a sujeitos a ela não-pertencentes, porém, com os quais ela se relaciona - quanto sincrônica – isto é, de família para família, clã para clã...), pois mesmo grupos ciganos que habitem numa mesma região podem apresentar diferenciações significativas entre si. Contudo, a despeito, porém, do alto grau de diferenciações internas – em outras palavras, mesmo não havendo uma espécie de totalidade homogênea -, parece existirem algumas características gerais no que diz respeito às suas relações com os não-ciganos. Por um lado, quando ressaltada a história de ódio e de perseguição, quase todas as formas culturais que os ciganos, em suas relações com não-ciganos, criativamente elaboram parecem ser vistas, sobretudo, sob o signo da sobrevivência. Por outro lado, citando Engebrigsten, Ries (2008) chama a atenção para o termo “ciganicidade” (gypsyness) (2).
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Em todo caso, devido à dependência dos entre-espaços com relação aos espaços, pessoas dos entre-espaços vivem em contínuo contato com as dos espaços. Uma vez que, ao que tudo indica, a maior parte dos Calons, com os quais esse estudo se ocupa, vivem no e do setor informal, a presente pesquisa se orienta pela seguinte definição de cigano, segundo a qual, estes podem ser entendidos “como parte da sociedade maior na qual vivem, embora não necessariamente enquanto incluída [ou integrada] (...), mas sim como parte conectada de uma relação assimétrica” (Streck, 2008).
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Dessa forma, entre uma espécie de paralelismo cultural e estreita simbiose social, é possível presumir que os Calons têm a chance de serem socializados em diferentes “culturas emocionais”, que em certa medida se contrapõem. Como eles agem, portanto, em meio a situações extraordinárias ou dilemas cotidianos que conflitem os repertórios emocionais de que dispõem? Seria possível sequer “trocar” de repertório emocional em uma dada circunstância conflituosa? Por outro lado, em que medida sociedades Calon se esquivam, excluem e/ou se incluem dos processos históricos de longa duração que implicam na domesticação gradativa das expressões emocionais (processos esses, tal como descritos por Elias (1995), que vêm se desenvolvendo por séculos no âmbito da sociedade majoritária no meio da qual vive)? Em que medida os Calons se utilizam e/ou são atingidas por tais processos, e como eles se relacionam (ou não) com uma experiência coletiva profundamente traumática dos ciganos, que, por sua vez, também podem ser alencada num plano de longa duração histórica (Pollack, 1989)?
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O GREM é um espaço privilegiado onde a presente pesquisa procura se debruçar sobre que papel a expressão das emoções desempenham na produção sócio-cultural de diferenças e semelhanças entre ciganos e não-ciganos – e desse modo no processo auto-constitutivo de uma cultura cigana Calon por meio de contato intercultural e hibridização seletiva. Uma vez que o trabalho de campo etnográfico implica, fundamentalmente, em um exercício de imersão no cotidiano de famílias Calon, por meio do qual seja possível deparar-se, muitas vezes simultaneamente, com uma multiplicidade de fenômenos referenciadores - e também partes - de um conjunto de códigos, valores e sensibilidades particulares (específicos, sobretudo, frente àqueles considerados normais ou convencionais, ou seja, “não-ciganos”/“maioria das pessoas”), e também com modos de expressões emocionais dos mesmos, busca-se aqui descortinar e estudar relações sócio-culturais chaves que auxiliem na interpretação de princípios comuns que, de alguma forma, contribuam para conformar, manter ou alterar modos e estilos de vida familiares aos Calóns.
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Notas
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1. Entre as minorias ciganas, há também minorias de ciganos bem sucedidos que fazem partem de elites sociais. Um dos exemplos mais citados, nesse caso, é o do ex-presidente Juscelino Kubitschek. No entanto, parece unânime que a maior parte de tais ciganos, com exceção daqueles músicos, sempre precisa esconder a identidade de “cigano” para não serem vítimas de possíveis estigmatizações. “Quem é empresário rico não está nem aí, mas os que dependem de vida pública, como artistas e políticos, restringem a informação sobre serem ciganos”, diz Farde Vichil. E Zé Rodrix: “Há ruas inteiras em bairros nobres onde só moram ciganos. A grande marca é o fato de as torneiras e maçanetas das casas serem de ouro maciço, para que possam ser levadas em caso de fuga emergencial” (Sanches 2005).
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2. Segundo Ries, “Roma/Gypsies take up certain cultural patterns of Gadzo culture, redefine them and use them for the construction of their own gypsyness (e. g. Engebrigsten 2000). (…). From this perspective, gypsyness is a flexible construct basing itself on difference. Both Roma/Gypsies and Gadze negotiate their ethnic markers. (…) Crucial in this struggle for gypsyness is the constructed ethnic boundary; the essential content may vary from group to group or change in the course of history”.
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segunda-feira, 22 de junho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento, n. 04 (22 de junho de 2009)

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Publica-se, hoje, neste Blog, o quarto número da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM. Esta Série tem por objetivo a publicação e a divulgação dos Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento ou das pesquisas Recém Finalizadas pelo corpo de pesquisadores do GREM.
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Nesta Série serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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Já foram publicados neste Blog os números: 01, em 12 de junho de 2009, o 02, em 15 de junho de 2009, e o 03, em 18 de junho de 2009 da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM.
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O número 04 da Série Pesquisas em Desenvolvimento publica o Resumo Expandido da pesquisa em andamento no GREM, coordenada pela pesquisadora Maria Sandra Rodrigues dos Santos, em conjunto com o UNIPÊ, onde leciona (1).
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A linha de pesquisa do GREM que a pesquisa em desenvolvimento de Maria Sandra está alocada é a Rituais da Morte, Luto e Sociedade.
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Vamos, então, para o número 04 da Série Pesquisas em Desenvolvimento no GREM.
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Título da Pesquisa: Enfretamento da morte vivenciada pelos Enfermeiros, Fisioterapeutas e os indivíduos que se encontra em processo de perda.
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Pesquisador: Maria Sandra Rodrigues dos Santos (2)
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Resumo: Esta pesquisa pretende investigar as formas e as atitudes estabelecidas diante da morte entre os Enfermeiros e Fisioterapeutas em Hospitais Públicos da Cidade de João Pessoa-PB. Como se dão as práticas de enfretamento da morte entre estes profissionais da saúde, e quais as relações entre estes e os indivíduos que se encontram em processo de perda.
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Pretende, dessa forma, investigar, além dos procedimentos institucionais adotados quando da constatação da morte de um indivíduo, todo o agir discreto, controlado e, como é comum dizer, “de frieza” dos profissionais em relação aos indivíduos que vivenciam o processo da morte interdita. Ou seja, quando a morte passa a acontecer nos hospitais sob o controle dos médicos.
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O que se pretende investigar é o comportamento das pessoas que estão diretamente relacionadas ao processo de morte em um local exclusivo: os hospitais públicos da Cidade de João Pessoa. Tendo como sujeitos específicos os profissionais da área da Enfermagem e da área de Fisioterapia e os indivíduos que estejam vivenciando o processo de perda. Ou seja, de como esses profissionais constroem os espaços relacionais de dor e sofrimento quando da morte de um paciente. Quais as atitudes de Enfermeiros e Fisioterapeutas diante dos familiares que acabaram de perder um ente-querido.
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Metodologicamente se pretende realizar uma revisão bibliográfica sobre os estudos que tratam da problemática da morte, priorizando os trabalhos que dão ênfase a uma análise que trata da morte como uma questão social e motivador dos comportamentos sociais, bem como, levantamento de dissertações e teses dedicadas aos estudos da morte na área da saúde, como também em jornais nacionais e locais. Tendo em mente que o que determina a metodologia é o objeto de estudo, ou seja, o método surge a partir da necessidade do objeto a ser trabalhado, a pesquisa de caráter exploratório recorrerá à técnica da entrevista com Enfermeiros, Fisioterapeutas e indivíduos que estejam vivenciando o processo da perda nos Hospitais Públicos da Cidade de João Pessoa-PB.
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Nesse sentido, estamos estudando a realização de um Survey para um mapeamento dos hospitais e dos profissionais que serão abordados para o entendimento da questão principal e posteriormente a aplicação de entrevistas que será o instrumento principal da coleta de dados. O instrumento prioritário para a coleta dos dados será a entrevista por ser um instrumento metodológico adequado, que nos permitirá realizar um levantamento qualitativo dos dados.
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Outro instrumento para coleta de dados será a observação, onde o pesquisador se permitirá a assistir às manifestações do fenômeno a ser estudado, e desse modo utilizando inúmeras formas de registro que vão desde a caderneta de campo e fichas, até o uso de gravadores, filmadoras, maquinas fotográficas. O que consequentemente enriquecerá na coleta das observações. O roteiro a ser elaborado para a realização das entrevistas será organizado quando de uma visita exploratória ao campo, com o objetivo de permitir uma melhor visualização do objeto a ser investigado. A análise consistirá de uma leitura qualitativa dos dados coletados a partir da codificação e tabulação das entrevistas e observações realizadas. Posteriormente esses dados serão cruzados com a literatura pertinente ao tema.
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Notas
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1 - Maria Sandra Rodrigues dos Santos é Pesquisadora do GREM e Professora de Metodologia do Estudo e de Monografia dos Cursos de Fisioterapia, Enfermagem e Fonoaudiologia do UNIPÊ.
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2 - Participam ainda da pesquisa as alunas: Gabriela Martins C. Dantas e Mônica Dantas Lima (Fisioterapia – UNIPÊ), Rafaella Lima de Oliveira (Enfermagem – UNIPÊ), e Karla Fernandes de Albuquerque (Coordenadora do Curso de Enfermagem – UNIPÊ)

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Bibliografia
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quinta-feira, 18 de junho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento, n. 03 (18 de junho de 2009)

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Este Blog publica, hoje, o terceiro número da Série Pesquisas em Desenvolvimento e Recém Finalizadas. Esta Série tem por objetivo a publicação e a divulgação dos Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento ou Recém Finalizadas pelo corpo de pesquisadores do GREM.
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Nesta Série, que teve o seu número 01 publicado neste Blog em 12 de junho de 2009, e o segundo publicado em 15 de junho de 2009, serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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O número 03 da Série Pesquisas em Desenvolvimento publica o Resumo Expandido da tese do pesquisador Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia. O resumo apresentado neste 3º número da Série de Luiz Gustavo teve como objetivo a obtenção do título de Doutor em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2007. A pesquisa de Luiz Gustavo faz parte da linha de pesquisa Memória e Imaginário Social do GREM.
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Vamos, então, para o terceiro número da Série Pesquisas em Desenvolvimento e Recém Finalizadas.
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Título da Pesquisa Concluída: “A pupila dos cegos é seu corpo inteiro”: compreendendo as sensibilidades de indivíduos cegos através das suas tessituras narrativas

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Pesquisador: Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia

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Resumo: Minha pesquisa de doutoramento, defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS (CORREIA, 2007), nasceu como desdobramento de alguns questionamentos manifestados ainda durante o processo de feitura da minha dissertação de mestrado em Sociologia (CORREIA, 2002) - apresentada na UFPB sob orientação de Mauro Guilherme Pinheiro Koury - com o aprofundamento de algumas discussões e análises dentro do campo teórico da Antropologia Urbana e das Emoções. A cidade como ambiente de vínculos e enraizamentos de memórias individuais e coletivas, intercâmbios de sentidos e experiências, é o espaço das minhas inserções, a fonte das minhas inquietações antropológicas.
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Procurei compreender as vivências dos processos simbólicos e as interpretações pessoais sobre a perda da visão via narrativas de indivíduos cegos habitantes de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Vinculadas a essa configuração temporal-espacial e simbólica estão as sensibilidades individuais e as suas expressões reveladas nas narrativas. A proposta foi investigar as camadas temporais simultâneas e distintas emaranhadas e recompostas nas memórias pessoais tecidas pelas narrativas dos sujeitos. Dessa forma, a tese se apresenta como uma síntese dos diálogos com esses diferentes personagens, a constante busca por articulação e troca de informações com essas outras percepções que povoaram minhas passagens em campo.
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O texto final da tese reflete as tentativas de compreender as interpretações pessoais dos sujeitos em interação com o espaço e com outros tantos personagens constituintes da cidade. Na busca por tornar mais fácil de entender alguns dramas humanos (ELIAS, 1995), se revelam os agentes enraizados na configuração social dada e as relações intersubjetivas vinculadas ao espaço e ao tempo vividos em sociedade. A montagem das experiências recontadas justapõe processos e rupturas pessoais contextualizadas pelas temporalidades citadinas, através das construções narrativas como elaborações onde os tempos das vivências e apreensões subjetivas se recompõem. Estas tensões, conflitos, articulações e rearranjos descobertos possibilitaram a ampliação dos sentidos das individualidades que planejava investigar em minhas primeiras caminhadas pelas ruas da cidade.
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O meu interesse foi mostrar a relação estabelecida entre as pessoas cegas “no” e “com” o seu espaço de vivência através de suas interações e articulações sociais na cidade. Parto do pressuposto do espaço vivido e apreendido afetivamente como lócus de configuração e enraizamento da memória pessoal e social dos sujeitos que nele convivem e da composição das diversas temporalidades nas trocas intersubjetivas urbanas. Penso, a partir das reflexões de Maurice Merleau-Ponty, que “não se deve dizer que nosso corpo está no espaço nem tampouco que ele está no tempo. Ele habita o espaço e o tempo” (1994, p. 193). É através do corpo como efetivação de uma consciência, ou melhor, de uma experiência, que há a comunicação com o mundo e com os outros. Assim, a cidade, seus espaços e ritmos, conformam um ambiente de intercâmbio de experiências múltiplas, individuais e coletivas, coesas ou conflitantes, mas sempre dinâmicas, que podem ou não acompanhar o ritmo que é próprio ao lócus urbano. O meu interesse foi então descobrir os espaços e tempos vividos na cidade, e de que forma se configuram as memórias e identidades dos sujeitos através do enraizamento das suas experiências nos diversos cenários urbanos à disposição.
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Tais observações seguem o caminho da valorização do cotidiano, da dinâmica das práticas e relações pessoais cotidianas, como noção base para a compreensão dos sentidos em jogo nas ações humanas. Situo-me a partir das contribuições de pesquisadores que propõem novas percepções sobre a estética urbana, valorizando a reapropriação da cidade, entendida como re-significação simbólica dos espaços e dos ritmos pelos diversos grupos humanos. Tais pesquisas buscam compreender de que maneira os atores sociais vivenciam, tensionam ou subvertem os códigos de conduta e sociabilidade urbanos (KOURY, 2003, 2005, 2006; MAGNANI, 1998, 1999; ROCHA, 2001; entre outros).
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Em conjunto com essa apreensão teórica da cidade, ressalto a preocupação com o caráter intersubjetivo da experiência (RABELO & ALVES, 1999). De tal forma, a experiência ganha contornos de vivência necessariamente intersubjetiva, com base nos sentidos acionados nas práticas cotidianas, nas interações em que a individualidade se torna perceptível. As individualidades – em suas relações na dinâmica do jogo social – expressas nos discursos narrativos surgem como aspecto fundamental para a compreensão da vivência urbana. Assim, pretendo reforçar o argumento sobre as fragmentações e articulações possíveis na composição da cidade tal como apreendida pelos seus personagens.
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Buscar as interpretações pessoais é uma forma de compreender a relação do indivíduo com o mundo com que e em que interage. Não o mundo panorâmico, contemplativo, perspectivado pelo olhar passivo que percebe de maneira homogênea e totalizadora. O mundo vivido, no entanto, como “cenário da vida do corpo, morada de afetos” (PESSANHA, 2000), é um mundo de espaço singular, “povoado por lembranças, sítio de experiências colorido por emoções datadas” (Idem).
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As narrativas expostas na tese, como elaborações discursivas das experiências pessoais e do processo de individualização dos sujeitos, são interpretações e significados atribuídos à vivência pessoal sem a visão no quadro de referências compartilhado formado pela cidade de Porto Alegre. Os sentidos expostos nas narrativas de tais elaborações individuais revelam a heterogeneidade própria às conformações humanas na sociedade contemporânea e de que forma a auto-imagem se estabelece a partir do processo tenso e conflituoso de delimitação de fronteiras sociais. A construção textual de tais relatos aborda a cegueira como um elemento comum aos personagens, sem buscar a caracterização de uma identidade coletiva, a configuração de um grupo humano específico.
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Tendo o corpo como terreno dos sentidos articulados e intercambiados no contexto socialmente vivido, a relação fundante do mundo intersubjetivo, do eu em relação aos outros, é revelada nos termos das experiências narradas da vivência cotidiana da cegueira. Na medida então em que é “dimensão do nosso próprio ser” (STEIL, 2007), é no e pelo corpo que se efetivam e se inscrevem as experiências e os projetos, que se pode pensar em modalidade particular de ser no mundo. O corpo do indivíduo é o meio por onde circulam e são agenciados, em sua relação com o mundo, os sentidos destas configurações. É a condição do indivíduo experienciar, criar vínculos, deslocar-se e elaborar os significados em sua relação com o mundo.
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Assim, as narrativas são montadas priorizando as especificidades de apreensão das experiências dos sujeitos. Dessa forma, se tornam compreensíveis as tensões, os conflitos, os diálogos, as semelhanças e distinções nas percepções próprias das experiências dos sujeitos nas dinâmicas das comunicações, negociações e apreensões dos sentidos socialmente compartilhados da falta de visão. Deixando aberto a outras possibilidades interpretativas e expondo os caminhos percorridos para estruturar minhas próprias reflexões. As contextualizações das narrativas estão em jogo no próprio ato de narrar, e, assim, tentei por uma das interpretações possíveis trazê-las ao corpo da tese.
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Referências
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CORREIA, Luiz Gustavo Pereira de Souza. Imagem fotográfica e memória social: o Templo de Angola Xangô Catulho Onicá no Zambe através de um acervo particular de fotografias. (Dissertação de mestrado). João Pessoa: PPGS-UFPB, 2002.
*
____________. “A pupila dos cegos é seu corpo inteiro”: compreendendo as sensibilidades de indivíduos cegos através das suas tessituras narrativas. (Tese de doutorado). Porto Alegre: PPGAS-UFRGS, 2007.
ELIAS, Norbert. Mozart – Sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
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KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Amor e dor – Ensaios em Antropologia Simbólica. Recife: Ed. Bagaço, 2005.
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____________. Medos corriqueiros e sociabilidade. João Pessoa: GREM/Ed. UFPB, 2005a.
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____________. Sociologia da emoção. Petrópolis: Vozes, 2003.
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____________. O vínculo ritual – Um estudo sobre sociabilidade entre jovens no urbano brasileiro contemporâneo. João Pessoa: Ed. GREM/ Ed. UFPB, 2006.
*
LE BRETON, David. El sabor del mundo – una antropología de los sentidos. Buenos Aires: Nueva Visión, 2007.
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MAGNANI, José Guilherme Castor. Festa no pedaço: Cultura popular e lazer na cidade. São Paulo: UNESP/HUCITEC, 1998.
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____________. Mystica urbe – Um estudo antropológico sobre o circuito neo-esotérico na metrópole. São Paulo: Studio Nobel, 1999.
*
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
*
PESSANHA, José Américo Motta. “Bachelard e Monet: o olho e a mão”. In: NOVAES, Adauto. (Org). O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
*
RABELO, Miriam Cristina & ALVES, Paulo César. Experiência de doença e narrativa. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.
*
ROCHA, Ana Luiza Carvalho. “As figurações de lendas e mitos históricos na construção da cidade tropical” In: Iluminuras, nº 34, Porto Alegre: Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001.
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segunda-feira, 15 de junho de 2009

Série Pesquisas em Desenvolvimento, n. 02 - Junho de 2009

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Publica-se, hoje, neste Blog, o segundo número da Série Pesquisas em Desenvolvimento. Esta Série tem por objetivo a publicação e a divulgação dos Resumos Expandidos das Pesquisas em Desenvolvimento pelo corpo de pesquisadores do GREM, neste ano de 2009.
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Nesta Série, que teve o seu número 01 publicado em 12 de junho de 2009, serão postados resumos individuais dos pesquisadores com um informe sobre suas pesquisas e uma pequena bibliografia referencial de apoio. Será informada, também, a linha de pesquisa do GREM a que estão vinculadas.
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O número 02 da Série Pesquisas em Desenvolvimento publica o Resumo Expandido da pesquisa do pesquisador Alexandre Paz Almeida. A pesquisa em desenvolvimento de Alexandre Almeida tem como objetivo a obtenção do título de Doutor em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco.
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A pesquisa de Alexandre Almeida está vinculada a Linha de Pesquisa do GREM: Medos Urbanos, Violência, Ruínas e a Construção das Cidades.
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Vamos, então, para o segundo número da Série Pesquisas em Desenvolvimento.
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Título da Pesquisa: As Praças Aristides Lobo e Pedro Américo: espaço de cultura, sociabilidade e contradições no centro de João Pessoa, Paraíba, Brasil
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Pesquisador: Alexandre Paz Almeida
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Resumo: Este trabalho intitulado As Praças Aristides Lobo e Pedro Américo: espaço de cultura, sociabilidade e contradições no centro de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, Brasil, faz parte de um projeto de pesquisa de doutoramento que venho desenvolvendo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vinculado ao Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções (GREM) da UFPB, coordenado pelo professor Mauro Guilherme Pinheiro Koury.
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No GREM trabalhei na pesquisa sobre Medos Corriqueiros e Sociabilidade Urbana, coordenada pelo Prof. Mauro Koury, o que resultou em uma monografia de final de curso em Ciências Sociais, na Universidade Federal da Paraíba, defendida no ano de 2005, tendo o referido coordenador como orientador. Ao dar continuidade a pesquisa sobre Medos Urbanos, pude também desenvolver uma pesquisa sobre Cotidiano e Sociabilidade em um bairro popular de João Pessoa, resultando em uma dissertação de mestrado, defendida em fevereiro de 2008, na Universidade Federal da Paraíba, intitulada de A Cidade, O Bairro e a Rua: um estudo sobre cotidiano e sociabilidade em Valentina de Figueiredo, João Pessoa, Paraíba.
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Ao compreender os processos de sociabilidade e cotidiano no meio urbano, pude perceber como a lógica do espaço se faz presente enquanto modeladora da vida de grupos e indivíduos que compartilham experiências comuns ou não. O espaço, desse modo, figura como o lócus de trocas de experiências, posição e imposição social, refletindo os anseios e ações dos indivíduos que nele estão imersos, seja através de relações pessoalizadas ou impessoalizadas, o que se torna, de certa forma, um campo onde podemos compreender os significados emocionais e simbólicos, culturalmente construídos no cotidiano e nas formas de sociabilidade, que Simmel (2006) define como lúdicas e contraditórias.
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O Espaço Como Categoria Sociológica
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Pensar um espaço urbano como categoria sócio-antropológica, é também buscar compreender um ambiente em que os diversos atores sociais projetam possibilidades, afirmam identidades, vivenciam ambigüidades, tensões e vários fatores que Simmel (1979) definiu como sendo unicamente metropolitano e moderno. Assim seria a vida nas cidades modernas: contraditória, entediada, carregada de tensões entre o espaço habitado e a vivência dos sujeitos enquanto construtores deste espaço, que se em alguns momentos traz algo de lúdico, por outro lado, faz do conflito algo determinante na formação de um sujeito e de uma identidade moderna, ou como Louis Wirth (1979) prefere, constrói “híbridos biológicos e culturais(1).” Desse modo, a cidade se apresenta com seus aspectos que propiciam a diversidade e diferença cultural, econômica e social, firmados sobre conceitos que delimitam e distinguem categorias que podem ser analisadas sob um universo empírico e suscetível de análise teórica.
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Neste sentido, é basicamente sobre o conceito de heterogeneidade que a sociologia vem se firmar como disciplina que busca uma compreensão do meio urbano e suas nuanças. Os espaços da cidade, desse modo, são compreendidos através da diferença e das reproduções que os atores sociais vivenciam e comungam experiências de redes associativas, de conflitos e experiências de vida emergentes de relações sociais, presentes como forma de integração ou desintegrarão dos grupos relacionais dentro de uma cotidianidade bastante definida. Cotidianidade esta que estrutura a permanência ou não dos indivíduos dentro de redes associativas, bem como os identifica dentro de práticas de compartilhamento, sociabilidades e interações, definidas geograficamente e temporalmente.
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Entre outros aspectos da cidade moderna e ainda observando a idéia de heterogeneidade cultural, também podemos perceber que este ambiente conflituoso e instável, constrói um lócus onde os indivíduos, imersos em relações impessoais e anônimos, são compelidos a uma permanente luta por reconhecimento e por afirmação identitária. Esse ambiente da cidade moderna surgiu por volta da metade do século XIX, através de um capitalismo industrial que vai segregar o caráter idílico das relações sociais, quebrando radicalmente com todas as formas de sujeição feudal, substituindo antigos agrupamentos por formas dispersas, exacerbando contradições sob um intensificado processo de alienação e racionalização das relações sociais, dos atores individuais e dos espaços compartilhados (LEFEBVRE, 2004).
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É bom deixar claro que o conceito de espaço (2) possui uma ampla ressonância, sendo freqüentemente usada na sociológica como significação de um lugar habitado. Portanto, o lugar também pode ser considerado um espaço habitado. O espaço, como categoria sociológica, somente ganha significado quando os homens conseguem habitar ou, simplesmente, demarcar aquele local para suas atividades relacionais ou não. Diferente de espaço e lugar, o conceito de habitar, provém de uma idéia de residir, morar. Todavia, o espaço e o lugar só existem quando se habita. Nessa perspectiva, Augé (1994) vai definir o não-lugar como o um espaço que, diferente do lugar – que é mais relacional, compartilhado e identificado, fazendo histórias e memórias – é totalmente desconexo enquanto projeto de reconhecimento e história social. Segundo Augé, a supermodernidade funda não-lugares, ou seja, espaços sociais que, apesar de serem públicos, quebram com a idéia de compartilhamento. Hotéis, supermercados, aeroportos e estações de metrô, entre outros lugares, são considerados por Augé como não-lugares.
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Percebe-se que o espaço (principalmente os citadinos) significa e ressignifica através das conseqüências e mudanças sociais e individuais, que rapidamente ocorrem em um tempo que parece está cada vez mais submetido ao cotidiano moderno (BAUMAN, 2004; LEFEBVRE, 1998) predominando o sentido de ser e estar, localizado no agora (ELIAS, 1994; KOURY, 2003), em outras palavras, a idéia de viver e se projetar apenas em um tempo-espaço presente parece se fortificar cada vez mais.
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Não obstante, o sentido ou a finalidade de uma praça transcende referências sócio-espaciais e históricas, sendo contextualizada dentro de suas especificidades enquanto projeto arquitetônico desenvolvido, supostamente, com a emergência da polis que diferencia radicalmente da estrutura “feudal”. As praças, bem como ruas, casas, monumentos, entre outras formas de arquitetura da polis, são expressões totalmente distintas dos antigos feudos, que agregavam, esporadicamente, alguns cidadãos em regiões dispersas (SENNETT 2008).
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Diante de tais circunstâncias, está pesquisa pretende compreender a lógica do espaço urbano – através de uma perspectiva sociológica contemporânea e urbana – que racionalmente se modifica, estruturando novos caminhos e possibilidades para se pensar o sentido de cidade enquanto modeladora da vida social e cultural. Neste sentido, a pesquisa se debruça em duas praças do centro da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, buscando, através dos atores sociais que nela estão presentes e se fazem presentes, compreender a lógica do espaço como transformadora das práticas sociais e culturais no meio urbano contemporâneo.
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Primeiras observações e considerações sobre as Praças Aristides Lobo e Pedro Américo
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Bachelard (1985, p.56) afirmou que “somente na vida social e no intercambio das paixões os homens podem viver os conflitos e contradições de seu destino”, no entanto, a paisagem seria um panorama natural que complementaria as vicissitudes de um mundo desfigurado por devaneios da imaginação humana. A paisagem, como espaço elementar para concretude da vida moderna, seria esboçada em imagens que complementariam a imaginação e a concretização do lugar, que por mais que se modifique, estaria eternamente presente na imagem gravada, compartilhada e vivenciada (KOURY 1998). Paisagem, imagem e memória se integrariam sob a dinâmica do espaço presente e ausente (3).
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Presente enquanto real, ausente enquanto imagem e memória, eis a lógica do espaço que se torna concreto, imaginado, histórico ou nostálgico, pois, quem nunca contemplou a imagem de uma paisagem, urbana ou não, em uma fotografia ou apenas no olhar, e não se sentiu extremamente cativado por aquele local? A paisagem, assim como Santos (2008 p. 67) vai definir, figura tudo aquilo que: “nós vemos, que nossa visão alcança, é a paisagem. Está pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. É formada não apenas de volumes, mas também de corres, movimentos, odores, sons etc”.
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As praças Aristides Lobo e Pedro Américo fazem parte desta paisagem da cidade de João Pessoa, onde suas corres, seus sons, sua imagem e todos os tipos de percepções subtraídos por nossos sentidos, fazem das praças um espaço que se concretiza com o movimento intenso dos diversos indivíduos que, anônimos, conhecidos, desconhecidos, com práticas diárias, transeuntes, etc. complementam nossa percepção do lugar, do espaço e da paisagem urbana contemporânea.
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Situadas no centro da capital, serviu e serve de palco para muitas manifestações artísticas e culturais da cidade. Espaço público de entretenimento, lazer e comércio, as duas praças são separadas apenas pelo Comando da Polícia Militar do Estado da Paraíba, este, construído por volta dos anos de 1864, foi projetado, primeiramente como teatro, todavia foi destinado para funcionar como sede do Thesouro Provincial e posteriormente transformado em Secretaria da Agricultura (nome que se encontra na parte externa do prédio, sentido Praça Aristides Lobo) e por fim, Comando da Polícia Militar. O prédio é tombado pelo IPHAEP – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Paraíba. O Theatro Santa Roza, localizado na Praça Pedro Américo, é considerado marco da arquitetura moderna do século XIX e ponto de referência turística e de manifestações culturais da cidade de João Pessoa.
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A importância de estudar duas praças centrais da cidade de João Pessoa, não se dá apenas por suas nuanças enquanto espaço configuracional de organização social e territorial da cidade e seus aspectos modernos de compartilhamento e preservação do espaço público (neste ultimo caso, é bom salientar que alguns cientistas sociais compreendem que a atual fase da modernidade tende a fragmentar não só a idéia de espaço público, mas a própria relação social parece esta fadada a impessoalidade e o anonimato dos sujeitos, por conseqüência de uma forte individualização e racionalização propagada pelo cotidiano moderno [4]), mas também saber como os atores sociais compartilham e vivenciam um local que, se de um lado apresenta o pitoresco, por outro lado funda contradições e dramaticidades nas relações arquitetadas cotidianamente.
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As praças Aristides Lobo e Pedro Américo, de certa forma, se enquadram na configuração pitoresca de uma cidade interiorana. Seu ambiente interno não possui quadras de esportes ou parques infantis, mas grandes arvores e vários bancos que a circundam. Com um comércio diversificado, que vai desde a venda de artesanatos, a floriculturas artificiais, passando pela informalidade dos fotógrafos “lambe-lambe” (5) e das prostitutas que marcam seu espaço de trabalho diariamente a partir das cinco horas da tarde, as praças são também circuladas por um amplo comércio de lojas de eletrodomésticos e roupas (6). Situadas em um ponto estratégico do centro de João Pessoa, o seu acesso se dá por várias avenidas principais, sendo a Guedes Pereira, passando pelo viaduto Damásio Franco, os mais comuns, o que torna os seus arredores bastante movimentados pelo fluxo constante de ônibus e carros.
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A presença de transeuntes, consumidores, trabalhadores do comércio, policiais militares, assim como religiosos que ocupam seu espaço para pregações e evangelização, como os grupos de idosos que sentam nos bancos ao entardecer, também são figuras sociais presentes no interior das praças, são atores localizados em um tempo e espaço específico, marcados por um cotidiano moderno que, por ser imperceptível, (LEFEBVRE 1998; BAUMAN 2004, 2005; HELLLER 1998) dificilmente torna possível a percepção das rápidas mudanças e transformações sociais, ambientais e culturais.
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As praças aqui estudadas se tornam um amplo espaço de sociabilidade, de reconhecimento, de trabalho, de lazer e - mesmo mantendo peculiaridades do espaço público habitado e planejado: bem localizado, arborizado, de fácil acesso - as tensões e contradições podem ser percebidas nas minúcias do cotidiano imperceptíveis aos olhos dos vários atores sociais que nela se fazem presente. Neste sentido, o espaço público para lazer ou comercio, para reconhecimento daqueles usuários habituais ou transeuntes, também é palco de contestação ao poder público por melhores condições de trabalho ou lazer (FRÚGOLI JR, 2000), de incômodo e reclamação com as prostitutas que trabalham lá, de se sentirem desprezados por não serem mais reconhecidos profissionalmente, como é o caso dos lambe-lambes.
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As praças Aristides Lobo e Pedro Américo, dessa forma, se tornam palco de investigação desta pesquisa, onde, através de seus tipos sociais, se buscará entender a lógica do espaço público-relacional; as configurações e reconfigurações sociais e históricas, culturais e simbólicas do local como elemento norteador de sociabilidade e identidade (DaMATTA, 1987; KOURY, 2003; MENEZES, 2000) .
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Conclusão
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É nas formas de apropriação destes dois espaços urbanos, do centro da cidade de João Pessoa, que se procurará analisar as referências identitárias construídas pelos diferentes sujeitos, bem como de que maneira as intervenções modernizadoras no espaço modificam e redefinem identidades, estruturam redes de sociabilidade, definindo uma cultura, se assim podemos chamar, diversificada e diferenciada, ou seja, heterogenia.
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Nesta perspectiva, para se compreender as tramas de sociabilidade no meio urbano, é fundamental se perceber a organização do espaço, com seus lugares e fenômenos de deslocalização (7), (MENEZES, 2000), bem como as diversas representações sociais que são moldadas dentro de um espaço usual, ou seja, compartilhado e vivenciado por grupos e indivíduos singulares, mas interdependentes enquanto construtores de um ambiente comum e reconhecido (ELIAS, 1994), o que segundo Koury (2005), vai estabelecer formas de apropriação de um espaço, que além de gerar núcleos de construção simbólica sobre o lugar, também fomentará um sentimento de pertencimento e uma atribuição de significado ao lugar, refletindo-se na significação dos próprios atores sociais que habitam a cidade. Atores que compartilham situações semelhantes, que vivenciam experiências em um tempo-espaço presente no cotidiano, formando imagens mentais e históricas comuns aquele social e grupo específico (DaMATTA, 1987). Por fim, para se entender a problemática entre indivíduos e espaço, deve-se buscar uma idéia de conjunção entre as vidas que habitam e pensam, que se relacionam e constroem o espaço enquanto elemento referencial de uma identidade grupal e individual.
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Notas
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[1] Para Wirth, assim como Simmel, a cidade moderna e industrial é um campo de complexidade humana, onde se agrupa um grande número de indivíduos heterogêneos, que compartilham um tipo de cultura, caracterizado por papeis sociais superficiais e relações fragmentadas.
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2 Na filosofia de Kant, o espaço, assim como o tempo, faz parte de uma estética transcendental, ou seja, é perceptível ao nosso espírito, mas independe de nossa realidade concreta para existir. Em Kant, ainda percebemos como o espaço e o tempo são categorias fundamentais para compreensão de nossa existência física, metafísica e material.
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3 SANTOS (2008. p. 67 e 68) denominará a paisagem como o conjunto das coisas que se dão diretamente aos nossos sentidos, onde o espaço, (que é sujeito a diversas transformações e configurações) resultará de um casamento entre o território, a paisagem e a sociedade. Ver SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado.
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4 Sobre este assunto ver os trabalhos de (BAUMAN, 2004; 2005) (LEFEBVRE, 1998; 2004) (KOURY, 2003ª) (SENNETT, 1998) e (HARVEY, 1993).
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5 É bom ressaltar que os fotógrafos lambe-lambe estão neste local e nesta profissão há mais de trinta anos, tentando, ainda, mesmo sem utilizar as antigas técnicas de fotografar e revelar, sobreviver pela uma forte tradição que os insere dentro um espaço-tempo que sobrevive pelo simples fato de preservação de uma identidade e memória coletiva e individual.
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6 Na Atenas de Péricles, por volta de 430 a.C. as praças eram os espaços mais freqüentados pelos cidadãos atenienses, nelas pessoas ricas ou pobres caminhavam livremente, entretanto, eventos cerimoniais e políticos não poderiam ser contemplados por escravos e estrangeiros (SENNETTE 2008). Sennett (2008) também nos mostra que, na antiga Atenas, somente poucos cidadãos tinha o privilégio de se expressar no interior das praças, onde apenas homens de letras mantinham o domínio do discurso político, todavia atividades de comércio e lazer faziam parte do cotidiano das ágoras naquele período.
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7 Segundo Menezes, o ato de deslocar pode ser simbólico, ou seja, signos e significados representados e construídos pelos diversos atores, como também representa uma mudança ou invenção de um lugar.
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